Hoje, a ubiquidade da fotografia e das imagens em nosso cotidiano torna difícil imaginar sua infância, quando criar uma única imagem era um processo trabalhoso, delicado, meticuloso e demorado. Em 1843, Anna Atkins, filha do renomado cientista britânico John George Children, começou a trabalhar em seu livro de fotogramas (cuja edição completa incluiria mais de 400 imagens) documentando espécimes de algas britânicas. Esse trabalho monumental é considerado hoje o primeiro livro totalmente ilustrado com fotografia (fotograma das algas) e o primeiro uso da fotografia para documentação científica. Apenas por essa contribuição Anna Atkins, alcançou um lugar único na história da fotografia, deixando um imenso legado tanto para biólogos, botânicos sistematas bem como para os artistas e fotógrafos contemporâneos.

Exposta desde jovem às pesquisas científicas e aos colegas de seu pai, Atkins desenvolveu uma paixão pela natureza, pela ciência e pelo desenho do natural (representações feitas a partir da observação direta do natural “drawing from life”). Na idade adulta, praticou desenho, litografia, pintura em aquarela e entusiasmou-se pela botânica, uma das poucas áreas científicas consideradas aceitáveis para mulheres na época, tornando-se membro da Sociedade Botânica de Londres logo após sua fundação.
O projeto de Atkins surgiu de seu interesse em documentar o mundo natural artisticamente e de forma precisa. Ela começou a imprimir na mesma época em que William Henry Fox-Talbot (1800-1877) tornou pública sua própria invenção da fotografia impressa e Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) anunciou seu desenvolvimento das fotografias daguerreótipo. (Louis-Jacques Mandé Daguerre apresentou publicamente o daguerreótipo, um dos primeiros processos fotográficos, em 19 de agosto de 1839, numa sessão da Academia Francesa de Ciências. O processo foi então divulgado e rapidamente se popularizou, marcando um momento importante na história da fotografia). Daguerre ficou implicitamente reconhecido como o pai do daguerreótipo apesar de conflitos posteriores com Isidore Niépce que representava os interesses do pai. Em 19 de agosto de 1839, no Instituto de França, foi anunciado ao mundo um novo processo, o daguerreótipo, tendo sido posteriormente vendido ao governo francês que logo tornou o método público.(
2)

Louis Jacques Mandé Daguerre
(fotografado por Jean-Baptiste Sabatier-Blot, 1844)(
WP)
Fotógrafo desconhecido
William Henry Fox-Talbot (
WP)
O avanço fotográfico estava no ar, mas não na forma como o conhecemos hoje.
O método utilizado por Atkins foi a cianotipia, hoje mais conhecida como “blueprint”, desenvolvida em 1842 pelo amigo próximo de seu pai, Sir John Herschel. O processo é relativamente simples comparado a outros métodos fotográficos: envolve apenas dois produtos químicos, citrato férrico amoniacal e ferricianeto de potássio, misturados em partes iguais e aplicados no papel, que depois é deixado para secar no escuro e usado como superfície para a impressão de um negativo, criando a fotografia. Alternativamente, um objeto pode ser colocado diretamente sobre o papel para produzir um fotograma. Quando expostos à luz solar, os químicos reagem formando um corante insolúvel em água que, ao oxidar, confere à cianotipia os tons de azul profundo (azul da prussia) que lhe dá o nome de “cianotipia” pela profunda cor azul ciano (ou azul da Prússia).
Para se avaliar a importância dessa obra e de sua autora, vale lembrar que em 2018, foi produzida uma grande exposição denominada “Blue Prints”, no Schwarzman Building da New York Public Library, para celebrar essa obra seminal da ciência e da arte. Esta mostra reuniu cartas, escritos publicados, gravuras e vários volumes do “British Algae” abertos em suportes dentro de vitrines. Os livros foram cuidadosamente expostos em suportes com suas grossas páginas azuis de bordas ásperas empilhadas umas contra as outras. As paredes também estavam forradas com gravuras de vários volumes desmontados do livro de algas de Atkins e do álbum posterior “Cyanotypes of British and Foreign Flowering Plants and Ferns”. Mas o destaque da exposição está na publicação de “Photographs of British Algae” (1843-1853 ou 1854), que levou dez anos para ser concluída, bem como em seus experimentos colaborativos posteriores com cianótipos feitos com sua amiga íntima Anne Dixon. A clareza e o número das exposições de Atkins demonstram notável habilidade técnica e atenção à composição. Cada página foi impressa à mão, com as algas secas delicadamente dispostas perto o suficiente do papel para produzir uma impressão nítida sem danificar o espécime. Um feito memorável.
A cianotipia é um processo fotográfico antigo que produz imagens em tons de um azul profundo, utilizando sais de ferro sensíveis à luz. Foi desenvolvido em 1842 pelo cientista e astrônomo inglês Sir John Herschel e é conhecido por sua simplicidade e baixo custo. Esse método de impressão fotográfica histórica ou alternativa, produz impressões caracterizadas pela típica cor azul da imagem (azul ciano ou azul da Prussia). Posteriormente desenvolveu-se métodos de tonalização desse azul para marrom, azul escuro, e violeta, mergulhando a foto depois de pronta em banhos com diferentes substâncias químicas.
1. Solução A: Citrato férrico amoniacal (verde) – 25 g em 100 mL de água destilada.
2. Solução B: Ferricianeto de potássio (vermelho) – 10 g em 100 mL de água destilada.
3. Papel ou tecido (algodão, por exemplo) para receber a emulsão.
4. Pincel ou bastão de vidro para aplicar a emulsão.
5. Negativo ou objeto para fotograma (se desejar criar imagens por contato).
6. Luz UV (Sol ou lâmpada UV).
7. Água para lavagem final.
8. Recipientes de vidro para preparar as soluções.
Modo de produção das soluções
1. Solução A (Citrato férrico amoniacal)
Dissolva 25 g de citrato férrico amoniacal em 100 mL de água destilada.
Misture até ficar homogêneo.
2. Solução B (Ferricianeto de potássio)
Dissolva 10 g de ferricianeto de potássio em 100 mL de água destilada.
Misture até ficar homogêneo.
Observação
As soluções devem ser armazenadas em frascos escuros e podem durar semanas se protegidas da luz.
Processo de cianotipia
1. Preparação da emulsão
Misture partes iguais da Solução A e Solução B (ex.: 10 mL de cada).
Aplique a mistura sobre o papel ou tecido com um pincel, em um ambiente com pouca luz.
Deixe secar no escuro (pode usar um secador de cabelo em temperatura baixa).
2. Exposição à luz UV
Coloque um negativo (em transparência) ou objetos opacos sobre o papel sensibilizado.
Exponha à luz solar ou UV por 5 a 20 minutos (o tempo varia conforme a intensidade da luz).
A área exposta ficará azul-escura, enquanto as áreas protegidas permanecerão claras.
3. Revelação e lavagem
Lave a imagem em água corrente por alguns minutos para remover os químicos não reagidos.
A imagem ficará mais intensa à medida que seca.
4. Secagem
Deixe o cianótipo secar à sombra.
Dicas e variações
Para tons mais claros, adicione um pouco de peróxido de hidrogênio (água oxigenada) na lavagem.
Para tons mais escuros, use um banho de chá ou café após a lavagem.
É possível fazer cianotipia em madeira, cerâmica e outros materiais porosos.
A cianotipia é um processo artesanal e versátil, ideal para experimentações criativas! Abaixo, salvei da internet várias ideias para você experimentar.
A seguir apresento um protocolo que permite produzir cerca de 50 impressões em tamanho A4. Eu prefiro o tamanho A3 ou A2.
20 g de Citrato Férrico de Amoniacal Verde
8 g de ferricianeto de potássio vermelho
200 ml de água (de preferência destilada)
Balança
Proveta graduada
Papel (deve ser isento de ácidos e suficientemente espesso gramatura de 120g ou mais.
Duas garrafas ou recipientes de 100 ml e um de 200 ml (de preferência de vidro escuro ou de cor âmbar).
Uma bacia ou bandeira adequada para o tamanho do papel A4.
Pincel ou esponja sem partes metálicas
Placa de vidro pelo menos tão grande como a folha a ser utilizada
Pregadores de roupa
A cianotipia é um método seguro e praticável de impressão fotográfica em casa. O citrato férrico amóniacal e o ferricianeto de potássio não são perigosos para a saúde. No entanto, deve usar algum bom senso e tomar medidas de segurança simples para evitar a ingestão ou inalação das substâncias. Deve-se cobrir a superfície de trabalho, não utilizar utensílios ou recipientes que também sejam utilizados para alimentos, não armazenar soluções com alimentos ou bebidas e utilizar sempre luvas e uma máscara ao preparar e utilizar soluções.
O Ferricianeto de Potássio granulado somente torna-se perigoso se atingir temperaturas superiores a 148,9°C ou se for misturado com um ácido forte. Por isso, é importante evitar ambas as circunstâncias, que de qualquer modo não se verificam no processo de cianotipia.
1. Preparo das soluções
Em primeiro lugar, manter a sala ventilada, onde não entre luz solar, e preparar a tua superfície de trabalho, cobrindo-a com jornal ou plástico para evitar que as soluções manchem as superfícies. Em seguida, dilua o Citrato Férrico amoniacal com 100 ml de água num recipiente (Solução A) e o Ferricianeto de Potássio com a mesma quantidade de água noutro recipiente (Solução B). Em seguida, deixar as duas soluções num local escuro e seco durante pelo menos 24 horas. Neste estado, as soluções podem ser armazenadas até 6 meses, mas o ideal é que sejam utilizadas dentro de algumas semanas.
2. Preparo da emulsão
Para preparar a emulsão, misturar as duas soluções em partes iguais num recipiente escuro. Isto deve ser feito numa sala onde não entre a luz do sol, mas não precisa de estar na escuridão total, pode manter uma lâmpada de 25 watts acesa à distância: a emulsão só é sensível aos raios ultravioleta.
3. Emulsificando o papel
Continuando a trabalhar numa sala sem luz solar, verter a emulsão preparada para um pequeno pote e, com um pincel ou uma esponja, espalhá-la sobre a superfície do papel. O objetivo é cobrir o papel o mais uniformemente possível, de modo a não deixar marcas ou manchas concentradas.
O papel ideal para a cianotipia é espesso e resistente (terá de suportar um banho de água), como o papel usado para aquarela, mas podem ser testados diferentes tipos para ver a diferença no resultado. Uma vez cobertas com a emulsão, as folhas demoram cerca de 30 minutos a secar, ou pode-se secar com secador de cabelo que leva apenas alguns minutos.
4. Exposição
Quando as folhas estiverem secas, inicia-se o processo de impressão propriamente dito. Coloque ou arranje os objetos sobre a folha de papel emulsionada e seca, coloque a folha com os objetos entre um sanduíche de vidro e exponha à luz direta do sol por 4 a 5 minutos dependendo da intensidade do Sol, do horário que se está trabalhando e da época do ano. A luz solar próxima ao meio dia é mais intensa é rica em UV. Antes das 10h da manhã e depois das 16h da tarde a intensidade dos raios solares é menor porque a luz atravessa mais atmosfera até chegar à superfície terrestre. Nesse caso devemos aumentar o tempo de exposição.
A exposição é a fase crítica do processo, uma vez que a luz solar é variável e imprevisível, e a estação do ano, a hora do dia e a posição em relação ao sol afetam a duração da exposição, que pode variar entre 3-4 minutos e 15-20 minutos, dependendo também do tipo de papel. A melhor opção é, por conseguinte, efetuar um teste preliminar, expondo uma imagem e cobrindo uma parte crescente da mesma de 2 em 2 minutos.
Sob o sol, a cor da emulsão no papel e por conseguinte a impressão começa imediatamente a escurecer, mas é preciso esperar até que comece a ficar castanho-escuro para que a impressão esteja pronta.
5. Revelação e secagem
Quando o tempo de exposição terminar, coloque a impressão numa bacia com água corrente, enxágue e agite a folha até que a pátina amarela se desprenda, deixando uma bela tonalidade azul profunda. Em seguida, coloque a impressão a secar à sombra durante cerca de uma hora.
Depois de seca, a imagem é fixada no cianótipo. É preferível guardar as impressões longe da luz solar direta, mas se alguma vez desvanecerem, basta deixá-las no escuro durante alguns dias para que recuperem a sua tonalidade original.
6. Eliminação
Os resíduos de produtos químicos usados podem ser eliminados nos esgotos domésticos em pequenas doses, juntamente com bastante água, para que não fiquem concentrados.
Os cianótipos podem ser utilizados para imprimir uma grande variedade de objectos. As folhas de plantas e as flores estão entre as escolhas mais comuns e mais eficazes, pois têm áreas com diferentes opacidades que imprimem cores ligeiramente diferentes, mas também penas, objectos de vidro e de plástico, têxteis e bordados… Vale a pena experimentar com o maior número possível de objectos para ver o efeito impresso. A experimentação também pode ser alargada ao tipo de suporte a utilizar: não só o papel, mas também o tecido se presta a este processo.
A tonalidade azul distinta dos cianótipos e a delicadeza dos contornos conferem a estas impressões qualidades únicas, para mim a maior da beleza da cianotipia reside sobretudo no seu processo e na experimentação.
Fonte