INÍCIO

26 julho 2015

HOMOAFETIVIDADE GREGA

GREEK SEXUALITY - MAD ABOUT THE BOY
Sexualidade grega ou desejo por rapazes
VEJA TAMBÉM 1, 2, 3










I

CULTURA POLÍTICA HOMOERÓTICA ENTRE A GRÉCIA ANTIGA E A (PÓS)MODERNIDADE: Cientificismo, Literatura e Historiografia 


Um fenômeno fundamental que caracteriza o que chamamos de modernidade é o processo de autonomização das esferas axiológicas como pressupostos discursivos que dirigem a vida e a convivência dos seres humanos. Até o mundo medieval, essas esferas, entre as quais podemos citar a economia e a política, encontravam-se indiferenciadas, sobrepostas, heteronômicas. Essa marca do mundo moderno foi bem diagnosticada pelas obras de Max Weber. Nesse processo, o crítico e poeta Charles Baudelaire é visto como um dos prógonos responsáveis pela autonomização da esfera da arte, evidenciada de forma contundente no século XIX. No que diz respeito aos campos de nossa investigação – o erótico e o político – torna-se crucial pôr em foco outra esfera que, também, como parte desse mesmo fenômeno modernizante, foi submetida ao processo de autonomização: a esfera da Sexualidade. Com muita propriedade e lucidez, dela, tratou o filósofo e historiador Michel Foucault. Essa esfera discursiva autônoma criou duas identidades originais e antagônicas da modernidade, o heterossexual e o homossexual. Na Modernidade Ocidental, as experiências, os comportamentos e as identidades sexuais são estruturados pela sexualidade, enquanto um campo discursivo autônomo, construído por essa mesma Modernidade, que interpreta e organiza tais experiências, comportamentos e identidades na medida em que constitui e individualiza o ser no nível do ser sexual e, também, na medida em que potencializa e alarga o espaço de abrangência do sexual na totalidade da psique humana. Diferentemente de sexo, que é um fato natural, sexualidade é uma construção cultural. Ela representa a apropriação do corpo humano e de suas zonas erógenas através de um discurso ideológico. Essa visão da categoria sexualidade está associada, em particular, à monumental obra de Foucault, a trilogia que compõe A História da Sexualidade. (Santos, 2009)

É necessário, então, termos logo em mente que a modernidade criou a sexualidade. Como um dos sintomas mais recentes da autonomização dessa esfera, deveríamos lembrar, entre outras, as palavras de Zygmunt Bauman ao discutir a redistribuição pós-moderna do sexo: “somos tentados a tomar por hipótese que testemunhamos, atualmente, o divórcio entre o sexo e a família, semelhante ao divórcio entre a família e o negócio, detectado por Max Weber como um dos principais processos constitutivos do início da modernização.”1 Ou, quando esse mesmo autor, ao discutir a ética pós-moderna, diz: “as morais costumavam ser consideradas como muito importantes para serem deixadas a meros seres humanos. Agora, elas podem ser deixadas a ninguém mais.”2 (Santos, 2009)

O objetivo deste estudo será o de investigar e reconstituir o que denominamos de cultura política homoerótica, uma cultura que se estende da primeira metade do século XIX aos nossos dias. Ela liga-se de forma visceral à criação e estabelecimento da sexualidade e possui duas vertentes distintas, mas intimamente interligadas: a moderna, estruturada por um sujeito moderno ou sociológico, e a pósmoderna, na qual assistimos à emergência e atuação de um sujeito pós-moderno. A cultura política homoerótica representa, portanto, em grande medida, um dos eixos pelo qual se articula a própria construção da sexualidade. Ela é a conditio sine qua non desta, bem como seu pólo ‘negativo’. Foi da necessidade de criar, identificar, representar o homossexual que se criou a identidade heterossexual, o que perfaz um vasto processo de produção identitária que configura o termo fundamental da produção da sexualidade. Do ponto de vista político, a cultura política homoerótica constitui-se no pólo tensional permanente da estrutura maniqueísta da sexualidade. A dicotomia homossexual/heterossexual é central nesse processo histórico e se mascara enganosamente em universalidade e naturalidade. A própria categoria homossexual, ela mesma polissêmica, molda uma identidade padrão que se constitui num dos elementos culturais, numa das máscaras que a circunscrição do homoerotismo deu vida. Logicamente, a identidade heterossexual também funciona como uma máscara na discursividade da esfera da sexualidade. (Santos, 2009)

Referimo-nos a um sentido específico da idéia de homoerotismo. A respeito desse termo, compartilhamos da clivagem psicanalítica proposta por Jurandyr Freire Costa em seus estudos sobre essa categoria. Esse autor chama a atenção para a esfera autônoma instituída pela construção das categorias da sexualidade no século XIX. O psicanalista diz:


Teoricamente, como procuro mostrar, homoerotismo é preferível a “homossexualidade” ou “heterossexualidade” porque tais palavras remetem quem as emprega ao vocabulário do século XIX, que deu origem à idéia do “homossexual”. Isto significa, em breves palavras, que toda vez que as empregamos, continuamos pensando, falando e agindo emocionalmente inspirados na crença de que existem uma sexualidade e um tipo humanos “homossexuais”, independentemente do hábito lingüístico que os criou. Eticamente, sugiro que persistir utilizando tais noções significa manter costumes morais prisioneiros do sistema de nominação preconceituoso que qualifica certos sujeitos como moralmente inferiores pelo fato de apresentarem inclinações eróticas por outros do mesmo sexo biológico. Ora, com base em outras convicções, sustento que não temos nem motivos éticos nem teórico-científicos consistentes para defender a legitimidade dessas opiniões. Nesse tópico, advirto, além do mais, que a carga de preconceito contida no uso de palavras como “homossexualidade” ou “homossexual” é autônoma em relação à intenção moral de quem as emprega.3  


Seus argumentos se dispõem em dois níveis. O primeiro é de ordem teórica. O termo homoerotismo proporciona maior clareza, pois, “é uma noção mais flexível e que descreve melhor a pluralidade das práticas ou desejos dos homens same-sex oriented” 4 . Seria incorrer num grande erro etnográfico, diz o psicanalista, se interpretássemos “a idéia de ‘homossexualidade’ como uma essência, uma estrutura ou denominador sexual comum a todos os homens com tendências homoeróticas”.5 A vantagem teórica do uso da noção de homoerotismo, dessa forma, é a de

tentar afastar-se tanto quanto possível desse engano. Primeiro, porque exclui toda e qualquer alusão a doença, desvio, anormalidade, perversão etc., que acabam por fazer parte do sentido da palavra “homossexual”. Segundo, porque nega a idéia de que existe algo como “uma substância homossexual” orgânica ou psíquica comum a todos os homens com tendências homoeróticas. Terceiro, enfim, porque o termo não possui a forma substantiva que indica identidade, como no caso do “homossexualismo” de onde derivou o substantivo “homossexual”.6  

O autor esclarece que o termo homoerotismo não deve ser entendido como uma proposição conceitual com pretensões à validade universal, mas, somente como tática argumentativa, referindo-se a uma subjetividade que visa distanciar o interlocutor de sua familiaridade com a noção de “homossexualidade”7 . Uma subjetividade que se refere “meramente à possibilidade que tem certos sujeitos de sentir diversos tipos de atração erótica ou de se relacionar fisicamente de diversas maneiras com outros do mesmo sexo biológico.”8 Dito de outra forma, homoerotismo seria necessariamente uma, entre tantas, das subjetividades possíveis do ser humano e não “uma propriedade permanente da natureza de certos homens, que independe das descrições que a tornam visível e plausível aos nossos hábitos lingüísticos.”9 O segundo nível é de ordem histórica. Nesse ponto, o argumento do autor refere-se ao preconceito contra o homossexual que vem sendo construído socialmente desde o século XIX. O autor afirma:  

A palavra “homossexual” está excessivamente comprometida com o contexto médico-legal, psiquiátrico, sexológico, e higienista de onde surgiu. O “homossexual”, como tento mostrar, foi uma personagem imaginária com a função de ser a antinorma do ideal de masculinidade requerido pela família burguesa oitocentista. Sempre que a palavra é usada evoca-se, querendo ou não, o contexto da crença preconceituosa que até hoje faz parecer natural dividir os homens em “homossexuais” e “heterossexuais”.10   


Para Costa, então, em termos psicanalíticos, homoerotismo é uma subjetividade possível do ser humano, uma potencialidade humana. Nesse caso, a pederastia dos gregos e a homossexualidade dos modernos seriam “duas formas de cristalização do imaginário cultural sobre a potencialidade homoerótica, e não dois nomes para o mesmo referente.”11 Destarte, a pederastia dos gregos e a homossexualidade dos modernos são formas distintas da potencialidade do homoerotismo; daí que os pederastas gregos não eram homossexuais. Homoerotismo, referindo-se a um desejo humano em potencial, a uma subjetividade do ser humano, continua Costa, 



é uma questão de prática lingüística. Não existe objeto sexual “instintivamente adequado ao desejo” ou vice-versa, como reitera a psicanálise. Todo objeto de desejo é produto da linguagem que aponta para o que “é digno de ser desejado” e para o que “deve ser desprezado” ou tido como indiferente; como incapaz de despertar excitação erótica.12


Nesses termos, poderíamos analisar uma cultura política homossexual, mas esta estaria necessariamente circunscrita nos limites da homossexualidade, o que excluiria várias outras representações da subjetividade homoerótica, construídas a partir do século XIX, que não se expressaram em termos de homossexualidade. Reconstituir a cultura política homoerótica, decerto, permitiu-nos explorar um horizonte muito mais amplo e complexo de subjetividades homoeróticas que, inclusive, recobre temporalidades anteriores à parte mais expressiva e definitiva da história da construção da sexualidade, cujo início, certamente, data dos anos finais do século XIX. Nessa cultura homoerótica inclui-se não somente a semântica da categoria homossexual, mas também a representação do urninge, do uranista, do queer e das múltiplas configurações homoeróticos expressas por personagens em obras oriundas de três grandes campos literários. Sujeitos antigos, modernos e pós-modernos: como no caso do pederasta grego, o perfil psíquico do urninge, do uranista, dos personagens literários (como um Vautrin, um Hallward, um Aschenbach) e do queer, em graus variados, destoa do perfil psíquico do homossexual. Os referentes são múltiplos. Compõem, conseqüentemente, uma diversidade de representações homoeróticas, um mosaico de subjetividades homoeróticas. Compõem uma cultura política homoerótica. Nessa reconstituição da cultura política homoerótica é de suprema importância a análise do impacto, da reverberação do homoerotismo grego (Pederastia) nos discursos da modernidade, através da releitura da construção das tradições decorrentes dessa reverberação e sua relação, tanto com a produção da identidade e da psique homossexuais (e com as outras subjetividades homoeróticas), quanto com a emancipação da homossexualidade enquanto movimento e pensamento politizados em busca de direitos civis, sociais e políticos. Três ordens de fontes são analisadas para recompor essa cultura: obras de cunho médico-científico, obras literárias e obras historiográficas que lidaram, nos séculos XIX e XX, com o homoerotismo grego. Revelam-se nelas uma multiplicidade de abordagens, de representações, de imagens do homoerotismo grego que compõem um imaginário e uma discursividade permanentemente em pauta nos debates gerados em torno das construções das subjetividades homoeróticas modernas, particularmente, da construção da categoria e da identidade homossexual. Essas três ordens de fontes, portanto, compõem importantes vetores pelos quais passaram a integração da cultura política em questão. No conjunto, elas exprimem, em suas abordagens, representações e imagens do homoerotismo grego, uma variedade de usos políticos e referências iluminadoras que alimentam, corporificam, retesam e norteiam as diversas subjetividades do homoerotismo no mundo moderno enquanto parte essencial da constituição da sexualidade. A nossa proposta de reconstituição da cultura política homoerótica tem como uma de suas fundamentações teórico-metodológicas o campo das Culturas Políticas13. Orientou-nos, também, a noção de que “a política trata da convivência entre diferentes. Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças.”14 E, ainda, a constatação de que “o político deixou de ser da ordem pública, do Estado, em oposição à ordem privada. O pessoal tornou-se político, o micropolítico é privado. As identidades são ‘máscaras’ criadas para se obter o sucesso em múltiplas relações e situações.”15

Esse objeto de pesquisa transita na fronteira em que se cruzam a história cultural e a história política. Evidentemente, as construções das subjetividades homoeróticas retratadas em nossa análise, em especial o caso mais complexo, sólido, duradouro e socialmente reconhecível da construção da homossexualidade, são manifestações da ordem da cultura e da política. A história da homossexualidade ou a construção da identidade homossexual, por seu turno, é, contundentemente, a história de uma luta política. Essa construção está imersa no político na medida em que, o homossexual, surgindo como sujeito específico no plano das sociedades modernas, quer se afirmar enquanto um elemento social na luta pelos seus direitos civis, sociais e políticos. E a expansão de tal expressão social caminha integrada ao jogo político da democracia, apoiando-se nele e por meio dele, e, em muitos casos, assumindo uma postura comumente identificada como de esquerda para a efetivação de suas conquistas em direção à justiça social, à cidadania e à integração (ou não) na sociedade. Ao investigar o que é manifesto pela linguagem, pretende-se compreender os modos pelos quais o mundo moderno construiu e tomou consciência da identidade da homossexualidade e das sensibilidades homoeróticas. “Que o cultural prepara o terreno do político aparece desde já como uma evidência de que alguns retiraram estratégias”16 e “a cultura atravessa todas as esferas de uma sociedade, nas representações do sagrado, do econômico, do social, da justiça, das idades”17 e (por que não dizer?) do erótico. 

Leia na integra esse excelente trabalho aqui.


 


II

O relacionamento homoerótico na Grécia Antiga: uma prática pedagógica
 
The homoerotic relationship in Ancient Greece: a pedagogical practice
Tiago Souza Monteiro de ANDRADE (1)

Introdução

A pesquisa está no alcance de qualquer pessoa que se disponha a recuperar no passado o processo de constituição do espaço de tensões e conflitos que é o presente e no qual se busca situar. Maria do Pilar de Araujo Vieira.


Na Grécia Antiga, era comum um homem adulto ter relações sexuais com um jovem. Nessa concepção, Dover (2007) apresenta o filósofo grego Sócrates, o qual era adepto ao amor homossexual e afirmava que o coito anal correspondia a melhor forma de inspiração. A visão do filósofo quanto ao sexo heterossexual, era a de que servia apenas para procriar. Para a educação dos jovens atenienses, esperava-se que os adolescentes aceitassem a amizade e os laços de amor com homens mais velhos, para absorver suas virtudes e seus conhecimentos de filosofia. Conforme Vieira, Peixoto e Khoury (2011, p. 17), “nas últimas décadas, se tenta pensar a história ainda que com muitas dessas referências, mas fora de esquemas e ortoxias, e se adota uma concepção de história que leva em conta toda a experiência humana a que não é alheio o historiador em seu trabalho”. Além disso, segundo as autoras, ao historiador cabe dar, ao objeto por ele eleito, uma explicação dos fatos humanos, centrando o eixo dessa explicação nos mecanismos que asseguram a exploração e a dominação de uns homens sobre os outros, no que diz respeito a fatores de ordem: econômica, política, social, cultural nas tradições e sistemas de valores nas diversas sociedades. Delimitar um trabalho não é atividade tão simples como se parece, uma vez que temos de estabelecer fronteiras espaço/temporais, cujos objetivos é não perder de vista o foco do trabalho.

(1) Professor Mestre - Departamento de Letras - Faculdade de Presidente Prudente - FAPEPE - Avenida Presidente Prudente, 6093 - Jardim Aeroporto - Presidente Prudente - CEP: 19053-210, São Paulo, Brasil. A pesquisa que resultou neste artigo não contou com financiamento de qualquer agência de fomento. E-mail: tygerstone@ig.com.br

FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.4, nº2, p. 58-72, Jun.-Dez., 2017.


A priori, havíamos pensado em realizar um estudo diacrônico em relação ao assunto posto, ou seja, realizar-se-ia um levantamento sobre a homossexualidade desde a Grécia Antiga aos nossos dias. Todavia, haver-se-ia muito trabalho para tão pouco tempo. Em seguida, procuramos delimitar espaço/tempo para não perder de vista o objetivo da pesquisa, realizando, por sua vez, um estudo sincrônico. Dessa forma, neste estudo limitamos em estudar as práticas homoeróticas masculinas na Grécia Antiga, cujo objetivo foi descrever como o relacionamento homoerótico era concebido na sociedade helênica da época. Além disso, procuramos responder a indagações como: por que os atenienses aceitavam a homossexualidade tão prontamente, conformando-se com tanta satisfação a esse hábito; como a homossexualidade era integrada à heterossexualidade, e como a avaliação moral e estética de comportamentos homossexuais se relacionava com valores da sociedade grega clássica de um modo geral. Como apontam Vieira, Peixoto e Khoury (2011, p. 33), “[...] quando priorizamos responder a questões colocadas pela própria experiência, demonstram interesse em dar respostas a questões levantadas em sua atividade profissional, militância política ou problemas colocados pelo cotidiano”. De acordo com as autoras, anualmente os alunos se interessam pelas questões do ensino e da pesquisa seja por fatos relacionados a movimentos sociais, seja por setores marginalizados da população – homossexual, negro, indígena, mulher, entre outros. Nesse sentido, o presente trabalho justifica-se por tentar expor de forma clara como a homossexualidade, algo que inquieta muitos ainda hoje, era vista sob a óptica grega. A pesquisa científica nunca foi tão valorizada na história da humanidade quanto ela é hoje. Na Idade Média, a pesquisa ficou engessada, porque tudo o que a sociedade seguia era o que era imposto pela igreja. Desde então, a ciência vem ganhando espaço e, hoje, nós estamos em uma sociedade baseada no método científico de gerar conhecimento. No tocante à metodologia e aos procedimentos técnicos metodológicos, Gil (2009) cita quatro principais elementos que norteiam a pesquisa: i) a natureza, ii) forma de abordagem, iii) objetivos e iv) procedimentos técnicos. Referente à natureza, o trabalho enquadra-se em uma pesquisa básica, pois objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática. Quanto à forma de abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, ou seja, considerando que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, não pode ser traduzida em dados estatísticos. No que diz respeito aos objetivos, é uma pesquisa exploratória, já que envolve levantamento bibliográfico. Finalmente, quanto aos procedimentos técnicos, corresponde a uma pesquisa bibliográfica, pois será elaborada a partir da recuperação de estudos realizados no meio acadêmico-científico. O trabalho, desse modo, corresponde a uma pesquisa bibliográfica e descritivoqualitativa, amparada por estudos de DOVER (2007); HALPERIN, WINKLER, ZEITLIN (1990); PLATÃO (2011), CALLAGHER (1990) e FOUCAULT (1988). Sendo assim, o artigo encontra-se configurado em três seções: i) a construção social da sexualidade, ii) o “banquete” de Platão e, por fim, iii) a homossexualidade na Grécia Antiga, além das considerações finais que recuperam e dialogaram com os assuntos que envolveram o presente estudo.


A construção social da sexualidade 

Diferentemente dos outros seres vivos, que já nascem programados para a vida a partir de uma carga de informações genéticas que os informa como se comportar e agir perante as diferentes situações, o ser humano vem ao mundo desprovido de tudo isso. Segundo BRASIL (2002, p. 15), “o modo de se comportar e de agir nos é dado socialmente: aprendemos com nossos pais, com a comunidade da qual fazemos parte e na escola.” Nesse sentido, podemos nos remeter a uma fala de Paulo Freire, cujas palavras afirmam que não somos simples folhas de papel em branco, nas quais a sociedade escreve uma história, visto que recriamos e reinventamos o que nos é oferecido – a cultura. Por essa razão, a humanidade é tão plural! Atualmente, com a rápida circulação de imagens e informações em revistas, televisão e internet, percebemos, cada vez mais, como diferentes sociedades vêm desenvolvendo modos diversos de existir no mundo. A sexualidade assume formas diversas de acordo com as culturas e com o que a trajetória pessoal e a criatividade individual determinam.

Cada sociedade possui um conjunto de regras, de padrões de comportamento e de concepções sobre o que é e para que serve a sexualidade. Tal conjunto de regras e padrões, que é informado, apreendido e utilizado pelos indivíduos, constitui o que chamamos de cultura sexual (BRASIL, 2002, p. 16).

Essa cultura sexual informará, entre outras coisas, quem pode e, consequentemente, quem não pode fazer sexo com quem, em termos de parentesco, de idade e de status social, dentre outros indicadores. Tomando alguns exemplos de diferentes sociedades, vemos que, no início do século XX no Brasil, entre nossos avós, era comum o casamento de homens mais velhos com mulheres mais novas, cujas idades variavam entre 12 e 15 anos, as quais logo iniciavam a vida sexual e reprodutiva. Hoje, a gravidez na adolescência é considerada, na maioria das vezes, um problema. Observamos, portanto, que os padrões mudam com o tempo e de acordo com os diferentes espaços geográficos e culturais. De acordo com BRASIL (2002, p. 25), na Nova Guiné, entre os Baruia, o sexo oral entre homens de diferentes gerações e status é uma regra social e culturalmente aceita. Nesse grupo cultural existe a crença de que a energia vital é transmitida pelo esperma. Dessa forma, os homens mais novos, assim como as mulheres devem ser alimentados pelos homens mais velhos com essa energia. Na Grécia Antiga, sociedade sobre a qual este trabalho se debruçará, entre os atenienses, “apenas os homens eram considerados cidadãos e tinham, portanto o direito e acesso ao conhecimento” (BRASIL, 2002, p. 17). A partir dessa situação, “era comum e legítimo o relacionamento sexual entre o professor e o aluno, considerado o relacionamento mais sublime entre dois homens” (ibidem). A partir desses exemplos, podemos verificar que a sexualidade é socialmente construída e, desse modo, é passível de assumir várias formas, de modo que os padrões e as regras mudam com o decorrer do tempo e da história e de acordo com distintos grupos sociais. 

Questões de terminologia 

Nas palavras de Gallagher (1990, p. 38), o termo homossexual significa mesmo sexo, podendo ser utilizado para denominar todo relacionamento com membros do mesmo sexo. Na prática seu uso é mais restrito. Uma definição de homossexualidade, sob este ponto de vista, poderia ser – “uma predominante, continuada e exclusiva atração psicossexual por membros do mesmo sexo.” (MACMILLAN, 1978, p. 667 apud GALLAGHER, 1990, p. 13). Segundo o autor, é exatamente ao nível da definição que encontramos nossas primeiras dificuldades em abordar a homossexualidade. A tentativa de categorizar os seres humanos em duas categorias mutuamente excludentes – heterossexuais e homossexuais – maioria e minoria, respectivamente, é uma simplificação demasiada e conduz a atitudes duvidosas, de acordo com ele. A natureza complexa da experiência sexual humana desafia qualquer divisão absoluta nesse sentido. Tendências homossexuais são um estágio no desenvolvimento de grande número de pessoas. Conforme Gallagher (1990, p. 14), 

[...] preferência sexual e comportamento sexual nem sempre são a mesma coisa. Entre os extremos da heterossexualidade exclusiva e da homossexualidade exclusiva há uma sequência de atitudes sexuais e de condições que não podem ser expressas com exatidão pelo uso unívoco do termo comportamento homo (igual) ou hétero (diferente) sexual. 

Há, além disso, segundo o que diz o autor, uma distinção entre a condição homossexual, que seria atração exclusiva por pessoas do mesmo sexo e atos sexuais, que corresponde a atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Sendo assim, a classificação simples de alguém como homossexual ou heterossexual não é plenamente acurada ou de acordo com as possibilidades de desenvolvimento inerentes a cada pessoa. 

O surgimento do termo 

Para Foucault (1988, p. 53), um dos pontos mais provocativos em sua obra é afirmação de que o homossexual, enquanto categoria tem data de nascimento: 1870, com o artigo de Carl Westphal – As sensações sexuais contrárias. É importante salientarmos que o autor não disse que o homossexual tem data de nascimento, ou seja, não significa que homens não faziam sexo com homens antes dessa data. Isso por que, conforme Magnavita (2012, p. 18), 

A homossexualidade é datada desde a Grécia Antiga, e não causava espanto. Passou a ser considerada uma doença misteriosa, sendo registrada no catálogo internacional de doenças no século XX. Essas implicações e pré-conceitos só foram abandonados após a década de 1990, quando deixou de ser considerada uma patologia.


A diferença fundamental é que, a partir do século XIX, o discurso vigente falava a respeito de uma espécie ou até mesmo de categoria de criatura denominada: homossexual. De acordo com Foucault (1988, p. 53), antes de 1870, havia a recriminação contra atos homossexuais, mas supostamente não se aventava que existisse algo como homossexual substantivado. Segundo o autor, um indivíduo que praticasse o coito homoerótico não era rotulado como pertencente a uma subclasse específica da humanidade. Era simples. Bastava que ele, após o ato confessional, redimisse-se a partir de práticas consideradas purificadoras. Dessa forma, podemos dizer que o sujeito não era algo, mas sim tinha feito algo. O investimento das instituições de poder vigentes, a Igreja, por exemplo, limitase a prescrever orações como forma de redenção contra o ato considerado pecaminoso. Embora saibamos, por meio da História, que nos séculos XVI e XVII, muitos tenham sido mortos pela Inquisição, por conta de práticas homossexuais. A partir de 1870, ocorre uma mudança de paradigma: nasce o conceito de homossexual, alguém com uma diferenciação de desejo que abarcava todo o seu ser. Quando Foucault (1988, p.55) afirma que o homossexual é construído, ele não está afirmando que as pessoas se tornam homossexuais por conta de influências ambientais. O fato é que se descobrir desejando o mesmo sexo a partir da data em questão, passou a ter uma implicação diferenciada, ou seja, o sujeito não estava apenas tendo um desejo, mas ele se descobria parte de um subconjunto, como denomina o autor, da humanidade. Enfim, essa marca recaía sobre o sujeito como um ferro de marcar gado. Afinal, ele pertencia a uma classe que havia se tornado alvo de estudo científico. Desse modo, não era ele quem dizia de si, e de seu desejo, mas as autoridades da época. Todavia cabe dizer que a origem do termo – homossexual – apresenta controvérsias e cabe-nos discorrer sobre outro ponto de vista em relação ao surgimento da expressão. A preocupação científica com o homossexual teve início no século XIX. A expressão homossexual foi criada em 1848, segundo Rodrigues (2004, 47), pelo psicólogo alemão Karoly Maria Benkert. De acordo com o autor, sua definição para o termo recaía “além do impulso sexual normal dos homens e das mulheres, a natureza, do seu modo soberano, dotou à nascença certos indivíduos masculinos e femininos do impulso homossexual (...). Esse impulso cria de antemão uma aversão direta ao sexo oposto”. (RODRIGUES, 2004, p. 24). Conforme aponta Rodrigues (2004, 47), em 1897 o inglês Havelock Ellis publicou o primeiro livro médico sobre homossexualismo em inglês, Sexual Inversion (2). Como muitos da época, ele defendia a ideia de que a homossexualidade era congênita e hereditária. A opinião científica, médica e psiquiátrica vigente era de que a homossexualidade era uma

(2) Tradução em Língua Portuguesa: Inversão sexual.

doença resultante de anormalidade genética associada a problemas mentais na família. A teoria, junto às ideias emergentes sobre pureza racial e eugenismo nos anos 1930, torna fácil entender por que a lobotomia(3) foi indicada para os homossexuais. Finalizada essa seção, trataremos de algumas discussões sobre o assunto contidas na obra O Banquete de Platão.


O “banquete” (Συμπόσιον, Sympósion) de Platão Quanto ao aspecto moral da prática da pederastia, houve uma investigação bastante atenta pela própria sociedade grega antiga, de modo que enquanto algumas de suas características foram consideradas repugnantes, outras foram consideradas como o melhor que a vida poderia ofertar. Nas Leis (4)  do filósofo Platão, o coito anal entre homens é descrito como contrário à natureza, segundo o autor há a necessidade de uma lei que corrobore com a proibição de tal comportamento, sendo sua proposta provavelmente deferida como correta. Antes de iniciarmos uma discussão sobre a obra, façamos uma breve apresentação do autor: Platão Πλάτων (amplo) (5)  nasceu em Atenas, por volta de 427 a.C., numa família aristocrática. Viveu oitenta anos e escreveu inúmeras obras, de maneira dialogada, em que Sócrates, seu mentor, corresponde, geralmente, ao principal interlocutor. No diálogo O Banquete, Platão trata do amor, mediante os diálogos dos participantes de uma festa, os quais intervêm sucessivamente, cada qual expondo a sua teoria sobre o assunto. A obra O Banquete, também conhecida como Simpósio (em grego antigo: Σμπόσιον, transl. Sympósion) (6)  é um diálogo platônico escrito por volta de 380 a.C. 

Configura-se basicamente de uma série de discursos sobre a natureza e as qualidades do amor - Eros. O Banquete é, juntamente com o Fedro, um dos dois diálogos de Platão em que o tema principal é o amor. Tò sumpósion (7), em grego, é em geral traduzido como O Banquete, mas, no sentido atual, corresponderia a uma festa entre, nas quais, normalmente, bebese mais do que se come. Trata-se, portanto, de uma celebração na casa de Agaton, poeta trágico ateniense. Sócrates é o mais importante dentre os homens presentes. Entre outros, também participam Aristodemo, amigo e discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico; Pausânias, amante de Agaton; o médico Erixímaco; Aristófanes, comediante que ridicularizava Sócrates e o político Alcibíades. Procuramos destacar nesta seção os argumentos dos intervenientes relativos à homossexualidade dispostos na obra em questão. A antiguidade grega, a que pertenceu Platão, caracterizava-se pelo politeísmo, isto é, crença em diversos deuses. Nessa concepção, a cada um atribuía-se a responsabilidade por determinados fenômenos, como, por exemplo, o deus Amor, responsável pelo sentimento de afeição entre as pessoas; assinalava-se, ainda, pela bissexualidade masculina, em que se aceitavam as relações sexuais de homens tanto com mulheres como entre homens, e pela pederastia, relacionamento entre o erastes e o eromenos: aquele, sendo o mais velho por volta de 25 anos, procurava um rapaz entre 12 e 15 anos (o eromenos), a quem, sob a aprovação dos respectivos pais, servia de amigo e educador até os seus 18 anos, quando a relação passava a ser de amizade, exclusivamente, sem conteúdo sexual que, de resto, não compreendia penetração anal e sim o coito intercrural (8). 

Autor da primeira fala do texto de Platão, Fedro, concebe o Amor como o mais antigo dos deuses e o que mais benefícios propiciam aos homens, o mais apto para felicitar o ser humano e torná-lo virtuoso, durante a sua vida e após a sua morte, “pois, diz ele, não conheço vantagem maior para um jovem do que ter um amante virtuoso”. O Amor inspira o que é necessário para levar-se uma vida honrosa, a saber, a vergonha do mal e o desejo do bem: se um Estado ou um exército se compusessem apenas de amantes e de amados, não haveria povo que professasse tanto horror ao vício e apreciasse tanto a busca da virtude. 

Fedro defende seu posicionamento, dizendo que “assim, pois eu afirmo que o Amor é dos deuses o mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a aquisição da virtude e da felicidade entre os homens, tanto em sua vida como após sua morte” (PLATÃO, 2011, p.20). 

Nesse ensejo, Lacerda Neto (2008, p. 20), diz que homens unidos assim, ainda que poucos, poderiam vencer aos demais: nenhum deles desejaria ser observado pelo seu amante, em rendição ou em debandada; ao contrário, preferiria morrer mil vezes a abandonar em perigo o seu bem-amado e deixá-lo sem auxílio. Por isso, unicamente os amantes são os que sabem morrer um pelo outro, trate-se de homens ou de mulheres, como foi o caso de Aquiles, que defendeu Pátroclo, vingou-o à custa da própria vida e morreu-lhe sobre o corpo, abnegação pela qual os deuses tributaram-lhe mais honras do que a qualquer outro homem. 

A seguir, Pausânias distingue dois tipos de amor, o popular e o celestial, dos quais o primeiro inspira baixezas, devem-se louvar todos os deuses e dizer o dom de cada um, pois as ações, em si mesmas, não são nem belas nem feias, mas sim na maneira como são feitas, que resulta a beleza ou a feiura, isto é, “o que é belo e corretamente feito fica belo, o que não o é fica feio” (PLATÃO, 2011, p.21). 

Dessa forma, “o amar e o Amor não é todo ele digno de ser louvado, mas apenas o que leva a amar belamente” (Ibidem). Por sua vez, o amor celestial inspira necessariamente o amor aos homens, especificamente aos jovens, cuja inteligência principia a desenvolver-se, ou seja, os adolescentes. Segundo Lacerda Neto (2008), o seu objeto não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não se separarem mais e de passarem toda a vida com o que amam. A despeito das relações sexuais, segundo Dover (2007), entre os amantes masculinos, pondera que na Élida e na Beócia, é bom conceder os seus favores a quem nos ama; a ninguém, jovem nem velho, isto parece mal, enquanto na Jônia e nas regiões submetidas ao domínio dos bárbaros - os persas, tal costume reputa-se vergonhoso e proscrito, juntamente com a filosofia e a ginástica. É porque os tiranos, indubitavelmente, não querem que entre os seus súditos surjam indivíduos de grande valor, nem amizades nem uniões vigorosas, que são as que formam o Amor. Assim, diz Lacerda Neto (2008, p. 26) que nos Estados em que se considera vergonhoso conceder os seus favores a quem nos ama, procede esta severidade da iniquidade dos que a estabeleceram, da tirania dos governantes e da covardia dos governados. 

Enquanto em Atenas, preferia-se amar claramente a fazê-lo à socapa (9), e aos homens virtuosos e generosos, mesmo que desprovidos de beleza; reputava-se belo conquistar-se o afeto do amante e humilhante não o obter, propósito para o qual se admitiam todos os meios possíveis: súplicas, lágrimas, juras, baixezas, que em outras circunstâncias, seriam vexatórias, e que, no caso do amante, seria espetacular. 

Todos, naquela cidade, achavam-se persuadidos de ser louvável amar e ser amigo do amante. Não é honroso, prossegue Pausânias, concederem-se favores sexuais a um homem vicioso e por maus motivos, sendo-o, em contrapartida, fazê-lo por boas causas, a um homem praticante da virtude. É homem vicioso o amante que ama o corpo, de preferência à alma: seu amor não poderá ser duradouro, pois ama algo que não dura, porém o amante de uma bela alma permanece fiel por toda a vida porque ama o que é duradouro; por isto, os costumes induzem a que se examine a pessoa no que diz respeito ao seu caráter e ao seu comportamento, antes de comprometer-se com ela. Também se considerava decoroso um indivíduo servir sexualmente a quem o amava, retribuindo-o a priori, se desejasse adquirir conhecimento e instrução, ao segundo, se capaz, este, de infundir-lhe ciência e virtude. 

Toma a palavra Aristófanes, que explica a origem da homossexualidade tanto masculina como feminina, assim como da heterossexualidade. Segundo ele, havia três tipos de seres humanos, dos quais, um correspondia aos homens; outro, às mulheres, e um terceiro, a uma criatura mista, masculina e feminina, denominada de andrógino. Todos os humanos apresentavam-se como duplos, dotados de quatro braços, outro tanto de pernas e duas faces em uma só cabeça, até Júpiter desmembrá-los, transformando-os em criaturas singulares. A partir disso, cada metade procura a outra, que lhe corresponde; ao se encontrarem, copulam entre si, uma metade masculina com a feminina, ou duas masculinas ou duas femininas, o que originou, respectivamente, os heterossexuais, as tríbades (10) e os homossexuais. 

De acordo com Lacerda Neto (2008, p. 28), os homens procedentes da separação dos homens primitivos, buscam, reciprocamente, o sexo masculino. Enquanto são jovens amam aos homens, desfrutam deitando-se com eles, por estar em seus braços são os mais destacados entre os adolescentes e os adultos, como se possuíssem uma natureza muito mais viril. Sem razão alguma, acusasse-os de não terem pudor, e não é por falta de pudor que procedem assim; é porque possuem uma alma corajosa e valor e caráter viris, que buscam aos seus semelhantes, e a prova disto é que, com a idade, mostramse mais aptos para o serviço do Estado do que os outros. Ao chegarem à idade adulta, amam, por conseguinte, aos adolescentes e aos jovens, e se se casam e têm filhos, não é por seguir os impulsos da sua natureza, senão porque a lei os constrange a tal. O que eles querem, é passar a vida em celibato, juntos uns dos outros. Quando um desses homens encontra o outro ou a sua metade, características como a simpatia, a amizade e o amor despontam em ambos, sem que os prazeres libidinosos ou devassos pareçam corresponder à causa disto. Graças ao amor, continua Aristófanes, os homens e as mulheres serão felizes se encontrarem a sua metade e retornarem ao seu primitivo estado de união que, se correspondia ao melhor, o que mais se aproximar dele deve equivaler, necessariamente, também ao melhor. Concluída a fala de Aristófanes, reúne-se Alcebíades ao grupo dos convidados, para alarme de Sócrates, que interpelou a Agaton, o anfitrião, alegando que o amor de Alcebíades é um verdadeiro apuro. Sócrates dizia que, desde que passou a amá-lo, não pôde observar nem falar a nenhum outro jovem, sem que, por despeito ou zelos, entregasse a excessos incríveis. 

Após enaltecer as qualidades de Sócrates, observa Alcebíades: “Vede o ardente interesse que Sócrates demonstra pelos belos mancebos e adolescentes e com que paixão busca por eles, e até que ponto eles o cativam”. Supondo Alcebíades que Sócrates interessava-se pela sua beleza, acreditou que, cedendo-se a ele sexualmente, ele comunicaria o seu conhecimento: tentou seduzi-lo em diversas circunstâncias, sem sucesso, até resolver expor-lhe os seus intuitos:

Penso que tu és o único amante digno de mim e parece-me que não te atreves a revelar-me os teus sentimentos. Da minha parte, posso assegurar-te que seria bem pouco razoável se não buscasse comprazê-lo nesta ocasião, como em qualquer outra em que pudesse ficar-lhe agradecido, por mim próprio, como por meus amigos. Não tenho maior empenho do que aperfeiçoar-me o quanto me seja possível e não vejo ninguém cujo auxílio para isto possa serme mais proveitoso do que o teu (PLATÃO, 2011, p.23).


Com a resposta de Sócrates, conforme aponta Lacerda Neto (2008, p. 30), ponderando-lhe que trocariam valores desiguais, o da beleza física pela aquisição da sabedoria, após o que, Alcebíades apressou-se a abraçá-lo e passaram juntos à noite. Em seguida, Sócrates desdenhou-lhe da beleza e insultou-a, o que originou queixas de Alcebíades, das quais, e dos abundantes elogios que formulou a Sócrates, resultou, da parte dos comensais, a impressão de que prosseguia encantado por ele. Terminada a presente seção, sigamos para última, cujo objetivo é tratar da homossexualidade na Grécia Antiga, ampliando alguns dos pontos já apresentados nessa seção.

(3) Lobotomia: Desenvolvida pelo neurocirurgião português António Egas Moniz, consistia em uma técnica cirúrgica que cortava um pedaço do cérebro dos doentes psiquiátricos, mais precisamente nervos do córtex pré-frontal. 

(4) Para maiores esclarecimentos consultar: Platão. As Leis. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1999. 

(5)  Platão, 427-347 a. C. O Banquete. Porto Alegre-RS: L&PM, 2011. 

(6) Ibidem. 
(7)  Ibidem.

(8)  Vocábulo do latim inter (entre) e crus (pernas), também conhecido como sexo femoral ou sexo interfemoral, consiste em uma série de posições sexuais com e sem penetração em que um dos participantes coloca seu pênis entre as pernas do outro (muitas vezes com lubrificação), onde ambos obtêm prazer mediante a fricção genital resultante, simulando o coito com penetração.

(9)  Socapa: fazer de maneira disfarçada, às escuras. 
(10) Tríbade: adeptos ao tribadismo, ou seja, corresponde à homossexualidade feminina, em que a relação se dá pelo atrito dos órgãos genitais.


A homossexualidade na Grécia Antiga 

O relacionamento homoerótico na Grécia Antiga teve seus aspectos explorados por diversos autores da Antiguidade Clássica, tais como Heródoto, Ateneu, Xenofonte e Platão, este último sobre o qual discorremos na seção anterior. A maneira mais conhecida e socialmente significativa de relação sexual entre indivíduos do mesmo sexo na Grécia era entre homens adultos e jovens, conhecida como pederastia; os casamentos heterossexuais, da mesma maneira, eram geralmente arranjados de acordo com as idades dos cônjuges, envolvendo homens na faixa dos trinta anos de idade casando com garotas no início da adolescência. Não se conhece com precisão sobre as relações homoeróticas envolvendo mulheres na sociedade geral grega, porém existem exemplos que datam desde pelo menos a época da poetisa Safo. Segundo Dover (2007, p. 14), “as informações que temos a respeito de qualquer forma de sexualidade feminina são pouquíssimas em comparação com a grande abundância de testemunhos acerca da homossexualidade masculina.” Ademais, cabe dizer que o teor do presente trabalho debruçar-se-á apenas nas relações homoeróticas masculinas. Conforme aponta Dover (2007, p. 14), a forma mais comum de relações homoeróticas entre homens na Grécia Antiga era a paiderastia - pederastia - (amor de/por garotos). Após os 12 anos de idade, desde que o adolescente concordasse, transformava-se em um parceiro passivo até por volta dos 18 anos, com a aprovação de sua família. Normalmente, dos 25 aos 30 tornava-se um homem, logo se esperava que assumisse o papel ativo. Tratava-se, como já exposto, da relação homoerótica entre um homem mais velho e um adolescente. Em Atenas, o indivíduo mais velho era chamado de erastes, e sua função era a de proteger, amar e agir como um exemplo para seu amado - chamado de eromenos, cuja recompensa para seu amante estaria em sua juventude, beleza e potencial. De acordo com Halperin, Winkler e Zeitlin (1990, p. 18) havia protocolos sociais complexos, a fim de proteger os jovens da vergonha associada com o ato de serem penetrados sexualmente. Em outros termos, segundo os autores, o eromenos devia respeitar e honrar o erastes, mas não desejá-lo sexualmente. Embora ser cortejado por um homem mais velho fosse, consideravelmente, um rito de passagem para os rapazes, um jovem que fosse visto correspondendo o desejo erótico de seu erastes poderia sofrer um considerável estigma social. Em Esparta, quando o menino entrava em apuros, as autoridades procuravam, como responsável, o seu erastes e não o pai. Era esta característica de muitas sociedades guerreiras. Havia entre eles o costume do guerreiro, entre 18 e 25 anos, manter em sua companhia um menino, com o qual copulava entre as coxas, não uma mulher, uma vez que não eram permitidas no acampamento. Quando seu período de serviço militar era concluído, o jovem presenteava o menino com armas, um escudo e lança, e depois partia e se casava. Em outras palavras, com os gregos, ele passava por uma fase homossexual, que a um ponto socialmente determinado era interrompida, e depois tornava-se heterossexual. Nesse sentido, Dover afirma:


[...] a cultura grega diferia da nossa em sua aceitação da alternância de preferência homossexuais ou heterossexuais num mesmo indivíduo, e sua negativa implícita de que esta alternância ou coexistência criasse problemas específicos para o indivíduo ou para a sociedade (DOVER, 2007, p. 13). 


O autor ainda complementa apontando que os gregos tinham consciência de que os indivíduos diferem em suas preferências sexuais, mas sua língua não tinha substantivos correspondentes a um homossexual ou um heterossexual, uma vez que eles consideravam que virtualmente todos respondem, em momentos diferentes a estímulos homossexuais e heterossexuais. Além disso, “nenhum homem penetra outros homens e se submete à penetração por outros homens numa mesma fase de sua vida” (DOVER, 2007, p. 126). Os gregos antigos não concebiam a ideia de orientação sexual como um identificador social, do mesmo modo que as sociedades ocidentais vêm fazendo ao longo do último século. A sociedade grega não distinguia entre desejo e comportamento sexual com base no gênero de seus participantes, mas sim pela extensão com que tais desejos ou comportamentos se conformavam às normas sociais, que eram baseadas, por sua vez, no gênero, idade e status social. Todavia, há pouco material a respeito de como as mulheres viam a atividade sexual, isso pelo fato de as mulheres não terem representação social e serem consideradas seres inferiores. Dias (2010, p. 32) apresenta um recorte sobre o relacionamento homoerótico na Antiguidade aludindo a deuses, reis e heróis, afirmando que:


Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis. O mais famoso casal da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo. Até hoje, se indaga sobre o caráter e a importância de tais práticas, se perversão admitida, instituição pedagógica ou ritual iniciatório, sendo questionado se tais hipóteses seriam excludentes entre si. A bissexualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecida como preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio dos bem-nascidos. Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser homossexual ou heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega. Nas Olimpíadas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física. Era vedada a presença das mulheres nas arenas, por não terem capacidade para apreciar o belo. Também nas representações teatrais, os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou mediante o uso de máscaras (DIAS, 2010, p. 35).


Em relação à Esparta, esta é a posição de Vecchiatti (2008, p. 44):

Já na cidade-estado de Esparta, cuja sociedade dava mais ênfase ao desenvolvimento militar do que ao cultural, a visão do amor entre homens tinha um enfoque um pouco diferenciado. Era ela estimulada dentro do exército espartano, para torná-lo ainda mais eficiente. Isso se explica por um simples fato: com a existência constante de relacionamentos homoafetivos dentro do exército, quando este ia para a guerra, o soldado estaria lutando não apenas por sua cidade-estado, mas igualmente para proteger a vida de seu amado, o que, obviamente, aumentaria o grau de dedicação do combatente.


Como pudemos observar nos fragmentos supramencionados, a peculiaridade das sociedades gregas era a segregação da população masculina cidadã em acampamentos e cantinas. A deliberada privação da autoridade dos pais de famílias, e a sua transferência para o grupo de maior idade, e àqueles aos quais era delegada a responsabilidade pelos vários grupos etários de meninos, adolescente, jovens e homens mais velhos. A sociedade espartana, por exemplo, era permanentemente organizada como um exército em treinamento. Os gregos antigos, segundo Dover (2007), no contexto das cidades-Estado pederásticas corresponderam aos pioneiros a estudar, a sistematizar, a descrever e a estabelecer a pederastia como uma prática sócio-educacional, ou seja, uma prática pedagógica que, de acordo com seus princípios, o jovem que cumprisse com essa trajetória estaria preparado para ser um cidadão grego por completo. Era um aspecto importante da vida militar, civil, artística e filosófica. Ainda existem debates entre os estudiosos sobre o quanto essa prática era difundida entre as classes sociais ou se estava limitada à aristocracia. 


Considerações finais 

Na Grécia antiga, a homossexualidade não equivalia ao que modernamente designa-se por este vocábulo: na atualidade, ele indica a atração de homens por homens e a sua consequência propriamente sexual, a penetração do pênis no reto, ao passo que na Grécia antiga a cópula homossexual considerava-se desprezível e somente se admitia entre um grego e um jovem, respectivamente nos papéis de ativo e passivo. A assim chamada homossexualidade grega encarnava um costume altamente moral de finalidade educadora; a intimidade física entre o erastes e o eromenos verificava-se no âmbito de uma relação, antes de tudo, formadora do caráter do mais moço, em que o mais velho desempenhava um papel significativo na transmissão de valores. Nada disso se reproduziu nas demais sociedades, ao longo da história. Longe de encarnar uma simples forma de satisfação genital, a pederastia grega encarnou uma elevada espécie de relacionamento humano que muitos autores verberaram por ignorarem o seu aspecto educador ou, mais provavelmente, por entenderem-no como licença institucionalizada à penetração anal, o que, na verdade, não o caracterizava. O advento do cristianismo provocou a censura da homossexualidade, o fim da pederastia grega, e a instauração da homofobia que por séculos vem caracterizando as sociedades ocidentais. Independentemente de classe social, raça, religião ou postura política, o amor homossexual sempre esteve presente na História. Segundo Foucault (1988), não existe povo na terra onde a homossexualidade não se manifeste. O presente artigo objetivou mostrar como a relação homoerótica era encarada e considerada como prática pedagógica pelos helênicos. Ademais, versou como a homossexualidade era encarada pela sociedade grega clássica, de modo que, para o propósito desta pesquisa, a homossexualidade foi definida como a disposição para buscar prazer sensorial através do contato corporal com pessoas do mesmo sexo. A finalidade era que experiência e sabedoria fossem transmitidas por meio dessa prática, considerada pelos gregos como um ritual de passagem. Certamente, para outros propósitos, esta definição poderá parecer inadequada e superficial, mas a cultura grega diferia da nossa em sua aceitação da alternância de preferências homossexuais e heterossexuais num mesmo indivíduo, e em sua negativa implícita de que esta alternância ou coexistência criasse problemas específicos para o indivíduo ou para a sociedade. Evidentemente, aos olhos da sociedade moderna, essa prática receberia outra nomenclatura, sendo considerada crime. O helenista inglês Kenneth J. Dover, cuja obra é uma das referências neste trabalho, baseou sua análise das contradições da homossexualidade masculina nas representações de ânforas, vasos ilustrados que os gregos eram mestres em produzir. O autor mostrou que a sociedade grega era francamente favorável ao relacionamento entre dois homens, embora aquele que penetrasse fosse considerado mais viril. Segundo ele, o homem adulto perseguia os mais jovens, mas sexo entre homens da mesma idade era algo escandaloso. A homossexualidade grega lícita era sempre entre um adulto e uma criança ou jovem adolescente. Segundo Naphy (2004) em toda a história e em todo o mundo a homossexualidade tem sido um componente da vida humana. Desse modo, aos olhos do autor, não pode ser considerada antinatural ou anormal. Não há dúvida de que a homossexualidade é e sempre foi menos comum do que a heterossexualidade. Entretanto, a homossexualidade é claramente uma característica muito real da espécie humana. Para muitos, ainda hoje o continua sendo uma questão de tempo. Ao longo do trabalho, tentamos discorrer sobre algumas inquietações e procuramos responder por que os gregos aceitavam a homossexualidade tão prontamente, conformando-se, com tanta satisfação. Essa prática, considerada pedagógica pela Grécia Antiga, corresponde a algo que era aceito porque seus pais, tios, avós e demais gerações anteriores também aceitavam. Esses valores eram transferidos pela sociedade como um estágio, pelo qual os jovens gregos haveriam de passar, a fim de que se tornassem homem por completo. Nenhuma discussão que vise demonstrar que a homossexualidade de um modo geral é natural ou contrária à natureza, saudável ou doentia, legal ou ilegal, de acordo com a vontade de Deus ou contra ela, demonstra se determinado ato homossexual é moralmente certo ou moralmente errado.



PLATÃO. As Leis. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1999. ______. O banquete. Trad. Donaldo Schüler. Porto Alegre-RS: L&PM, 2011, 176 p. (Coleção L&PM POCKET, v.711).


Bibliografia BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas Públicas e Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Guia de prevenção das DST/AIDS e cidadania para homossexuais. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 

DOVER, Kenneth James. A homossexualidade na Grécia Antiga. Trad. Luís Sérgio Krausz. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2007. 

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. 17. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. 

GALLAGHER, Raphael. Compreender o homossexual. Trad. Victor Hugo Silveira Lapenta. São Paulo: Editora Santuário, 1990. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 

HALPERIN, David; WINKLER, John; ZEITLIN, Froma. Before sexuality. Princeton University Press, 1990. LACERDA NETO, Arthur Virmond de. A homossexualidade em Platão. Revista Lado A: para pensar. Disponível em:. Acesso em: 15 de jun. 2014. 

MAGNAVITA, Alexey Dodsworth. O surgimento dos homossexuais. Revista filosofia: ciência & vida. São Paulo: Escala, ano VI, n.70, p.14-22, maio 2012. 

NAPHY, William. História da homossexualidade. Edições 70, 2006. 

RODRIGUES, Humberto. O amor entre iguais. Mythos, 2004. 

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2008. 

VIEIRA, Maria do Pilar de Araujo; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; 

KHOURY, Yara Maria Aun. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 2011. (Série Princípios).


(Fonte do artigo: FACES DA HISTÓRIA, Assis-SP, v.4, nº2, p. 58-72, Jun.-Dez., 2017 )






Adendo e discussão (pelo Blogmaster)

Notas do blogmaster

A obra O Banquete, também conhecida como Simpósio (em grego antigo: Σμπόσιον, transl. Sympósion) (6)  é um diálogo platônico escrito por volta de 380 a.C. 

jovem servindo vinho num banquete (Sympósion; WP)

O Banquete de Platão, representado por Anselm Feuerbach (1873), 
Alte Nationalgalerie, Berlim (WP)

O eromenos era um adolescente do sexo masculino envolvido em uma relação amorosa com um homem adulto, denominado erastes. O relacionamento entre o eromenos e o erastes era muito mais amplo que meramente sexual, como atesta a variação de nomes nas diversas polei. Em Atenas, o eromenos era também chamado "paidika".

Cena de namoro pedrástico; 6º c. Kylix ático de figuras negras. 
Louvre, Paris. (Marie-Lan Nguyen (2006)WP).
Pederastic, pederasta: do grego παίδ- pédh o radical grego para menino ou criança, com ἐραστής, érastís; palavra grega para amante; cf. eros. Latim tardio pæderasta foi emprestado no século XVI diretamente do grego clássico de Platão no Symposium. (O latim translitera αί como æ.)

Pederastic courtship (WP)

Amphora mostrando um homem com barba em cena tradicional de namoro pederástico mostrando o gesto de "para cima e para baixo": uma mão se estende para acariciar o jovem, a outra segura seu queixo para olhá-lo nos olhos. (Ânfora ateniense, c. 540 aC)
(By Painter of Cambridge 47 - Haiduc, WP) Blogmaster 


[...] a cultura grega diferia da nossa em sua aceitação da alternância de preferência homossexuais ou heterossexuais num mesmo indivíduo, e sua negativa implícita de que esta alternância ou coexistência criasse problemas específicos para o indivíduo ou para a sociedade (DOVER, 2007, p. 13).

Platão escreveu que os amantes do mesmo sexo eram mais abençoados que os mortais comuns. Mas então ele mudou de idéia, descrevendo o ato como "totalmente profano" e "a coisa mais feia". Então, por que os gregos antigos estavam tão confusos sobre a homossexualidade, pergunta James Davidson.

No mundo moderno, um adulto envolvido em atividade sexual com um menor pode ser considerado abuso sexual infantil ou estupro estatutário, dependendo da idade local de consentimento. As leis de idade de consentimento existem porque os menores são considerados incapazes de consentir significativamente em atividades sexuais até atingirem uma certa idade. Crianças pré-púberes e adolescentes não são socialmente iguais aos adultos, e os abusadores manipulam emocionalmente as crianças que vitimizam.  Essas leis visam dar ao menor alguma proteção contra interação sexual predatória ou exploradora com adultos. Os efeitos do abuso sexual infantil podem incluir depressão, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático complexo, propensão a mais vitimização na idade adulta e lesões físicas à criança, entre outros problemas. Abusadores sexuais modernos que preferem meninos podem se descrever como "amantes de meninos", e às vezes apelam para práticas na Grécia Antiga como justificativa.



Zeus (ou Júpiter) na forma de uma águia raptando Ganimedes; Baixo-relevo romano do século I d.C. (By I, Sailko, WP).

Existem diversos trabalhos onde erastés aparece escrito como “erasta” e erómenos como “erômeno”, como uma forma de tornar tais verbetes mais próximos da Língua Portuguesa tais nomes.


Todavia, optamos por utilizar neste capítulo os termos em seu original grego.2


Não há nos trabalhos historiográficos um acordo no que diz respeito à faixa etária do erómenos, uma vez que há autores que delimitam a idade deste entre 12 e 18 anos, enquanto outros a estendem até os 20 anos.

No presente trabalho foi adotada a faixa etária apresentada por Nikos A. Vrissimtzis para a designação da idade do mancebo envolvido na pederastia por acharmos os argumentos do autor muito pertinentes (VRISSIMTZIS, 2002: 104).2 não o convite dos candidatos que se apresentassem no momento propício para o início da pederastia.

Devemos elucidar que as relações pederásticas ocorriam somente entre os eupátridas3 e futuros eupátridas de Atenas e que era uma atividade predominantemente do círculo aristocrático, principalmente aquele que freqüentava os ginásios e os banquetes (MOSSÉ, 2004: 223).

Esta exclusividade tem uma explicação: nem todos os homens livres tinham vocação para exercer plenamente a vida política, nem se dedicarem à conquista de belos rapazes, mas somente os eupátridas ricos. Todavia, analisando a obra platônica, observamos que Sócrates fora erastés de diversos jovens, sem, contudo, ser detentor de grandes posses. A principal questão que norteia nossa análise encontra-se na compreensão da pederastia em Atenas enquanto uma instituição políticopedagógica, que visava à formação do futuro cidadão ateniense e que poderia ocorrer durante os banquetes aristocráticos.

***

"Aristóteles herdou as palavras eidos e genos, que haviam sido usadas, em particular, por Platão. Quando tomado em sentido classificativo, genos designa um grupo suscetível de ser dividido em pares de eide(espécie masculino e feminino) de formas específicas. Portanto, desse ponto de vista, o gênero Anthropo engloba o homem e a mulher como duas formas opostas. Partindo desse pressuposto acreditava-se que, no início do gênero humano, só existiam criaturas masculinas, não apresentando qualquer divisão sexual. Em seguida, por uma espécie de mutação degenerativa, veio ao mundo o genos das mulheres. As almas dos machos que se haviam mostrado covardes reencarnavam, depois de sua morte, num corpo diferente – um corpo de mulher. […] Usando um raciocínio análogo ao de Aristóteles, quando este explica o nascimento de uma moça em vez de um rapaz, como um desvio em relação ao modelo masculino, Platão situa o aparecimento da diferença sexual no momento em que, na história do homem, se quebra a perfeição original.
(BARBOSA, Renata Cerqueira. 'Gênero e Antiguidade: representações e discursos'. In:História Revista. Goiânia: Editora do Mestrado em História, V. 12, n. 2, jul./dez. 2007, p. 355.)"



III 
Platão escreveu que os amantes do mesmo sexo eram mais abençoados do que os mortais comuns.

Plato wrote that same-sex lovers were more blessed than ordinary mortals. But then he changed his mind, describing the act as 'utterly unholy' and 'the ugliest of ugly things'. So why were the ancient Greeks so confused about homosexuality, asks James Davidson




Detail of men drinking and embracing from a tomb painting from Paestrum. Photo: Corbis.

SPARTA, 610 BC. A group of teenage girls are carrying a plough through the night, like a team of oxen. Teenage girls, involved in some kind of ritual, processing towards a mountain ridge. They are singing a beautiful song, a work of art, full of obscure allusions and some familiar names from ancient myths: Helen's devoted twin brothers, Castor and Pollux, "Aphrodita", the goddess of love, the dangerous, teasing Sirens. But now the girls seem to be calling out to each other, strange, old-fashioned names: "Wianthemis", "Philulla", "Astaphis", "Hagesichora". And they are flattering each other - "lovely Wianthemis". No, something more than that. Flirting. "If only Astaphis were mine, if only Philulla were to look in my direction". Hints, even, of sexual jealousy: ". . . but I mustn't go on, for Hagesichora has got her eye on me."

SPARTA, 610 a.C. Um grupo de meninas adolescentes carregam um arado durante a noite, como um time de bois. Garotas adolescentes, envolvidas em algum tipo de ritual, caminhando em direção a um cume da montanha. Eles estão cantando uma bela canção, uma obra de arte, cheia de alusões obscuras e alguns nomes familiares, conhecidos dos mitos antigos: os irmãos gêmeos devotados de Helena, Castor e Pollux, "Afrodita", a deusa do amor, as perigosas e provocadoras sereias. Mas agora as meninas parecem estar chamando umas às outras, nomes estranhos e antiquados: "Wianthemis", "Philulla", "Astaphis", "Hagesichora". E eles estão se lisonjeando - "adoráveis ​​Wianthemis". Não, algo mais que isso. Flertar. "Se ao menos Astaphis fosse meu, se ao menos Philulla olhasse na minha direção". Dicas, até mesmo, de ciúmes sexuais: "... mas não devo continuar, pois Hagesichora está de olho em mim".

Another location: the island of Santorini, an odd part-circumference of rock. A hard sound, chink, chink. Metal chipping out stone. High on a precipitous altar-dotted promontory, a man is surrounded by a small crowd of youths. They are watching him, as the sweat pours off him, chiselling strange, old-fashioned letters into the lava. "In this place, as Apollo is my witness, Crimon had sex with the son of Bathycles..." He has nearly finished his inscription now, one more - unexpected - word... "A-D-E-L-P-H-E-O-N, his brother."

Outro local: a ilha de Santorini, uma estranha circunferência parcial de rocha. Um som duro, fenda, fenda. Metal lascando pedra. No alto de um promontório dotado de um altar-precipício, um homem está cercado por uma pequena multidão de jovens. Eles o observam, enquanto o suor escorre dele, cinzelando estranhas, antiquadas letras na lava. "Nesse lugar, como Apollo é minha testemunha, Crimon fez sexo com o filho de Bathycles ..." Ele quase terminou sua inscrição agora, mais uma palavra inesperada ... "A-D-E-L-P-H-E-O-N, seu irmão."


Ganymede and Zeus from helenistic era.


Fast-forward a couple of hundred years. Athens in the age of Plato. A big city. A solemn trial. A man accused of attempted murder. He begins to tell his side of the story, how he got into a fight with some worthless creature called Simon. "You see we both lusted after the boy Theodotus..." he explains to the august judges. They nod sympathetically, as if all is now clearer.

The secret of Greek homosexuality has only ever been a secret to those who neglected to inquire. The Greeks themselves were hardly coy about it. Their descendants under the Roman empire were amazed to read what their ancestors had written centuries earlier, drooling in public over the thighs of boys, or putting words into the mouth of Achilles in a tragic drama, as he remembered the "kisses thick and fast" he had enjoyed with his beloved Patroclus. The Romans certainly noticed what they called the "Greek custom", which they blamed on too much exercising with not enough clothes on. Christians mocked a people who worshipped gods who kidnapped handsome boys like Ganymede, or who, like Dionysus, promised a man his body in exchange for information about how to get into the underworld. Nor was it forgotten in the Middle Ages, when Greek Ganymede became a codeword for sodomitical vice.

Avanço rápido de algumas centenas de anos. Atenas na era de Platão. Uma grande cidade. Um julgamento solene. Um homem acusado de tentativa de assassinato. Ele começa a contar seu lado da história, como ele entrou em uma briga com alguma criatura inútil chamada Simon. "Você vê que nós dois cobiçamos o garoto Teodoto ..." ele explica aos augustos juízes. Eles acenam com simpatia, como se tudo estivesse mais claro agora.

O segredo da homossexualidade grega só foi um segredo para aqueles que deixaram de perguntar. Os próprios gregos dificilmente eram tímidos quanto a isso. Seus descendentes sob o império romano ficaram surpresos ao ler o que seus ancestrais escreveram séculos antes, babando em público sobre as coxas dos meninos ou colocando palavras na boca de Aquiles em um drama trágico, ao se lembrar dos "beijos grossos e rápidos" ele desfrutara com seu amado Pátroclus. Os romanos certamente notaram o que chamavam de "costume grego", que culparam por se exercitar demais com roupas insuficientes. Os cristãos zombavam de um povo que adorava deuses que sequestraram garotos bonitos como Ganimedes, ou que, como Dionísio, prometeram a um homem, seu corpo em troca de informações sobre como entrar no submundo. Nem foi esquecido na Idade Média, quando o grego Ganimedes se tornou uma palavra-código para o vício sodomítico.

At the end of the 17th century the great classicist Richard Bentley knew well enough that the Greek word for a male "admirer", erastes, indicated a "flagitious love of boys". And in 1837, when Moritz Hermann Eduard Meier was asked to contribute a book-length article on the subject to a giant encyclopaedia of arts and sciences, he made no bones about it: "The spiritual elements of this affection were always mixed with a powerfully sensual element, the pleasure which had its origin in the physical beauty of the loved one." And yet there was always another side to the story. We hear of laws that punished men who "mixed with" or even "chatted" with boys. Xenophon, who knew Sparta better than anyone, says that the Spartan lawgiver had laid down that it was shameful even "to be seen to reach out to touch the body of a boy". Slaves called "pedagogues" - paidagogoi - were employed by Athenians to protect their sons from unwanted attention, and by Plato's time there were some people who had "the audacity to say" that homosexual sex was shameful in any circumstances. Indeed Plato himself eventually made so bold. At one time he had written that same-sex lovers were far more blessed than ordinary mortals. He even gave them a headstart in the great race to get back to heaven, their mutual love refeathering their moulted wings. Now he seemed to contradict himself. In his ideal city, he says in his last, posthumously published work known as The Laws, homosexual sex will be treated the same way as incest. It is something contrary to nature, he insists, and although there won't be laws against it, nevertheless a propaganda programme will encourage everyone to say that it is "utterly unholy, odious-to-the-gods and ugliest of ugly things".

No final do século XVII, o grande classicista Richard Bentley sabia muito bem que a palavra grega para um "admirador" do sexo masculino, erastes, erasta, indicava um "amor flagrante pelos meninos". E em 1837, quando foi solicitado a Moritz Hermann Eduard Meier que contribuísse com um artigo de um livro sobre o assunto para uma enciclopédia gigante de artes e ciências, ele não se preocupou com isso: "Os elementos espirituais desse afeto, carinho, afeição, sempre foram misturados a um elemento poderosamente sensual, o prazer que teve sua origem na beleza física do ente querido, amado". E, no entanto, sempre havia outro lado da história. Ouvimos falar de leis que puniam homens que "se misturavam" ou até "conversavam" com garotos. Xenofonte, que conhecia Esparta melhor do que ninguém, diz que o legislador espartano havia declarado que era vergonhoso até "ser visto tentando tocar o corpo de um menino". Escravos chamados "pedagogos" - paidagogoi - eram empregados pelos atenienses para proteger seus filhos da atenção indesejada, e na época de Platão havia algumas pessoas que tinham "a audácia de dizer" que o sexo homossexual era vergonhoso em qualquer circunstância. De fato, o próprio Platão acabou se tornando tão ousado. Certa vez, ele escreveu que os amantes do mesmo sexo eram muito mais abençoados do que os mortais comuns. Ele até deu a eles uma vantagem (headstart: começar na frente) na grande corrida para voltar ao céu, seu amor mútuo "refazendo" (refeathering their moulted wings: re-colocando as penas nas asas) mudadas (em braços?). Agora ele parecia se contradizer. Em sua cidade ideal, ele diz em seu último e mais longo trabalho (diálogo) publicado postumamente, conhecido como As Leis, (Νόμοι, Nómoi; Latim: De Legibus) o sexo homossexual será tratado da mesma maneira que o incesto. É algo contrário à natureza, ele insiste, e, embora não haja leis contra isto, no entanto, um programa de propaganda incentivará todos a dizer que é "absolutamente, totalmente profano, odioso aos deuses e das coisas feias o mais feio".

For these and other reasons there has long been debate about the true nature of this Greek custom - what the Greeks called eros, a "passionate life-churning love", or philia, "fond intimacy". Was it essentially sublime or sodomitical? A source of anxiety or a cause for celebration? Sometimes the Greeks seemed to approve of it wholeheartedly, even to suggest that it was the highest and noblest form of love. And other times they seemed to condemn it. Sometimes the ideal seems to be a spiritual, passionate but unconsummated "Platonic" love, like that much praised by Plato's Socrates. It was this notion that allowed Ganymede, ancient mascot for the vice unmentionable among Christians, to appear on the doors of St Peter's in Rome, where, amazingly, he remains, or as the emblem of "piety" in Christian picture-books. So popular were such prints of Ganymede in the Catholic Baroque that Rembrandt painted a harsh rejoinder. Instead of sublimely rising, his Ganymede is kicking and screaming, dragged off in incontinent terror. But the image of an idealised non- sexual same-sex love was still powerful enough at the end of the 19th century for Oscar Wilde to think it a good idea to invoke the Greek example - "that deep spiritual affection that is as pure as it is perfect" - in his defence when charged with sodomy. Some members of the audience in the courtroom clapped and cheered, although there was nothing very spiritual about the sensual love unblushingly described by poets such as Aeschylus, Theocritus and Solon - as Wilde knew better than anybody.

A number of solutions have been proposed over the years to account for these apparent contradictions. Meier and others appealed to changes over time. First they identified in the distant past - the age of heroes - a rather extreme form of buddydom, comrades-in-arms like Achilles and Patroclus in Homer's Iliad, not lovers in the modern sense, nor in any other sense either, just extremely good friends. When later more homosexually inclined Greeks added kisses - and more - to the relationship, they had simply misunderstood what Homer intended. The origins of the true (in)famous Greek Love should be placed, these scholars suggested, about 100 years later, in the years before 600BC, in a virile and passionate and educational appreciation of youthful male beauty that was very quickly "corrupted" or "poisoned" by sensuality and indeed sex.

In 1907, however, Erich Bethe turned this narrative on its head. He had heard rumours of some strange homosexual customs discovered by missionaries in Papua New Guinea; boys there were inseminated as part of an initiation rite in order to help them grow into men. Perhaps this is how Greek homosexuality started, he said, with primitive tribes like the Dorians (cultural ancestors of the Spartans) in the second millennium BC using buggery to transmit manly essence into the younger members of the tribe, a quasi-magical ritual. This, he suggested, was what was being commemorated in the recently rediscovered rock inscriptions on Santorini, a Dorian colony. Crimon was calling upon the god Apollo himself to bear witness to "a holy act in a holy place" - a kind of "marriage". From the Dorians the ritual spread throughout Greece, but the magical essence of the act was lost along the way and buggery was supplanted by something more educational. Bethe's gross analysis was not very popular with his peers, and a pantheon of classicists lined up to dismiss his theories.

Then in 1963, Kenneth Dover, a distinguished scholar, was reading the Observer. A student of Plato, Aristophanes and early Greek poetry, Dover had long been troubled by the "Problem in Greek Ethics". His attention was drawn to an article about double standards in modern sexual morality - how boys were encouraged to pursue girls, and only added to their reputation if they managed to score, whereas girls were encouraged to resist their advances or else be condemned as "whores". Suddenly he realised that "practically everything said during the last few centuries about the psychology, ethics and sociology of Greek homosexuality was confused and misleading". The key point, he decided, was that human beings have always had very different attitudes towards the passive and the active roles in sex. Sex is an intrinsically aggressive act, he suggested, a victory for the penetrator. Hence, if you changed the genders in ancient Greek texts you discovered exactly the same kind of double standard the author of the Observer article had noted. "Admirers" (erastai) - whom Dover assumed were "active" - were encouraged to score and were even seen as more manly the more notches they collected on the bedpost, whereas for their poor beloveds (eromenoi) - whom he assumed were sexually "passive" - the sexual act was intrinsically humiliating and degrading. No wonder the Greeks were in two minds about homosexuality.

This solution to the problem was not in fact original to Dover. AE Housman had suggested something similar in an article he wrote in 1931. But Housman's observations, which alluded (tellingly) to his experience of the macho homosexual attitudes of the "plebs of Naples", were tucked away in a German academic journal, and were in Latin. Dover's, on the other hand, were published in paperback in his Greek Homosexuality (1978), and not merely in plain English but even in the coarser variety: "Fuck you", "I'll be fucked". Although Dover had advertised the aim of his book as "modest and limited", a mere launching-pad "for more detailed and specialised exploration", his modern solution to the age-old problem was gratefully received by academics in every field, not least when Michel Foucault, the French post-structuralist historian of sexuality, gave it a glowing review, creating the impression that this methodologically old-fashioned Oxford don was some kind of pioneer of post-modern studies.

Making up for lost time, classicists rushed to re-interpret, even to re-translate, their texts into more graphically sexual terms, as if afflicted by a kind of "sodomania". Pericles, for instance, had asked Athens's warrior-citizens to behave like erastai of their city, ie to act like her self-sacrificing and besotted devotees. After Dover, this exhortation sounded more dangerous. Modern commentators now worried that Pericles was telling Athenians "Sod Athens!" and wrote long articles trying to explain how this could be possible.

The reason Dover's solution to the problem was embraced so eagerly was that it was so neat. It was not just that the weird old Greeks were transformed into something much more familiar - with a 1960s sexual morality and even the same modes of swearing - but that Dover seemed to have provided a compelling answer to the question of how they could be so "gay" in the first place. They were not really being sexual at all but "pseudo-sexual". Greek homosexuality was like adolescent horseplay, frat-house initiations or prison rape. It was like male monkeys presenting rumps to their superiors (This was also a time when Desmond Morris's The Naked Ape and its sequels were topping international bestseller lists). The only difference was that these human apes had taken this universal gesture of sexual domination a little further than their primate cousins.

There were problems with this neat theory, however. In the first place, there was little positive evidence to support it. It was not just that Dover's translations were sometimes simply wrong - the Greeks did not in fact go around saying "fuck you", as Housman, for one, could have told him - nor that the ancient Greeks talked of sex not as an act of aggression, but rather as a "conjoining" or "commingling" (if a father dreams of having sex with his absent son it is auspicious, says one ancient writer, reassuringly, since it means they will soon be reunited).

The main problem was that the Greeks did not seem terribly concerned with the ins and outs of sexual positions at all, details which for Dover were critical. Like the Victorians, the Greeks were being coy, he suggested: their silence on the matter only proved its importance. All this lovey-doviness was simply a cover for their true anxiety about "homosexual submission". He decided he would have to supply his own more detailed texts, "translating" the innocent-sounding discussions in Plato's Symposium, for example, into something more graphic: "Acceptance of the teacher's thrusting penis between his thighs or in his anus is the fee which the pupil pays for good teaching".

Was it possible that the Greeks had got the relationship between Achilles and Patroclus so badly wrong, that a peculiarly same-sex-loving culture had simply chanced upon a passionate same-sex relationship at the heart of its foundational text? Surely that was more than fortuitous. Indeed some lines in the Iliad had seemed so overheated to later generations that they had excised them as inauthentic additions, not because they indicated homosexual love, but because they implied a particularly degenerate and extreme kind of passion that was considered unworthy of the dignity of warriors and inappropriate to the grandeur of the epic genre. And if Homer's Greeks knew nothing of homosexuality, how had it managed to spread so far and so fast and so variously in the space of a couple of generations? And then, of course, there was the question of the girls. How did lovely Wianthemis, Astaphis and Philulla fit into this gestural homosexuality of penetration and domination? What of Sappho and the lady-loving ladies of Lesbos? All-in-all, Dover's solution caused more problems than it solved.

So how do we begin to make sense of this truly extraordinary historical phenomenon, an entire culture turning noisily and spectacularly gay for hundreds of years? When I first embarked on the research for my book The Greeks and Greek Love I was not expecting any easy answers, but I did not expect it would be quite as hard as it turned out to be, and take so long as it ultimately did. In fact, it was 10 years later that I finally felt ready to write a conclusion, and it was the longest chapter in the book. I started to think of the phenomenon as a great big Gordian knot at the heart of Greek culture, tying lots of things together but extremely difficult to unravel - "The knot was made from the smooth bark of the cornel tree, and neither its end nor its beginning was visible." Alexander the Great had dealt with that particular knot by slicing right through it with a single blow. But the first lesson I learned about my own particular knot was to stop looking for a single neat solution to a homogeneous phenomenon.

"Ancient Greece" was in fact a constellation of hundreds of rivalrous micro-states, with their own calendars, dialects and cults, and their own local versions of Greek homosexuality. These revealed very different attitudes and employed very different practices: "We Athenians consider these things utterly reprehensible, but for the Thebans and Eleans they are normal." Part of the problem (for the Athenians) was that the men in these communities seem not only to have engaged in public "marriages" but that in these places same-sex couples fought together in battle and slept with each other afterwards, a clear reference to the famous "Sacred Band" or "Army of Lovers".

But there was more to it than that. The males of Elis, in particular, the guardians of Olympia - the holiest shrine in Greece - seem to have got it on together in a particularly "licentious" way. Unfortunately none of our sources could bring himself to say what was so licentious about it: "I will not say it", "I pass over it". There are hints, however, that their sexual transactions were shockingly "straightforward" and did not involve any preliminary courting; and one particularly illustrious Elean, Phaedo, a member of the aristocracy, was said to have served as a male prostitute in his youth, "sitting in a cubicle", waiting to serve whoever walked in. Was this a garbled allusion to the "sanctioned lust" of Elis?

The "peculiar custom" of the Cretans, on the other hand, involved an abduction and a tug-of-war over a boy, a two-month-long hunting expedition, lavish gifts, the sacrifice of an ox and a great sacrificial banquet, at which the boy formally announced his acceptance or not of "the relationship". Thereafter he got to wear a special costume that announced to the rest of the community his new status as "famed". Our evidence for this elaborate ritual comes from a general account of the Cretan "constitution". When the sources compare and contrast Athenian homosexuality with, say, Theban or Spartan homosexuality, they are not referring to undercover reportage - "My night spent with the Army of Lovers: The secrets of the Sacred Band revealed"; nor to surveys of contemporary attitudes - "Do you think it is A. shameful; B. quite shameful; C. not very shameful at all to be seen to reach out to touch the body of a boy?" They are talking rather of specific visible practices and institutions, repeatedly referred to as "customs", "laws", or even "legislation made by lawgivers".

These local institutionalised practices covered all stages of same-sex loving, from courting to coupledom to sex. Athenian same-sex courting meant literally following a boy around or writing "so-and-so is beautiful" in a public place. Thousands of examples of such "kalos-acclamations" survive, signed by hundreds of different hands.

And, in the archaic period at least, there seems to have been an equally formulaic sexual practice when one's wooing got a result - "Athenian homosex", what they called diamerion, or "between-the-thighs" sex, ie "frottage". Spartan homosex, on the other hand, meant sex with one's cloak on: "everything except the dirty deed itself": a fragment from a vase shows the great Spartan hero Hyacinthus engaged in precisely this bizarre sexual act with his lover the winged wind-god Zephyr, hovering with him above the horizon. Was this what our well-informed source was alluding to when he claimed that the Spartan "lawgiver laid down that it was shameful to be seen to reach out to touch the body of a boy"? Doubtless there was a great deal of same-sex loving on Crete, fumblings, fondnesses and passionately devoted relationships, that did not involve a tug-of-war, two months of hunting and the sacrifice of an ox. So we need to make a further distinction between "Cretan homo-sexuality"in all its customary, disruptive and expensive glory, which may have occurred only once or twice a month, and "homosexuality in Crete", the latter, by its very undisruptive and unspectacular nature, much more frequent, but also much more elusive and certainly very difficult now to reconstruct.

Another important principle was to recognise that the same words can be used to mean different things. This is especially important when we come to the question of age. Often "boy" (pais) refers specifically to the formal age-grade of Boys, ie those who have not yet been certified as 18, following two physical examinations, performed first by their local parish and then by the Council of Athens. Those who failed this examination were sent "back to Boys", and the council fined the parish that had allowed his candidature to go ahead. In Athens these under-18s were vigorously protected, rather like the young women in a Jane Austen novel, although their younger sisters would have been expected to be married by the age of 15. These were the Boys who were escorted to the gymnasium by the slave paidagogoi and followed around at a distance by a pack of admirers. "A guard of his honour" is how one source describes it, trying to explain the contradictory custom.

Only those in the age-grade above, "18" and "19", a group usually referred to as Striplings (meirakia) or Cadets (neaniskoi), were allowed to exercise alongside them. But even they were forbidden from "mixing" with the Boys or even from "conversing" with them. A number of ancient sources testified to the existence of such strictures, but it was nice nevertheless when, in 1949, an inscription from a Macedonian gymnasium confirmed them: "Concerning the Boys: none of the Cadets may enter among the Boys, nor chat to the Boys, otherwise the gymnasiarch shall fine and prevent anyone who does any of these things." These rules were only relaxed during the festival of Hermes - a kind of holy sports day, it would seem.

So far so consistent. The problem is that the sources can also use this same term "boy" more informally, to refer to the next age-grade up, ie that of the Striplings and Cadets, the under-20s, who were not so well-protected. Indeed, suddenly released from the watchful gaze of their chaperones, empowered by citizenship and a long-awaited inheritance from their often long-dead fathers (Greek men were middle-aged when they married their teen-brides), but still immune from the obligation to fight wars in foreign parts, these Striplings seem to have made the most of their new-found autonomy. They seduced married women of their own age while their husbands were away fighting battles or on business trips, squandered money on dice or fast horses or on courtesans with expensive tastes, or, indeed, finally said "oh, alright then" to one of the pack of persistent erastai

Often the sources make it clear that the "boys" they are referring to are in fact 18 or over: "There was this boy or rather a sweet little Stripling, and this boy had lots of admirers . . ."; "Cleonymus, of the age-grade just out of Boys . . .", "Agathon a somewhat recent Stripling . . ." But they don't always take such precautions, and we have to read carefully to clarify which kind of "boy" they are talking about.

But sometimes images revealed a different picture, ie they showed under-18s in the gymnasium being sexually abused not only by Cadets but even, very occasionally, by mature men. There are only a handful of such images, produced in the decades around 480BC, but they have been endlessly reproduced in books so that they seem rather more plentiful. Some have thought such images must indicate yet another about-turn in sexual attitudes. But the abused Boys start to appear at exactly the same time that we start to see the first images of the slave-chaperones whose job it was to protect them. There is a more economical solution to this particular contradiction, for these images are showing precisely what the laws proscribed, ie they are reflections not of reality but of anxiety.

Finally of course we need to acknowledge that our sources are not there for our benefit, to tell us what was going on, like radio commentators at a social gathering, but that we are eavesdropping on a debate about what Greek homosexuality was and what it should be. This debate seems to have become particularly intense in the 4th century, and the vast majority of our information about it comes from three men, writing in the decades around 350 BC, and almost certainly acquaintances: Plato, Xenophon and Aeschines. It seems clear that what provoked so much debate at this time was the development of a flourishing market for handsome boys, slaves, male prostitutes and the cithara-boys, who sang to the lyre and danced at parties. It was this challenge that our authors were responding to, wondering what the difference was in the end between the love-smitten guests at a dignified symposium and the cithara-boy hired to entertain them, between a politician who had had many admirers and a common whore. Athenian homosexuality, with all its highly patterned practices, was suddenly threatened with a highly visible doppelganger, which replaced the discourse of "admirers", "beloveds" and "gracious favouring" with a world of clients, contracts, prices and tricks. Greek Love was confronted for the first time with a rather too vivid image of sheer homosexual lust.

The sex-market had one other consequence. It made it clearer that some men were rather more devoted to handsome boys than others, going well beyond the call of duty, prepared to spend large amounts of money on them and indeed to get into fights over male slaves, while remaining immune to the charms of courtesans - men like Misgolas "always surrounded by cithara-boys, devoted to this thing like one possessed", or Ariaeus "always accompanied by handsome Striplings". A new type of person was beginning to emerge - the homosexual himself.


The Greeks and Greek Love by James Davidson is published by Weidenfeld and Nicolson on November 29.




FONTE

IV

HOMOEROTISMO NA GRÉCIA ANTIGA: HOMOSSEXUALIDADE E BISEXUALIDADE, MITOS E VERDADES

LUIZ CARLOS PINTO CORINO


Os principais mitos relacionados à homossexualidade do homem grego chegaram até nós por meio dos antigos romanos, que chamavam o relacionamento entre dois homens de “amor à grega”, mesmo vivendo eles em uma sociedade muito mais libertina que a dos próprios gregos.

A literatura ocidental incorporou esse conceito e nos foi passada a idéia de que na Grécia Antiga todo dia era dia de orgia, uma verdadeira Sodoma e Gomorra, idéia essa totalmente equivocada.
Sir Kenneth Dover, em seu estudo magistral sobre a homossexualidade grega, concluiu que, na Grécia Antiga, as relações homoeróticas supriam as necessidades de ralações pessoais de uma intensidade não encontrada no casamento ou entre pais e filhos.
As mulheres eram encaradas como intelectual, física e emocionalmente inferiores; os homens tendiam a se reunir em grupos em que se formavam pares.

Plutarco, ao discorrer sobre o assunto, afirmou: “o verdadeiro amor não tem lugar no Gineceu; e eu afirmo que não é amor o que vocês sentem pelas mulheres ou pelas moças. Seria tão absurdo como chamar de amor o que as moscas sentem pelo leite, as abelhas pelo mel e os cozinheiros pelas carnes e iguarias que preparam” (Sobre o Amor, 750 a. C.). Disse ainda: “com efeito, o Amor é o que vos liga a almas jovens e bem-nascidas que através da amizade vos conduz a virtude...”.

O relacionamento sexual entre dois homens era visto de forma diferente em Esparta e Atenas. Em Esparta, uma sociedade guerreira, os casais de amantes homens eram incentivados como parte do treinamento e da disciplina militar. Essas práticas dariam coesão às tropas. Em Tebas, colônia espartana, existia o Pelotão Sagrado de Tebas, tropa de elite composta unicamente de casais homossexuais. Eram extremamente ferozes, pois lutavam com muita bravura para que nada acontecesse a seus parceiros. Em campo de batalha eram quase imbatíveis. Assim, podemos ver que a homossexualidade dos espartanos em nada influenciava sua condição de homens e guerreiros.

No séc. V a. C., Atenas destacava-se em todos os campos do conhecimento. Surgem personalidades marcantes como Péricles na política, Sófocles no teatro, Aristófanes na comédia, Tucídides na história, Fídias na escultura e Sócrates na filosofia. Atenas mostrou sua hegemonia no mundo grego e se transformou em verdadeiro foco de atração.

O grau de desenvolvimento político com sua pulsante democracia, as condições privilegiadas da economia, as oportunidades oferecidas aos indivíduos para participar ativamente da vida da cidade, foram fatores importantes no florescimento intelectual de Atenas.

Nessa época existia em Atenas um bairro chamado Cerâmico (Κεραμεικού),
com ruelas estreitas, muradas altas e escuras. A vida ali era intensa, dia e noite, de dia com o comércio, pois ali funcionavam as principais oficinas de muitos artífices (artistas da época), e a noite funcionavam cantinas e bordéis. Em Cerâmico, a prática da prostituição era liberada, tanto a feminina como a masculina, praticada por jovens que a usavam para sobreviver, mas às vezes também por jovens de boa família que a praticavam como vício. Como exemplo, temos a história de um jovem ateniense chamado Timarco, de grande beleza e de boa família, que começou a se prostituir nas ruas de Cerâmico e no porto de Pireu (Πειραιάς) que fica 12 km do centro de Athenas. Ele buscava o prazer puro e simples. Era um “devasso”, chegando a ter dois amantes ao mesmo tempo. Ao chegar à idade adulta entrou na política, no entanto foi atacado por Ésquines em um discurso que se tornou célebre.



Ésquines, Αἰσχίνης, Aischínēs; 389–314 a.C.

Timarco foi um orador e estadista ateniense, aliado a Demóstenes. Viveu no século IV aC. Em 345 a.C., Demóstenes e Timarco acusaram Ésquines de ter sido corrompido por Filipe II da Macedônia.

Através de brilhante oratória, no discurso entitulado "Κατὰ Τιμάρχου, Contra Timarco", Ésquines contra-argumentou que Timarco não tinha direito a voz devido à sua depravação, por ter sido o erômenos de muitos homens na cidade portuária de Pireu quando jovem. Juntamente com as acusações de prostituição e desperdiçar sua herança, que Ésquines acusa Timarchus, e pelas quais estava sendo julgado, o discurso contém acusações de "suborno, bajulação, tráfico de influência, peculato e perjúrio".

Teria Ésquines apresentado provas que não deixassem dúvidas de todos "esses crimes"? Eu duvido.
Os estudiosos modernos criticaram a falta de evidências de Ésquines no discurso Contra Timarchus, por exemplo, apontando que ele não tem evidências de que algum dos amantes de Timarchus o tenha pago. De fato, observa-se que ele nem consegue produzir uma única testemunha que testemunhe que Timarchus teve qualquer relação sexual com os homens em questão, embora em seus discursos Aeschines diga que os assuntos de Timarchus eram bem conhecidos pelos júri.
Esse é um notável uso do comportamento de uma pessoa ou do preconceito, contra Timarco. Usando o preconceito e o conservadorismo dos jurados, fazendo-os pensar que se relacionar com A ou B fizesse dele um mau cidadão. Esse é um bom exemplo de homofobia já no inicio da historia do ocidente.

O argumento foi aceito e Timarco foi punido com a Atimia, i.e., teve caçados seus direitos de cidadão (direitos cívicos). A atimia era uma dura punição para as faltas cometidas contra a cidade, equivalente a um exílio na própria terra. O homem era declarado atimos (literalmente, sem honra ou valor) e como punição ficava impedido de integrar os tribunais ou falar nas assembleias. Também era afastado da religião, pois a sentença o proibia de entrar nos santuários da cidade e oferecer sacrifícios aos deuses. Nos tribunais, não podia ser aceito sequer como testemunha, muito menos apresentar queixa. A pena poderia ser aplicada contra quem tentasse impor a tirania sobre a cidade. Também podia servir como punição por suborno, ofensas militares, falso testemunho ou falsa acusação.

Demóstenes nos conta que essa condenação destruiu a carreira política de Timarco. Esse comentário é interpretado por Pseudo-Plutarco na obra "As vidas de Dez Oradores", como indicação de que Timarco teria se suicidado. Essa interpretação é contestada por alguns historiadores.
Desde então, em alguns círculos, seu nome passou a adjetivar devassidão, por exemplo, fulano é um Timarco.
O discurso contra Timarco, Κατὰ Τιμάρχου, é considerado importante devido às citações às muitas leis atenienses. Como conseqüência de seu ataque bem-sucedido a Timarchus, Éschines foi absolvido da acusação de traição.

Em outra situação, o escritor Sófocles caminhava por Cerâmico e agradou-se de um jovem que vendia seu corpo no local (que fazia programa naquela rua). Foram os dois para um canto sombrio das muralhas. Depois desse breve encontro, o jovem apossou-se do manto de Sófocles e deixou em seu lugar seu pequeno manto de adolescente. Sófocles teve que usar essa roupa curtíssima para ir para casa. Ao atravessar Atenas nesses trajes, foi motivo de riso e o fato causou grande rumor na cidade.


Σοφοκλῆς, Sophoklês 497-406 a.C.

O filósofo cínico Diógenes também foi testemunha de outro caso: viu certo dia Demóstenes num prostíbulo e, apesar do esforço deste para se esconder, tomou-o pelo braço, levou-o até a rua e o mostrou-o aos transeuntes: “Vejam aqui o chefe do povo ateniense!”. Para evitar ser reconhecido, Demóstenes, o maior representante da eloquência ática costumava frequentar esse lugar vestido de mulher. A sociedade e a lei ateniense permitiam a prostituição masculina, mas proibiam seus praticantes de ocupar cargos públicos, pois acreditava-se que se um homem vendesse seu corpo, não hesitaria em vender os interesses da cidade.

Δημοσθένης, Demosthenes 384 - 322 BC



Existe, um exemplo mais antigo da técnica de afresco grego, o "Túmulo do Mergulhador", que é o único exemplo de pintura grega com cenas figuradas que datam dos períodos orientalista, arcaico ou clássico a sobreviver por inteiro. Entre os milhares de túmulos gregos conhecidos dessa época (aproximadamente 700-400 a.C.), este é o único a ser decorado com pintura em afrescos mostrando seres humanos.


Na Grécia antiga, o simpósio era uma importante festa social para beber; e os lados longos do túmulo do mergulhador são pintados com homens reclinados em sofás bebendo, claramente em um banquete ou symposium. Alguns dos homens estão pedindo vinho a um escravo, que é retratado em um dos painéis da tumba com uma cratera enfeitada. Em um dos painéis do Simpósio, os homens são representados com instrumentos musicais, possivelmente tocando as músicas de Eros para ajudar na jornada do falecido para o próximo mundo. No outro painel do Simpósio, há um ar sensual ou uma certa sexualidade entre duas figuras masculinas que se olham ansiosamente um para o outro. As cenas podem representar o próximo mundo em que o prazer governa e o falecido renascerá. A tampa do túmulo do mergulhador mostra um jovem mergulhando no oceano da morte, que simboliza a passagem da vida para a morte. No último painel da extremidade, há um cortejo composto por um jovem nu com uma capa azul curta, procedida por um flautista e seguida por um pedagogo apoiado em uma bengala.

Paestum faz parte do Patrimônio Mundial da UNESCO que cobre a região de Cilento, que era a fronteira entre as colônias gregas de Magna Grécia e os povos etruscos e lucanianos indígenas. A rica herança cultural pode ser vista nos afrescos das pinturas do túmulo de Paestum, que sobreviveram em condições notáveis. Imagens do Museu Arqueológico Nacional Paestum.



V

PRÁTICAS HOMOAFETIVAS NA ARTE DOS ANTIGOS GREGOS


Tentar precisar a origem da homossexualidade seria um esforço inútil e muito provavelmente a encontraríamos na gênese do próprio gênero homo. Todavia, é na Grécia Antiga que o homossexualismo alcança um status único em toda a sua história, um profundo grau de institucionalização, simbolismo e virtualidade. Não só figurava como uma prática aceita, mas como rito de passagem, um privilégio social que harmoniza a educação dos melhores homens e perpetra o Pedagogo como Pederasta.

Dias (2010, p. 32) apresenta um recorte sobre o relacionamento homoerótico na Antiguidade aludindo a deuses, reis e heróis, ele afirma que:

Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis. O mais famoso casal da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo. Até hoje, se indaga sobre o caráter e a importância de tais práticas, se perversão admitida, instituição pedagógica ou ritual iniciatório, sendo questionado se tais hipóteses seriam excludentes entre si. A bissexualidade estava inserida no contexto social, e a heterossexualidade aparecida como preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. Vista como uma necessidade natural, a homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, como manifestação legítima da libido, verdadeiro privilégio dos bem-nascidos. Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício. Todo indivíduo poderia ser homossexual ou heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega. Nas Olimpíadas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física. Era vedada a presença das mulheres nas arenas, por não terem capacidade para apreciar o belo. Também nas representações teatrais, os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou mediante o uso de máscaras (DIAS, 2010, p. 35).

Os gregos consideravam o amor por adolescentes um elemento essencial de sua cultura já desde os tempos de Homero. A pederastia (paidos + erastes) grega, idealizada desde a época arcaica, era uma relação entre um jovem adolescente (erômeno: o amado) e um homem adulto (entre 18 e 25 anos) que geralmente não pertencia a sua família próxima, (o erastes: o amante). Surgiu como uma tradição aristocrática educativa e de formação moral. A origem da pederastia é bem anterior ao período clássico, abrangendo quase toda a Grécia e sua história, variava de local dentro da Grécia mas mesmo assim era amplamente difundia.

Etimologicamente o termo significa “amante de meninos”: παιδεραστής, composto de παῖς, "criança", e ἐράω, "amar". Em sentido mais amplo, a palavra refere-se ao processo de educação dos jovens, parte integrante da Paidéia. Inicialmente, a palavra significava simplesmente “criação de meninos”, mais do que o componente de amor erótico entre adolescentes e homens adultos. Segundo Werner Jaeger, era o “processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana”, envolvendo uma complexidade de ritos e formação que compunham a plena concepção do ser homem grego.



Bibliografia

DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

DOVER, Kenneth James. A homossexualidade na Grécia Antiga. Trad. Luís Sérgio Krausz. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2007.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. 17. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.


Ganymede and Zeus
Menage
Greek Wrestler
Dois atletas

Gymnasium

Two boys (Greek eroticism)




VI

A HOMOSSEXUALIDADE NA GRÉCIA ANTIGA
E SUAS REPRESENTAÇÕES NA ARTE

Artigo de Julia Cavalcante de Andrade, Julia Guimarães Alves e Rachel Lucas Monteiro


Introdução

É importante ressaltar de início que a sociedade grega não distinguia entre desejo e comportamento sexual com base no gênero de seus participantes. É, portanto, impossível conceber a ideia de duas sexualidades distintas: a hetero e a homossexualidade. Tampouco, é possível referir-se a uma bissexualidade. Para o grego antigo, tais demarcações são inexistentes, há apenas uma única tendência do desejo: “por aqueles que são belos qualquer que seja o seu sexo” (FOUCAULT, Michael). Para os propósitos desse trabalho, contudo, tais demarcações serão utilizadas. E, ainda, o termo homossexualidade deve ser entendido, a menos que especificado o contrário, como a relação entre dois homens.

Detalhe de uma ânfora ateniense (V a.C.)

O amor homossexual na Grécia Antiga teve seus aspectos muito explorados por filósofos e poetas, como Heródoto, Platão, Ateneu, dentre outros, foi representado em diversas pinturas de cerâmicas e encontra-se presente, ainda, em alguns mitos da civilização.

A forma mais difundida e socialmente significativa da relação sexual íntima entre membros do mesmo sexo ocorria entre adultos e adolescentes, conhecida como pederastia.

Não se conhece precisamente sobre as relações homossexuais envolvendo mulheres na sociedade grega, porém existem exemplos que datam de 630-560 A.C na Grécia, época da poetisa Safos, da Ilha de Lesbos, que escreve obras que são considerados uns dos primeiros documentos acerca da lesbianidade. Seus poemas sobre o amor sexual, emocional e platônico entre ela e outras mulheres e a sua propagação através dos séculos, deram origem ao termo que designa o relacionamento entre duas mulheres.


Um jovem nu toca o aulo para um banqueteiro: taça ática de figuras vermelhas do Pintor de Euaion, c. 460–450 a.C.

A maior parte dos vestígios pictóricos que sobrevivem da Grécia Antiga se encontra na vasta produção de vasos que possuíam funções tanto decorativas quanto utilitárias. Foi apenas após os períodos Protogeométrico e Geométrico, que as cerâmicas gregas passaram a retratar figuras humanas, aderindo também à representação de temas românticos e eróticos, tanto homossexuais quanto heterossexuais. É do período clássico, portanto, que datam a maioria das cerâmicas encontradas.

Dentre esses temas, os motivos mais comuns em vasos são geralmente interpretados como o cortejo de jovens por homens ou, em casos menos frequentes, por outros jovens. É comum a representação de homens mais velhos oferecendo presentes a um mais novo – entre os presentes oferecidos são vistos lebres, veados, coroas, flores, mantos, e até mesmo bolsas de moedas, sugerindo que a linha divisória entre a doação de presente e a prostituição pode ser tênue. A conquista também ocorria através da demonstração de habilidades, principalmente habilidade musical. A progressão do mero cortejo ao contato físico é retratada em grande variedade: toques no queixo, nos ombros, nas nádegas e carícias no órgão genital.

Detalhe de um cálice (480 a.C.) Museu do Louvre, França

Muitos dessas cerâmicas incluíam também pequenos registros enaltecendo a beleza do garoto ou jovem, nomeando-o ou não, representado na pintura. Não sendo tão comum, contudo, esses tipos de inscrições em objetos com representações femininas, possível indicador de que a expressão de admiração pela beleza masculina era mais comum na sociedade grega.


Desenvolvimento

Como já estabelecido, os desejos sexuais na Grécia, não eram delimitados pelos gêneros aos quais se dirigiam. Para os gregos, não se tratava de classificar os prazeres como bons ou maus, permitidos ou interditados; a moral sexual grega era medida na intensidade dos prazeres – ou seja, a preocupação consiste em manter-se num equilíbrio; o cidadão grego deveria ser mestre de seus desejos – e na conformidade destes às normas sociais.

Acadêmicos alegam que esta sociedade era altamente polarizada em parceiros – tanto em relações hetero quanto homossexuais – “ativos” e “passivos”, o ”penetrador” e o ”penetrado”. Polarização esta que era associada com os papeis sociais de dominação e submissão. O papel de dominação era assumido pelos cidadãos gregos – por definição homens livre e maiores de idade nascidos na Grécia – enquanto o de submissão era assumido pelas mulheres, os escravos, as prostitutas, jovens rapazes e estrangeiros. Assim, de acordo com este ponto de vista, qualquer atividade sexual onde um homem penetrasse um inferior social seu era tida como normal, enquanto ser penetrado por este, era considerado potencialmente vergonhoso.

O papel ativo estava associado com a masculinidade que por sua vez estava associada a status sociais mais elevados e a idade adulta, enquanto o papel passivo era associado a feminilidade, ligada a status sociais mais baixos e a juventude. Tais características, ainda, eram baseadas nas ideias de calor corporal. Segundo Richard Sennett:

“Na Grécia, acreditava-se que ‘macho’ e ‘fêmea’ constituíam dois pólos de um continuum corporal (…). Detendo-se sobre a visão helênica, Laqueur afirma que ela, ‘no mínimo, estabelece tamanha correspondência entre os sexos, que os limites entre macho e fêmea são de grau, e não de espécie (…) o corpo tem um único sexo’. Precariamente aquecidos, fetos masculinos tornam-se homens afeminados; fetos femininos excessivamente aquecidos dão origem a mulheres masculinizadas.” (Senett, 2003).

Ainda, as relações extraconjugais, ao menos teoricamente, eram direito apenas do homem. O status do homem livre era, por essência o de pertencimento apenas a si próprio, “o casamento não o liga sexualmente.” (Foulcault, 1984). A esposa – e mulheres no geral -, por outro lado, ocuparia seu lugar em relação ao marido; um lugar de submissão, que presta serviço ao homem:

“As cortesãs, nós as temos para o prazer, as concubinas, para os cuidados de todo o dia, as esposas, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar.” (Foucault apud Demóstenes)

Existem, contudo, poucos registros a respeito de como as mulheres viam tais práticas extraconjugais.

Em Atenas, o ato de pederastia era um rito de passagem para a vida adulta e formação moral para os jovens, que combinava sua preparação para o futuro e o amor metafísico, só conhecido entre dois homens.

Prato ateniense (530-430 a.C.) Ashmolean Museum, Oxford

O menino mais novo (denominado também como o amado ou erômeno), que teria entre 12 e 18 anos, era conquistado por seu amante (o homem mais velho, chamado de erastes, ou erasta), que normalmente não fazia parte de sua família. O amante tinha o papel de educar, proteger, amar e agir como um exemplo para seu amado, e mesmo depois de alguns anos e terminadas as relações sexuais entre ambos, com a maioridade do amante, permaneciam os laços de amizade.

“O seu objetivo não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não separar-se mais e de passarem toda a vida com o que amam”. (Platão, IV a.C.)

Apesar de serem aceitáveis as relações de pederastia que aspiravam a formação do jovem – caracterizada como um amor celestial e metafísico – a pederastia carnal, que amasse mais o corpo que a alma, era muito mal vista pela sociedade clássica. É homem vicioso o amante que ama o corpo: “seu amor não poderá ser duradouro, pois ama algo que não dura”, “porém o amante de uma bela alma permanece fiel por toda a vida (…).” (Pausânias)

Vaso (550 a.C)

Quanto às práticas sexuais, no caso da pederastia, incluíam tanto penetração anal (o jovem assumindo o papel de passivo) quanto penetração interfemural (fricção do pênis entre as coxas, junto da genitália).

Em Esparta, a pederastia também fazia parte da educação, sendo recomendado aos jovens da aristocracia que tivessem amantes do mesmo sexo. O hábito mais usual era a pederastia na qual os mais velhos deviam ensinar aos mais jovens os métodos do sexo.

Nos ginásios, local de convívio social e treinamento de atletas espartanos, era mais comum a formação de relações entre jovens de idades mais aproximadas. Porém, ainda nesses casos, a diferença entre os papeis do erasta e do erômeno tinha a idade como fator decisivo. Vários registros pictóricos retratam tais situações, como:

Smikros (510 a.C.) J. Paul Getty Museum, Malibu, Canifornia

Como iguais, os dois jovens normalmente não assumiam os papéis típicos de dominação e submissão:

Fragmento de taça ateniense (550-525 a.C.) – Louvre, França

“Sexo entre homens habitualmente ocorria com ambos os parceiros de pé. Assim, abstendo-se mutuamente da penetração, os amantes masculinos eram iguais, a despeito de sua diferença de idade. Nessa posição, diz Aisquines, fazem amor como concidadãos — na superfície do corpo, cujo valor equivale às superfícies do espaço urbano.” (Senett, 2003)


Vaso (550 a.C.) University of Mississipi Cultural Center

No exército, o estabelecimento de relações eróticas entre seus membros era estimulada pelos comandantes que acreditavam que, com isso, o exército se fortaleceria; jamais um amante abandonaria o outro no campo de batalha. Nesses casos, o papel de ativo era assumido por aquele de fisionomia mais “máscula”, enquanto o papel de passivo era representado pelo mais “afeminado”:

“Baseados na fisiologia do corpo, os gregos distinguiam claramente ‘afeminação’ do que chamamos ‘homossexualidade’. Corpos masculinos ‘frágeis’ (em grego, malthakoí) agiam como mulheres e ‘desejavam intensamente ser submetidos por outros homens a um papel ‘feminino’ (isto é, receptivo), no intercurso sexual’. Eles pertenciam às zonas de calor intermediário, entre os muito machos e as muito fêmeas.” (Senett, 2003)

Homens afeminados, durante o ato sexual, comportavam-se como mulheres: “a mulher freqüentemente inclinava-se, oferecendo suas nádegas a um homem de pé, ou ajoelhado, atrás dela” (SENNETT, Richard), curvando-se e, assim, subordinando-se.

Em se tratando de homossexualidade feminina, por sua vez, uma suposta tribo de mulheres guerreiras que teriam habitado as margens de um rio na Ásia Menor, chamada Amazonas, cujas normas permitiam relações heterossexuais somente uma vez por ano objetivando a procriação. Dos nascidos destas relações, as meninas eram mantidas na tribo e os meninos ou eram mortos ou enviados às tribos de seus pais. As relações sexuais entre as Amazonas tinham fundamentos religiosos segundo os quais o sexo entre mulheres desenvolveria nessas mulheres guerreiras aquelas qualidades essencialmente consideradas masculinas.

Na ilha Lesbos, a poetisa Safo, constrói belos versos que enalteciam a homossexualidade feminina. Era reconhecida e elogiada por sua beleza por renomados como Platão e Sócrates, sendo que, grande parte de sua obra foi destruída pelos posteriores cristãos, que acreditavam tratar-se de grave ameaça à moralidade, da qual se intitulavam guardiões. Safo e suas alunas tornaram-se símbolo de independência sexual feminina.

Sapho


Não há, contudo, muitos registros nas artes visuais das práticas homossexuais femininas, apenas a poesia e outros registros escritos relatam tais práticas.


Conclusão:
Apesar do que poderia-se presumir, a vida sexual dos gregos, seja em relações homossexuais ou heterossexuais, era influenciada por diversos protocolos sociais, que indicavam desde a escolha do parceiro, até a consumação do ato sexual. E mais do que isso, sua vida sexual era assunto público, passível de ser discutido politicamente quanto à sua moralidade.


Diversos de seus hábitos sexuais entrariam em atrito com as concepções atuais, assim como escandalizaram a mentalidade cristã – o primeiro texto de que se tem notícias punindo severamente quaisquer práticas homossexuais aponta para o início do século VI d.C., cuja lei é de autoria de um imperador cristão. A homossexualidade foi tratada nos mesmos termos que o adultério: sujeita à pena de morte.


É inegável que algumas de suas práticas, como a da pederastia são e devem ser condenáveis – a sexualização precoce de jovens muito lhes é prejudicial ao desenvolvimento físico e mental – ou ainda sua visão condescendente que rebaixava a mulher e os aspectos ligados ao feminino. Contudo, é também no mínimo curioso o quanto a Antiguidade possuía da liberdade sexual – pelo menos referindo-se à sexualidade masculina – que muitos lutam para alcançar hoje.


Bibliografia:

DOVER, K.J. Greek Homossexuality. Cambridge: Havard University Press, 1989.


MICHAEL, Foulcault. Históra da Sexualidade (vol 2): O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.


SENNETT, Richard. Carne e Pedra. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.


ULLMAN, Reinholdo. Amor e Sexo na Grécia Antiga. Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 2005.


Trabalhos acadêmicos:


FERNANDES, Thiago. Desvendando a Homossexualidade na Grécia e Roma Antiga Através da Pintura e Literatura, 2014.


Autoras:
Julia Cavalcante de Andrade, Julia Guimarães Alves e Rachel Lucas Monteiro



Platão nasceu na Grécia, em 427 antes de Cristo, viveu oitenta anos e escreveu inúmeras obras, sob forma dialogada, em que Sócrates corresponde, geralmente, ao principal interlocutor. No diálogo “O banquete”, Platão trata do amor, mediante os diálogos dos partícipes de uma ceia, que intervém sucessivamente, cada qual expondo a sua teoria a respeito. Assim, manifestam-se (pela ordem) Faidros, Pausânias, Erixímacos, Aristófanes, Agatão (o anfitrião), Sócrates e Alcebíades.

Resenho aqui os argumentos dos intervenientes relativos à homossexualidade, desiderato para o qual servi-me da tradução publicada em 1952, pela Companhia Espasa-Calpe, de Buenos Aires, na Coleção Austral. Há inúmeras traduções em português, publicadas no Brasil, pelo que, o leitor interessado facilmente acederá ao texto original.

A antigüidade grega, a que pertenceu Platão, caracterizava-se pelo politeísmo, crença em inúmeros deuses, a cada um atribuindo-se a responsabilidade por certos fenômenos, como o deus Amor, responsável pelo sentimento de afeição entre as pessoas; assinalava-se, ainda, pela bissexualidade masculina, em que aceitavam-se as relações sexuais de homens com mulheres e com homens, e pela pederastia, relacionamento entre o erastes e o erômenos: aquele, mais velho de 25 anos, procurava um moço de entre 12 e 15 anos (o erômenos), a quem, sob a aprovação dos respectivos pais, servia de amigo e educador até os seus 18 anos, quando a relação passava a ser de amizade, exclusivamente, sem conteúdo sexual que, de resto, não compreendia penetração anal e sim o coito interfemural (fricção do pênis entre as coxas, junto da genitália).

A assim chamada homossexualidade grega encarnava um costume altamente moral de finalidade educadora; a intimidade física entre o erastes e o erômenos verificava-se no âmbito de uma relação, antes de tudo, formadora do caráter do mais moço, em que o mais velho desempenhava um papel significativo na transmissão de valores. Nada disto se reproduziu nas demais sociedades, ao longo da história, e não se reproduz nas sociedades homofóbicas: longe de encarnar uma simples forma de satisfação genital, a pederastia grega encarnou uma elevada espécie de relacionamento humano que muitos autores verberaram por ignorarem o seu aspecto educador ou, mais provavelmente, por entenderem-no como licença institucionalizada à penetração anal (o que, na verdade, não o caracterizava).

Na Grécia antiga, a homossexualidade não equivalia ao que modernamente designa-se por este vocábulo: na atualidade, ele indica a atração de homens por homens e a sua conseqüência propriamente sexual, a penetração do pênis no reto, ao passo que na Grécia antiga a cópula homossexual considerava-se desprezível e somente se admitia entre um grego e um escravo, respectivamente nos papéis de ativo e passivo.

O advento do cristianismo provocou a censura da homossexulidade, o fim da pederastia grega, e a instauração da homofobia que por séculos (na realidade 2 milênios) vem caracterizando as sociedades ocidentais.

Autor da primeira fala do texto de Platão, Faidros, (Fedro) reputa o Amor como o mais antigo dos deuses e o que mais benefícios propicia aos homens, o mais apto para felicitar o ser humano e torná-lo virtuoso, durante a sua vida e após a sua morte, “pois, diz ele, não conheço vantagem maior para um jovem do que ter um amante virtuoso”. O Amor inspira o que é necessário para levar-se uma vida honrosa, a saber, a vergonha do mal e o desejo do bem: se um Estado ou um exército se compusessem apenas de amantes e de amados, não haveria povo que professasse tanto horror ao vício e apreciasse tanto a busca da virtude.

“Homens unidos assim, ainda que poucos, poderiam vencer aos demais”: nenhum deles desejaria ser observado pelo seu amante, em rendição ou em debandada; ao contrário, “preferiria morrer mil vezes a abandonar em perigo o seu bem-amado e deixá-lo sem auxílio”. Por isto, “unicamente os amantes são os que sabem morrer um pelo outro”, trate-se de homens ou de mulheres, como foi o caso de Aquiles, que defendeu Pátroclo, vingou-o à custa da própria vida e morreu-lhe sobre o corpo, abnegação pela qual os deuses tributaram-lhe mais honras do que a qualquer outro homem.

A seguir, Pausânias distingue dois tipos de amor, o popular e o celestial, dos quais o primeiro inspira baixezas, “reina entre os maus, que amam sem seleção tanto às mulheres quanto aos jovens, o corpo mais que a alma”, que aspiram unicamente “ao gozo sensual”, para cuja obtenção lhes são indiferentes os meios, contanto que obtenham os seus propósitos.


Por sua vez, o amor celestial inspira exclusivamente o amor aos homens, especificamente aos jovens, cuja inteligência principia a desenvolver-se, ou seja, os adolescentes. “O seu objeto não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não separarem-se mais e de passarem toda a vida com o que amam”.

Acerca das relações sexuais entre os amantes (masculinos), pondera que na Élida e na Beócia, “é bom conceder os seus favores a quem nos ama; a ninguém, jovem nem velho, isto parece mal”, enquanto na Jônia e nas regiões submetidas ao domínio dos bárbaros [os persas], tal costume reputa-se vergonhoso e proscrito, juntamente com a filosofia e a ginástica: “É porque os tiranos, indubitavelmente, não querem que entre os seus súditos surjam indivíduos de grande valor, nem amizades nem uniões vigorosas, que são as que forma o Amor”. Assim, “nos Estados em que se considera vergonhoso conceder os seus favores a quem nos ama, procede esta severidade da iniqüidade dos que a estabeleceram, da tirania dos governantes e da covardia dos governados”.

Já em Atenas, preferia-se amar às claras a fazê-lo à socapa, e aos homens virtuosos e generosos, ainda que menos bonitos; reputava-se belo conquistar-se o afeto do amante e humilhante não o obter, propósito para o qual admitiam-se todos os meios: súplicas, lágrimas, juras, baixezas, que em outras circunstâncias, seriam vexatórias, e que, no caso do amante, “quadram-lhe maravilhosamente”.
Todos, naquela cidade, achavam-se persuadidos de ser louvável “amar e ser amigo do amante”.

Não é honroso, prossegue Pausânias, concederem-se favores sexuais a um homem vicioso e por maus motivos, sendo-o, em contrapartida, fazê-lo por boas causas, a um homem praticante da virtude. É homem vicioso o amante que ama o corpo, de preferência à alma: “seu amor não poderá ser duradouro, pois ama algo que não dura”, “porém o amante de uma bela alma permanece fiel por toda a vida porque ama o que é duradouro”; por isto, os costumes induzem a que se examine a pessoa (nos seus caráter e comportamento), antes de comprometer-se com ela.

Também considerava-se decoroso um indivíduo servir sexualmente a quem o amava, retribuindo o primeiro, se desejasse adquirir conhecimento e instrução, ao segundo, se capaz, este, de infundir-lhe ciência e virtude. É honroso, destarte, amar, na busca do melhoramento pessoal, por meio da amizade, o que é “benéfico para os particulares e para os Estados e digno de ser o objeto dos seus principais estudos, pois obriga o amante e o amado a zelar por si próprios a fim de esforçarem-se por ser mutuamente virtuosos”.
Toma a palavra Aristófanes, que explica a origem da homossexualidade (masculina e feminina) e da heterossexualidade: havia, antanho, três tipos de seres humanos, dos quais, um correspondia aos homens; outro, às mulheres, e um terceiro, a uma criatura mista, masculina e feminina, denominada de andrógino.

Todos os humanos apresentavam-se como duplos, dotados de quatro braços, outro tanto de pernas e duas faces em uma só cabeça, até Júpiter desmembrá-los, transformando-os em criaturas singulares: a partir de então, cada metade procura a outra, que lhe corresponde; ao se encontrarem, copulam entre si, uma metade masculina com a feminina, ou duas masculinas ou duas femininas, o que originou, respectivamente, os heterossexuais, as tríbades e os gueis.

“Os homens procedentes da separação dos homens primitivos, buscam, de igual maneira, o sexo masculino. Enquanto são jovens amam aos homens, desfrutam dormindo com eles, com estar em seus braços e são os mais destacados dentre os adolescentes e os adultos, como se possuíssem uma natureza muito mais viril. Sem razão alguma, acusa-se-os de não terem pudor, e não é por falta de pudor que procedem assim; é porque possuem uma alma corajosa e valor e caráter viris, que buscam aos seus semelhantes, e a prova disto é que, com a idade, mostram-se mais aptos para o serviço do Estado do que os outros. Quando chegam à idade viril, amam, por sua vez, aos adolescentes e jovens, e se se casam e têm filhos, não é por seguir os impulsos da sua natureza, senão porque a lei constrange-os a tal. O que eles querem, é passar a vida em celibato, juntos uns dos outros”.

Quando um destes homens encontra outro, ou a sua metade, “a simpatia, a amizade e o amor” despontam em ambos, “de maravilhosa maneira”, sem que os prazeres voluptuosos pareçam corresponder à causa disto.


Graças ao amor, prossegue Aristófanes, os homens e as mulheres serão felizes se encontrarem a sua metade e tornarem ao seu primitivo estado de união que, se correspondia ao melhor, o que mais se aproximar dele deve equivaler, necessariamente, também ao melhor.

Concluída a fala de Aristófanes, reúne-se Alcebíades ao grupo de comensais, para alarme de Sócrates, que bradou ao anfitrião: “Socorro, Agatão! O amor deste homem é-me um verdadeiro apuro. Desde que passei a amá-lo, não posso observar nem falar a nenhum outro jovem, sem que, por despeito ou zelos, entregue-se a excessos incríveis”.
Após enaltecer as qualidades de Sócrates, observa Alcebíades: “Vede o ardente interesse que Sócrates demonstra pelos belos mancebos e adolescentes e com que paixão busca por eles, e até que ponto eles o cativam”.

Supondo Alcebíades que Sócrates interessava-se pela sua beleza, acreditou que, cedendo-se-lhe sexualmente, ele comunicar-lhe-ia o seu conhecimento: tentou seduzi-lo em diversas circunstâncias, fracassadamente, até resolver expor-lhe os seus intuitos: “Penso que tu és o único amante digno de mim e parece-me que não te atreves a revelar-me os teus sentimentos. Da minha parte, posso assegurar-te que seria bem pouco razoável se não buscasse comprazê-lo nesta ocasião, como em qualquer outra em que pudesse ficar-lhe agradecido, por mim próprio, como por meus amigos. Não tenho maior empenho do que aperfeiçoar-me o quanto seja-me possível e não vejo ninguém cujo auxílio para isto possa ser-me mais proveitoso do que o teu.”

Respostou-lhe Sócrates, ponderando-lhe que trocariam valores desiguais, o da beleza física pela aquisição da sabedoria, após o que, Alcebíades apressou-se a abraçá-lo e passaram juntos a noite. A seguir, Sócrates desdenhou-lhe da beleza e insultou-a, o que originou queixas de Alcebíades, das quais, e dos abundantes elogios que formulou a Sócrates, resultou, da parte dos comensais, a impressão de que prosseguia enamorado dele.

O auge dessa prática homoerótica encontra-se no rito do RAPTO. A relação pederasta requeria o consentimento do pai do garoto. Em Creta levava-se a cabo um rapto ritual e consentido, para a realização deste o pai do jovem tinha que a aprovar o pretendente tendo como critério a importância da reputação do nome do outro em comparação com o seu próprio.
Muito além dos laços afetivos, estabelecia-se entre os jovens, por mediação dos amantes, a manutenção de uma linhagem e a responsabilidade de perpetuar a tradição e o status quo de uma família.



VII

Os gregos antigos e o prazer homoerótico

JURANDIR FREIRE COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Nova Alexandria lança o ensaio "Homossexualidade na Grécia Antiga"
A homossexualidade grega, de K.J. Dover, tem o porte dos grandes clássicos sobre a sexualidade. Evoca, pela erudição, rigor e elegância de argumentos, "Christianity, Social Tolerance, and Homosexuality", de John Boswell, ou os estudos de Paul Veyne e Peter Brown.
Sua originalidade deve-se, sobretudo, à exploração de processos judiciários e pinturas de vasos decorativos, fontes de pesquisa até então inéditas.
Analisando processos de cidadãos acusados de praticarem a prostituição masculina e a iconografia erótica, Dover confirma e dá novo relevo ao que era conhecido pela análise de textos cômicos, filosóficos ou poéticos.
Na Antiguidade grega, a "pederastia", ou seja, a relação sexual entre o homem mais velho, o "erastes", e o rapaz jovem, o "erômenos"', era aprovada, incentivada e tomada como modelo de ética amorosa.
Porém o leitor engana-se se projetar no passado os hábitos mentais do presente. A relação "pederástica" não coincide com a moderna relação "homossexual".
Na Grécia não existiam palavras para designar o que chamamos de "homossexualidade" e "heterossexualidade" porque simplesmente não existia a idéia de "sexualidade". A sexualidade é uma construção cultural recente, como mostrou Foucault.
No mundo helênico havia um eros múltiplo, heterogêneo, sem contrapartida no imaginário de hoje. Assim, o eros da "pederastia" era, em sua "natureza", diverso do eros presente entre homens e mulheres ou mulheres e mulheres.
Por princípio era virtuoso, ao contrário da "homossexualidade" contemporânea, tida como vício, doença, "degeneração" ou perversão, desde que foi inventada pelas ideologias jurídico-médico-psiquiátricas do século 19.
Entretanto, inventada justamente porque era dirigida para a virtude, a "pederastia" era draconiamente regulada em seu exercício. O que estava em jogo era a educação do cidadão, portanto, toda conduta que evocasse passividade e excesso, era considerada indigna.
O "erômeno" não podia ser passivo na relação amorosa, isto é, não podia ser penetrado, pressionado física ou moralmente a ceder aos avanços sexuais do "erastes", subornado com dinheiro ou presentes etc.
Em consequência, o uso dos prazeres devia estar a serviço da honra do cidadão. A liberdade sexual privada, como a concebemos, era impensável na Grécia.
Mas, como disse certa vez Hannah Arendt, só um grande pensador é capaz de grandes contradições. Dover mostra de forma magistral a peculiaridade histórica da "pederastia"; por que, então, denominá-la de "homossexualidade"?
Porque, penso, como quase todos, em nossa cultura, acredita na existência de algo chamado "sexualidade", "heterossexualidade" e "homossexualidade", independente dos elementos implicados na definição dos termos.
Explico melhor. Sexualidade é um termo aplicado à uma série de realidades linguísticas e não-linguísticas como: descrições médico-biológicas do aparelho reprodutivo; descrições de sentimentos como amor, paixão, afeto etc; descrições de sensações corpóreas como orgasmo, excitação física, ejaculação etc; descrições de regras e instituições de parentesco, como família, casamento, maridos, esposas, filhos, namoro, paquera etc; descrições de julgamentos e atitudes morais diante do que é permitido, proibido, desejado, condenado, rebaixado, ridicularizado etc.
Imaginar que existe uma "sexualidade" além do conjunto de itens constituintes de seu domínio de uso linguístico faz tanto sentido quanto alguém perguntar "o que é ou onde está a universidade", depois de localizar e identificar alunos, professores, salas de aula, laboratórios, cantinas, bibliotecas, edifícios, horário de aulas, provas, exames de titulação, como no exemplo de Gilbert Ryle. Não existe um "substrato" da universidade assim como não existe uma "substância" da sexualidade, como um atributo universal, reconhecível em todos os elementos que fazem parte de sua definição.
Com a palavra "homossexualidade" ocorre a mesmíssima coisa. Dover acha que o que existe de comum entre a "pederastia" e a "homossexualidade" é a "disposição para buscar prazer sensorial por meio do contato corporal com pessoas do próprio sexo, de preferência ao contato com o outro sexo".
Mas o que é "buscar prazer sensorial com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto"? Buscar prazer sensorial, sentir-se atraído por outro do mesmo sexo biológico, pode ser descrito da mesma forma como descrevemos a "atração" de um planeta por outro ou o tropismo de uma planta pelo sol?
Uma "homossexualidade" como a grega, que impedia contatos físicos entre homens adultos, coito anal e manifestações apaixonadas dos parceiros e que, além disso, fazia da "pederastia" a mais nobre forma de aparecimento de eros aos mortais é a mesma "homossexualidade" descrita como "perversão", "desvio" ou produto de "disposições genéticas", conforme a ideologia do momento?
Mais ainda. Uma "homossexualidade" recomendada como louvável e praticada por toda elite moral, intelectual, política, artística, guerreira, religiosa de uma sociedade culturalmente sofisticada como a grega, seria a mesma "homossexualidade" das minorias "gays"; dos encontros clandestinos em guetos: da culpa e da vergonha presentes na esmagadora maioria dos que sentem tal tipo de inclinação erótica?
Como e por que ver na "pederastia", pensada desta forma, uma ocorrência particular de uma "homossexualidade" universal? Basta falar de "disposição ao prazer sensorial com pessoas do mesmo sexo", para homogeneizar a "pederastia" e a e a "homossexualidade"?
Duvido. Uma frase como esta não resistiria minimamente ao teste do valor erótico diferencial dos objetos, em Freud; da inescrutabilidade do referente, em Quine; da autonomia do sentido, em relação ao suporte referencial, em Wittgenstein ou ao problema do referente sem realidade, em Davidson.
A crença de Dover numa "homossexualidade" trans-histórica, igual a ela mesma no tempo e no espaço, é produto de nossa "disposição imaginária" para crer numa essência da "homossexualidade" que, no entanto, só existe e tem sentido quando holisticamente articulada ao vocabulário moral da sexualidade burguesa oitocentista.
Foi a partir do momento em a família nuclear organizou-se em torno das figuras do homem-pai; da mulher-mãe; da criança-pai psicológico do adulto etc, que todos os indivíduos do mundo passaram a dividir-se em "heterossexuais" e "homossexuais" e esta divisão passou a tornar-se "natural" e "evidente por si mesma".
Desde então, médicos, psiquiatras, higienistas, pedagogos, juristas, moralistas, psicanalistas e a "vox populi" começaram a caça à "homossexualidade" escondida ou manifesta dos "homossexuais", descobrindo-a em "estruturas"; "disposições"; "traumas" ou em qualquer outra invenção estapafúrdia, plausível aos olhos do preconceito.
O uso do termo "homossexualidade", num estudo do quilate de "A Homossexualidade Grega", surpreende e mostra, ao mesmo tempo, a força performativa das palavras na construção linguística de nossas crenças, desejos e subjetividades. Mas, como mostrou Freud, dizemos sempre mais do que queremos dizer.
Para quem ainda não está totalmente convertido à cultura do sexo-rei, com suas homossexualidades, heterossexualidades e bissexualidades, a leitura deste livro fascinante é obrigatória. Em suma, uma obra-prima com uma etiqueta infeliz.


Homem presenteia jovem com uma perna de carneiro em uma alusão à pederastia. Figura vermelha em um vaso grego de aproximadamente 460 a.C. (WP). 


VIII

HOMOAFETIVIDADE NO MUNDO GREGO


PUBLICADO EM LITERATURA POR CARLOS TESCH

Em Atenas, como afirma Sócrates no simpósio de Xenofonte: “O amante honrado nada oculta ao pai” isto concorda com o importante papel do patriarcado grego que tinha direito de vida ou morte sobre os filhos, em acordo com a importância que um filho julgava para um pai. Almejando resguardar seus filhos de impróprias relações atribuíam-lhes um servo, chamado pedagogo, para vigiá-los e educa-los quanto à formação intelectual e sexual.

Com o passar do tempo e de acordo com a importância daquele que é educado é auferido ao pedagogo a qualificação de preceptor, termo de origem latina: praecipio, “mandar com império aos que lhe são inferiores (em conhecimento)”. Como foi Aristóteles para Alexandre e Sêneca para Nero.

Os pais atenienses almejavam que seus filhos fossem vistos como belos e atraentes, sabendo que isto aproximaria a atenção dos homens e “brigar-se-iam por ser o objeto de sua paixão”. O rapaz para ser objeto de desejo devia reunir os requisitos para uma relação pederasta: tinha que ser kalós (belo), e agathós (honrado e recatado), não se deixando conquistar facilmente.

A relação homoerótica era fundamental para o sistema social e educativo da Grécia clássica, sendo a combinação do processo preparatório do futuro cidadão ateniense, com o amor metafísico só conhecido entre os homens. Continha ampla regulamentação cerimonial tanto em nível social como sexual e se considerava uma instituição entre as classes superiores. O amante adquiria a qualidade de um familiar masculino ou mentor do amado. Sua tutoria estava ratificada pelo Estado, como confirmam as leis que geriam tal relação.

A Pederastia era parte do ritual de passagem à maturidade masculina. A função principal da relação parece ser que era a introdução do jovem na sociedade adulta e as responsabilidades adultas. Em acréscimo estavam consagradas pela regulamentação religiosa, como se pode notar pelos diversos mitos que descrevem tais relações entre um deus e um herói: Apolo e Jacinto, Zeus e Ganímedes, Héracles e Hélas; entre dois heróis: Aquiles e Pátroclo, Orestes e Pílades; e entre um governante e seu igual: Alexandre e Heféstion.

Esperava-se do mentor que ensinasse ao jovem ou que descuidasse da sua educação, e que desse as ofertas cerimoniais oportunas. Em Beócia, o jovem recebia um equipamento militar completo, em Creta eram um boi, uma armadura e um cálice. Em geral os agrados estavam atrelados à função educativa como instrumentos musicais ou de caça. O laço entre os dois participantes parece que estava baseado em parte pelo desejo e amor, comumente expressado sexualmente, e em parte pelos interesses políticos de ambas as famílias.

Um aspecto importante era a amizade entre ambos, expressado pelo provérbio da época: “Um amante é o melhor amigo que um garoto poderá ter”. Estas relações eram manifestas, desveladas e honradas, sendo motivo de orgulho e componente essencial da virtude grega.

A promiscuidade era tolerada, mas concebida quando não havia entre os amantes a transcendência do caráter educativo, limitando-se ao desejo carnal. Como escalona Platão ao afirmar que a mais bela forma de amor era o intelectual entre os homens, onde um jovem deseja seguir o seu mestre por toda vida, a partir daí o amor inferiorizava-se pela exclusividade do desejo carnal entre homens e entre homem e mulher (na sua forma mais inferior).

Platão atribuía à alma humana uma hierarquia de três virtudes: o instinto, a coragem e a razão. No instinto (abrigado no abdome), manifestam-se os desejos carnais, considerados inferiores, mas essenciais para a sobrevivência e a reprodução do homem. Ele constitui a base da hierarquia da alma.

A coragem (residente no peito) é a expressão dos desejos superiores, elevados, do homem, dá testemunho da existência de uma vontade livre e autônoma; ela ocupa o patamar intermediário da organização da alma. Finalmente, a razão, sediada no topo da organização da alma (a cabeça), é a expressão da capacidade de contemplação, sabedoria e temperança do homem. Por meio da razão o homem consegue governar sua vontade e seus instintos, estabelecendo um equilíbrio entre as três virtudes.

Para o rapaz, e sua família, representava uma grande vantagem ter um mentor maior e influente que ampliasse sua rede social. Assim, alguns consideravam apreciáveis, nos anos de juventude, terem tido importantes mentores-amantes, demonstrando seu atrativo físico e galgando importante posição social.

Com frequência, após ter terminado sua relação sexual e quando o jovem já se tinha casado ainda se mantinham fortes laços de amizade com seu erastes por toda vida. Os gregos enalteciam estes amantes que continuavam seu amor após a maturidade de seus amados, dizendo: “Podes levantar um touro se o levaste desde bezerro”.

Na Grécia Antiga, o erastes era um homem aristocrata envolvido em um relacionamento com um adolescente do sexo masculino denominado eromenos. O relacionamento entre o eromenos e o erastes era muito mais amplo que meramente sexual, como atesta a variação de nomes nas diversas Polis. Em Esparta era o eispnelas, (inspirador). Em Creta, philetor (amigo).

Tais laços afetivos incidiam na política. A relação de amizade funcionava como uma limitação dos impulsos da juventude, já que se o jovem cometia um delito não era ele o castigado senão seu amante. No exército, os amantes lutavam lado a lado e competiam por brilhar um acima do outro. Assim, se dizia que um exército composto por amantes seria invencível, como o foi até a Batalha de Queronéia, a tropa sagrada de Tebas, um batalhão de cento cinquenta casais de guerreiros que lutavam junto a seus amados.

“Se houvesse maneira de conseguir que um Estado ou um exército fosse constituído apenas por amantes e seus amados, estes seriam os melhores governantes da sua cidade, abstendo-se de toda e qualquer desonra. Pois que amante não preferiria ser visto por toda a humanidade a ser visto pelo amado no momento em que abandonasse o seu posto ou pousasse as suas armas. Ou quem abandonaria ou trairia o seu amado no momento de perigo?” (Platão, O Banquete)

De acordo com o sentimento popular, expressado no discurso de Pausânias no Simpósio de Platão, os casais pederastas eram também fundamentais para a democracia e assustavam aos tiranos porque os laços entre eles eram mais fortes que a obediência às regras despóticas. Ateneu afirma que “o aristotélico Jerónimo diz que o amor com os rapazes está de moda porque muitas tiranias têm sido recusadas por homens jovens na flor da vida, unidos como camaradas em mútuo entendimento”.

Aristóteles sustentava que alguns Estados apoiavam a pederastia como um método de controle da natalidade, dirigindo o amor e o desejo sexual por outro igual (que não procriaria). Há constância de que muitos líderes políticos tiveram públicas relações homossexuais como: Sólon, Pisístrato, Hípias, Hiparco, Temístocles, Aristides, Demóstenes; Pausânias, Lisandro, Epaminondas e Alexandre, o Grande.

“Com o que mais se relaciona às cidades é com os desportos” é a frase que Platão usa para descrever os Estados onde aos gregos gostavam de prosperar. A prosperidade política liga-se assim ao preparo físico dos homens e ao erotismo envolvido nas atividades desportivas executadas pelos gregos. Nas práticas esportivas os homens treinavam e competiam nus, sendo vedada a participação ou mesmo a presença de mulheres, tal prática era fundamental para o culto ao corpo e ao erotismo que impregnava as sociedades pederastas.

A beleza e o poder erótico do corpo nu eram ressaltados com o uso de azeites untados sobre ele. No entanto, a princípio considerava-se uma falta de modéstia os rapazes ungirem com azeite por baixo da cintura para chamar a atenção sobre sua sexualidade. O abastecimento de azeite para tal prática era muito dispendiosa para os ginásios (a origem da palavra ginásio se refere à disciplina atlética e a nudez). Sendo bancada pelo governo da cidade e por doações privadas.

A origem da heterossexualidade e da homossexualidade é explicada por Platão no discurso de Aristófanes, que afirma existir num início, três tipos de seres humanos, dos quais, um correspondia aos homens; outro, às mulheres, e um terceiro, a uma criatura mista, masculina e feminina, denominada de andrógino. Os humanos apresentavam-se como duplos, até Júpiter desmembrá-los, transformando-os em criaturas singulares: a partir de então, cada metade procura a outra, que lhe corresponde; ao se encontrarem, copulam entre si.

“Os homens procedentes da separação dos homens primitivos, buscam, de igual maneira, o sexo masculino. Enquanto são jovens amam aos homens, desfrutam dormindo com eles, com estar em seus braços e são os mais destacados dentre os adolescentes e os adultos, como se possuíssem uma natureza muito mais viril.

Sem razão alguma, acusasse-os de não terem pudor, e não é por falta de pudor que procedem assim; é porque possuem uma alma corajosa e valor e caráter viris, que buscam aos seus semelhantes, e a prova disto é que, com a idade, mostram-se mais aptos para o serviço do Estado do que os outros. Quando chegam à idade viril, amam, por sua vez, aos adolescentes e jovens, e se se casam e têm filhos, não é por seguir os impulsos da sua natureza, senão porque a lei constrange-os a tal. O que eles querem, é passar a vida em celibato, juntos uns dos outros” (Platão, O Banquete).

Platão através de Pausânias, em Fedro, distingue dois tipos de amor, o popular e o celestial, dos quais o primeiro inspira servilismos, “reina entre os maus, que amam sem seleção tanto às mulheres quanto aos jovens, o corpo mais que a alma”, que aspiram unicamente “ao gozo sensual”, basta que obtenham o seu propósito.

Por sua vez, o amor celestial inspira exclusivamente o amor aos homens, especificamente aos jovens, cuja inteligência principia a desenvolver-se, ou seja, os adolescentes. “O seu objeto não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não separarem-se mais e de passarem toda a vida com o que amam”.

Voltando ao “O Banquete” de Platão. Concluída a fala de Aristófanes, reúne-se Alcebíades ao grupo de convivas, para alarme de Sócrates, que bradou ao anfitrião: “Socorro, Agatão! O amor deste homem é para mim um verdadeiro apuro. Desde que passei a amá-lo, não posso observar nem falar a nenhum outro jovem, sem que, por despeito ou zelos, se entregue a excessos incríveis”. Após enaltecer as qualidades de Sócrates, observa Alcebíades: “Vede o ardente interesse que Sócrates demonstra pelos belos jovens e adolescentes e com que paixão busca por eles, e até que ponto eles o cativam”.

Supondo Alcebíades que Sócrates interessava-se pela sua beleza, tentou seduzi-lo em diversas circunstâncias, fracassando repetidas vezes, optou por uma abordagem mais direta, expor-lhe os seus intentos: “Penso que tu és o único amante digno de mim e parece-me que não te atreves a revelar-me os teus sentimentos.

Da minha parte, posso assegurar-te que seria bem pouco razoável se não buscasse comprazê-lo nesta ocasião, como em qualquer outra em que pudesse ficar-lhe agradecido, por mim próprio, como por meus amigos. Não tenho maior empenho do que aperfeiçoar-me o quanto me seja possível e não vejo ninguém cujo auxílio para isto possa ser-me mais proveitoso do que o teu”.

Sócrates, responde, ponderando-lhe que trocariam valores desiguais, o da beleza física pela aquisição da sabedoria, após o que, Alcebíades apressou-se a abraçá-lo e passaram a noite juntos. A seguir, Sócrates, insultando-o desdenhou-lhe da beleza. O perfeito amante viria em Fedro, que lhe afirma: “Entre amigos tudo é comum”. Coube a Sócrates atestar a mais bela forma de amor platônico em um doce convite dirigido a Fedro: “Caminhemos!”.













IX

SAPPHO DE LESBOS
Σαπφώ Λέσβος Sappho de Lésbos

Head of a woman from the Glyptothek in Munich, identified as "probably" a copy of Silanion's fourth-century BC imaginative portrait of Sappho.

Cabeça de uma mulher da Glyptothek de Munique, identificada como "provavelmente" uma cópia do retrato imaginativo de Sappho do século IV a.C. feita por Silanion.

Uma das primeiras imagens sobreviventes de Safo, de c. 470 aC. Ela é mostrada segurando uma lira e palheta, e se virando para ouvir Alcaeus.

Sappho era um poetisa grega arcaica da ilha de Lesbos. Safo é conhecida por sua poesia lírica, escrita para ser cantada enquanto acompanhada por uma lira. Nos tempos antigos, Safo era amplamente considerada como uma das maiores poetisas líricas e recebeu nomes como "Décima Musa" e "A Poetisa". A maior parte da poesia de Safo está agora perdida, e o que existe ainda sobreviveu principalmente de forma fragmentada; duas exceções notáveis ​​são "Ode a Afrodite" e o poema de Tithonus. Além da poesia lírica, os comentaristas antigos alegavam que Safo escrevia poesia elegíaca e iâmbica. Existem três epigramas atribuídos a Safo, mas na verdade são imitações helenísticas do estilo de Safo.

Sabe-se pouco sobre Safo, muito do qual é mito ou alguma hipótese, e até ha dúvidas sobre sua existência. De acordo com os escritos e fontes encontrados que se referem a ela, diz-se que foi uma mulher muito bonita, de família rica e aristocrática (a própria Safo fez parte da aristocracia feminina Lesboana), que possuía irmãos, esposo e uma filha de nome Cleís (ou Kleís).

"De ti, Attis, me enamorei um dia
no amor que passa
– e tão criança me eras,
tão pequena,
e tão sem graça!"
Safo, Lírica [...], p. 97

Safo foi uma grande representante da sexualidade feminina, e uma notória mulher da qual se tem fontes com relação à homossexualidade na Grécia. Essas fontes são seus poemas, cujas interpretações remetem a sentimentos eróticos e apaixonados dirigidos a homens e mulheres, entre as quais estão suas discípulas e amigas (Anagóra de Mileto, Gonghýla de Kólophon e Eyneíka de Salamina). Há uma hipótese de que Safo possuiu um internato denominado “Casa das Musas”.

O léxico bizantino do século X, Suda (ou Suidas), manuscrito compilado por eruditos, diz que a poetisa Safo teve três amigas (Átthis, Telessíppa, Megára), dentre as quais Átthis é citada em fragmentos de seus poemas de forma que consegue-se interpretar uma relação apaixonada vinda de Safo a ela. Há alguns trechos onde pode-se observar o fervor e a paixão em suas palavras, assim como a referência a Átthis em uma delas).

Infelizmente ainda há alguns equívocos em pesquisas realizadas sobre as obras de Safo, vindos especialmente da dificuldade com a tradução, já que o idioma original é o grego arcaico. Além disso, sua obra está extremamente fragmentada, o que dificulta a certeza de afirmar se realmente foi uma mulher lésbica. Acredita-se que boa parte de sua obra foi destruída no século XI pelo papa Gregório VII na reforma gregoriana.

Sobre sua morte, o mito mais comum diz que Safo cometeu suicídio por amor, vindo das interpretações da narrativa de Ovídio. Mas também acredita-se que pode ser apenas um equívoco de interpretação perante alguma metáfora dramática de seus poemas.

"De uma erva de rara essência
o corpo (que aroma!) te ungi
e teus longos cabelos perfumei!
E terna a meu lado deitada
num leito macio, como tu em mim
não mitigavas tua sede e fome!"
Safo, Lírica [...], p. 87


Em 1886, o sexólogo Richard von Krafft-Ebing listou a homossexualidade e outros 200 estudos de casos de práticas sexuais em sua obra Psychopathia Sexualis. Krafft-Ebing propôs que a homossexualidade era causada por uma "inversão congênita" que ocorria durante o nascimento ou era adquirida pelo indivíduo.

Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria publicou, em seu primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais, que a homossexualidade era uma desordem, o que fez com que a opção sexual fosse estudada por cientista, que acabaram falhando por diversas vezes ao tentarem comprovar que a homossexualidade era, cientificamente, um distúrbio mental. Com a falta desta comprovação, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a opção sexual da lista de transtornos mentais em 1973.

Em 1975, a Associação Americana de Psicologia adotou a mesma posição e orientou os profissionais a não lidarem mais com este tipo de pensamento, evitando preconceito e estigmas falsos.

Porém, a Organização Mundial de Saúde incluiu o homossexualismo na classificação internacional de doenças de 1977 (CID) como uma doença mental, mas, na revisão da lista de doenças, em 1990, a opção sexual foi retirada. Por este motivo, o dia 17 de maio ficou marcado como Dia Internacional contra a Homofobia.

Mas, apesar desta resolução internacional, cada país e cultura trata a questão da homossexualidade de maneira diferente. O Brasil, por exemplo, por meio do Conselho Federal de Psicologia deixou de considerar a opção sexual como doença ainda em 1985, antes mesmo da resolução da OMS. Por outro lado, a China tomou a atitude apenas em 2001.

O mundo todo caminha para compreender a opção sexual apenas como uma opção individual e não um problema de saúde. O desafio continua nas culturas de rejeição ao direito de opção sexual, com o preconceito chegando, inclusive, à condenação penal.

Desde 1990, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a homossexualidade não é considerada uma doença. Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CRP) publicou uma resolução na qual reafirma o que foi dito pela OMS: orientação não é considerada uma perversão, distúrbio ou patologia e, por isso, psicólogos não estão autorizados a exercer práticas de reorientação sexual.

A repercussão da decisão do juiz entre especialistas, celebridades e nas redes sociais foi grande. Entre tuítes, posts de Facebook e fotos no Instagram, o vídeo de Varella voltou a ser compartilhado. O médico inicia seu argumento afirmando que homossexualidade é "uma ilha cercada por ignorância de todos os lados".

E continua:

Ninguém decide a própria sexualidade. Você é heterossexual. Quando é que você decidiu ser heterossexual? A sexualidade é; ela se impõe. A gente não escolhe, não tem como escolher.

E reitera sua explicação:

A homossexualidade é um tipo de comportamento sexual tão respeitável quanto a heterossexualidade. Discriminar os homossexuais por causa do próprio comportamento, por causa do tipo de desejo que eles têm, é uma ignorância absurda.

Para Varella, "você pode controlar o comportamento. [...] mas você não controla o desejo -- o desejo humano é incontrolável" e que:

E aqueles que são visceralmente contra -- esses pastores de almas, que acham que a homossexualidade é um crime, que é um pecado contra a natureza, contra Deus -- tudo bem; que eles prescrevam isso, que eles coloquem fora das igrejas deles as pessoas que têm esse tipo de comportamento, mas não podem ter o direito de impor isso contra nós.

E o médico finaliza com uma pergunta:

"Eu vou te perguntar uma coisa: que diferença faz pra você, pra sua vida pessoal, se o seu vizinho dorme com outro homem; se a sua vizinha é apaixonada pela colega de escritório? Que diferença faz pra você?

E dá a resposta:

Se faz diferença, procura um psiquiatra. Você não está legal.





AFRESCO NA TUMBA DE PAESTUM


X

A PEDERASTIA ATENIENSE NO PERÍODO CLÁSSICO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DO BANQUETE DE PLATÃO E DE XENOFONTE. 

(neresluana@gmail.com) 
 * Aluna bolsista do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, nível Doutorado. Orientanda da Professora Doutora Ana Teresa Marques Gonçalves – UFG.


Palavras-chave: Pederastia, Banquete, Platão, Xenofonte. 


1 - Introdução

O presente trabalho tem por objetivo apresentar os primeiros resultados obtidos na pesquisa intitulada “A pederastia ateniense no período clássico: uma proposta de análise do Banquete de Platão e de Xenofonte”, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás desde Março de 2009, nível doutorado. Nosso objeto trata-se de um relacionamento homoerótico praticado entre os aristocratas atenienses durante o período clássico grego, que abrange os séculos IV e V a.C. Denominada Pederastia, o homoerotismo masculino ateniense era praticado pelo parceiro mais velho, o erastés1 , que no grego clássico significa “amante” e pelo jovem, o erómenos, palavra que significa “apaixonar-se por”. Tanto erastés quanto erómenos são oriundos do verbo erán, que significa “amar” (DOVER, 1994: 34). 

O termo pederastia também decorre do verbo erán, acrescido do prefixo paides que significa “menino”, “criança”. Entretanto, é importante ressaltar que a pederastia ateniense não é o mesmo que “pedofilia”, por não deter o teor pornográfico e depreciativo que esta última possui. Podemos traduzir o termo pederastia (paiderastein) no diálogo platônico como “amor pelos jovens” (Platão. O Banquete, 211.b.6). 

O erastés deveria ser um homem adulto, cidadão com papel ativo na sociedade. O erómenos era um jovem de idade variante entre 12 e 18 anos2, filho de cidadão, que tinha o direito de “escolher” seu erastés, já que cabia a ele aceitar ou não o convite dos candidatos que se apresentassem no momento propício para o início da pederastia. Devemos elucidar que as relações pederásticas ocorriam somente entre os eupátridas3 e futuros eupátridas de Atenas e que era uma atividade predominantemente do círculo aristocrático, principalmente aquele que freqüentava os ginásios e os banquetes (MOSSÉ, 2004: 223). Esta exclusividade tem uma explicação: nem todos os homens livres tinham vocação para exercer plenamente a vida política, nem se dedicarem à conquista de belos rapazes, mas somente os eupátridas ricos. Todavia, analisando a obra platônica, observamos que Sócrates fora erastés de diversos jovens, sem, contudo, ser detentor de grandes posses.

A principal questão que norteia nossa análise encontra-se na compreensão da pederastia em Atenas enquanto uma instituição políticopedagógica, que visava à formação do futuro cidadão ateniense e que poderia ocorrer durante os banquetes aristocráticos. 

Por se tratar de um relacionamento que era acompanhado de perto pela sociedade a fim de que seus participantes não comentessem hybris4 e não desviassem o foco do relacionamento pederástico, de que forma poderia ocorrer em um espaço destinado à suspensão momentânea da ordem? Para buscar respostas para esta questão, optamos pela análise do diálogo platônico O Banquete (Symposión)5 e elegemos ainda o diálogo de Xenofonte com o mesmo título para observaremos, através dos discursos elaborados pelos convivas dos banquetes descritos pelos autores e da análise historiográfica, os seguintes itens: 
  • Questões referentes à conduta dos envolvidos na pederastia;
  • As delimitações identitárias dos mesmos, o tempo pretendido para tal relação;
  • O banquete (symposión) enquanto espaço para a realização da pederastia;
  • O tratamento concedido àqueles que transgrediam as normas;
  • A relação entre a formação pederástica do jovem e sua atuação na Assembleia (Ecclesia) enquanto cidadão ativo na sociedade.
  • Os reflexos do envolvimento da cidade de Atenas na Guerra do peloponeso na tradição educacional dos jovens eupátridas.
Outra questão levantada acerca das relações entre erastés e erómenos encontra-se na compreensão dos critérios de seleção da temática amorosa por Platão e por Xenofonte em suas respectivas obras. Enquanto o amor entre homens e jovens constitui-se como objeto principal no symposión platônico, Xenofonte o discute juntamente com outros assuntos, dentre os quais, a dança e o vinho. Todavia, isso não significa que o Amor não tenha importância no Symposión xenofontiano.


Notas

1 Existem diversos trabalhos onde erastés aparece escrito como “erasta” e erómenos como “erômeno”, como uma forma de tornar tais verbetes mais próximos da Língua Portuguesa tais nomes. Todavia, optamos por utilizar neste capítulo os termos em seu original grego. 

2 Não há nos trabalhos historiográficos um acordo no que diz respeito à faixa etária do erómenos, uma vez que há autores que delimitam a idade deste entre 12 e 18 anos, enquanto outros a estendem até os 20 anos. No presente trabalho foi adotada a faixa etária apresentada por Nikos A. Vrissimtzis para a designação da idade do mancebo envolvido na pederastia por acharmos os argumentos do autor muito pertinentes (VRISSIMTZIS, 2002: 104)

3 Cidadãos no período clássico eram considerados apenas os homens nascidos em Atenas e filhos de pais provenientes de famílias atenienses, os chamados eupátridas. Claude Mossé afirma que o nascimento era a principal via de acesso à comunidade cívica, mas que também existia outro meio de aquisição da cidadania. Este consistia na concessão do privilégio de se tornar cidadão a um estrangeiro que tivesse sido aprovado por pelo menos seis mil atenienses em voto secreto na assembléia. Mas essa atribuição possuía um caráter excepcional (MOSSÉ, 1993: 43). 

4 Os gregos em geral possuíam uma grande preocupação em relação ao seu autocontrole, repudiando o que eles chamavam de hybris, geralmente traduzido por “desmesura”, “agressão” ou “violência”. Dover acrescenta que tal vocábulo, no caso especificamente sexual, denota a apropriação por parte de um homem adulto ou de um jovem para relações sexuais contra sua vontade, ou seja, “estupro”. (DOVER, 1994: 56). 

5 Symposión em grego significa “reunião de bebedores”. O plural da palavra symposión aparece muitas vezes na literatura grega como simposia, dependendo do caso em que o substantivo está flexionado. 


2 - Material e métodos 

Por se tratar de uma pesquisa cujo recorte espaço-temporal encontra-se na Antiguidade Clássica, utilizamos o Método Qualitativo6 para a análise da documentação por nós selecionada por acreditarmos ser esta a melhor ferramenta para o exame de nossa documentação. Até o presente momento já realizamos a leitura sistemática das fontes antigas, estabelecendo uma comparação entre o modo pelo qual a relação entre erastés e erómenos aparece na obra platônica com aquela apresentada por Xenofonte em seu diálogo. Tendo consciência de que toda obra está imbuída dos interesses de quem a registrou, tentamos contrabalancear a visão de Platão e Xenofonte, haja vista ambos terem sido discípulos de Sócrates e possuirem visões peculiares acerca da pederastia neste período. Identificamos que em Platão a temática erótica permeia todo diálogo, enquanto em Xenofonte esta contitui-se em apenas um dentre diversos outros assuntos abordados, tais como a bebedeira, o riso e a dança. Todavia notamos que nas duas obras é latente a idéia de que “o amor dirigido à alma é o mais elevado e privilegiado por um kaloskagathos7 ”. Ou seja, o amor deveria estar pautado sempre no autocontrole, no equilíbrio, na temperança (sophrosine). 

 6 Método onde o pesquisador procura (re)interpretar fenômenos a partir da análise de conceitos e do exame de documentos (NEVES, 1996). 

7 Kaloskagathos (Kalós kai agathos): Junção de dois adjetivos – Kalós (belo) kai (e) Agathos (bom), que na literatura grega antiga, aparece para identificar cidadãos que fossem bons e que apresentassem a beleza de sua conduta e não necessariamente a beleza física.


3 - Resultados e discussão

 A pederastia ateniense suscitou diversas interpretações ao longo de século. O seu conteúdo e significado na sociedade ateniense do período clássico representou algo bastante distinto de sua conceituação no mundo atual, e por essa razão, fomos motivamos a buscar uma compreensão mais aprofundada do assunto. Pautados numa discussão teórica acerca dos conceitos de “imaginário” e também de “identidades”, procuramos compreender o papel social desempenhado pela pederastia, salientado as características identitárias do grupo que a praticava e sua repercussão no imaginário social de Atenas durante o período clássico. Na medida em que fomos realizando a leitura sistemática de nossas fontes e da bibliografia selecionada, reforçamos as problemáticas apresentadas em nosso projeto e identificamos outras relacionadas à importância que os banquetes gregos possuíam na vida pública e privada do homem ateniense clássico. Segundo Oswyn Murray os banquetes eram fortemente ritualizados e essa ritualização definia a comunidade como um todo, ou um grupo dentro dessa comunidade (MURRAY, 1994: 202). Sua liturgia dividia-se basicamente em duas partes: a primeira, chamada de deipnon e o posterior, o symposión. O deipnon é caracterizado por se consumir rapidamente pratos pouco sofisticados, sem muita conversação ou bebida, convertendo-se, muitas vezes, na única refeição que as hetairas8 fariam durante todo o dia. O symposión é constituído por ritos religiosos, divertimentos, música e dança, tudo regado a muito vinho, que deveria ser consumido gradativamente para que não se atingisse a bebedeira rapidamente. Conceitos importantes tais como homoerotismo, homossexualismo, homossexualidade, imaginário, identidade e memória, dentre outros, têm sido definidos para a nossa análise da pederastia praticada durante os banquetes. Discutimos com a historiografia tradicional e com os mais recentes trabalhos publicados pelo mundo. Destacamos os trabalhos de Henri Marrou9, Werner Jaeger10, Kenneth James Dover11, Félix Buffière12, Michel Foucault13, David 

8 Hetaira: palavra grega que significa “companheira”. Eram prostitutas de luxo que geralmente acompanhavam os homens importantes em banquetes e outras festividades onde mulheres da sociedade não poderiam comparecer (VRISSIMTZIS, 2002: 93). 

9 MARROU, Henri Irénée. Da Pederastia Como Educação. In: _________. História da Educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990. p. 51 – 65. 

10 JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986. 

11 DOVER, Kenneth James. A Homossexualidade na Grécia Antiga. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. 

Halperin14, Paul Ludwig15, David Cohen16, dentre outros, a fim de que sejam suscitadas e discutidas as principais linhas de pensamento acerca das relações entre erastés e erómenos em Atenas no período clássico.

12 BUFFIÈRE, Félix. Éros Adolescent: La pédérastie dans la Grèce Antique. Paris: Belles Lettres, 2007. 

13 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2003. 

14 HALPERIN, David M. One Hundred years of homosexuality: and other essays on Greek. New York; London: Routledge, 2008.  


4 – Conclusões 

Apesar de nossa pesquisa encontrar-se em fase de desenvolvimento, concluímos até o presente momento que os banquetes possuíam grande importância na comensalidade do ateniense do período clássico eram festividades destinadas apenas aos indivíduos do sexo masculino. Logo, convertiam-se em um ambiente propício para o exercício da pederastia, pois estava repleto da masculinidade necessária para o florescimento do amor entre erastés e erómenos. Além do mais, tais encontros poderiam celebrar a vitória de um amigo em algum concurso esportivo ou de poesias, ou ainda, constituir-se em um espaço de discussão política, versando-se nestes encontros sobre diversas temáticas relacionados a polis. 


5 - Referências bibliográficas 

A - DOCUMENTAÇÃO TEXTUAL: PLATÃO. O Banquete. Trad: J. Cavalcante de Souza. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. ________. Le Banquet. Trad: Léon Robin. Paris: Les Belles Lettres, 2008. 

XÉNOPHON. Le Banquet – Apologie de Socrate. Trad: François Ollier. Paris: Les Belles Lettres, 2002. 

B – OBRAS DE REFERÊNCIA: 

BUFFIÈRE, Félix. Éros Adolescent: La pédérastie dans la Grèce Antique. Paris: Belles Lettres, 2007. 

COHEN, David. Law, sexuality and society: the enforcement of morals in classical Athens. New York, Cambridge University Press, 2001.

DOVER, Kenneth James. A Homossexualidade na Grécia Antiga. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. 



15 LUDWIG, Paul. Eros and Polis: desire and community in Greek political theory. New York: Cambridge University Press, 2006. 


FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 2003. 

HALPERIN, David M. One Hundred years of homosexuality: and other essays on Greek. New York; London: Routledge, 2008. 

JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986. 

LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira. Cultura Popular em Atenas no V Século a.C. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000. 

LUDWIG, Paul. Eros and Polis: desire and community in Greek political theory. New York: Cambridge University Press, 2006. 

MARROU, Henri Irénée. Da Pederastia Como Educação. In: _________. História da Educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990. p. 51 – 65. MOSSÉ, Claude. Dicionário da Civilização Grega. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 

_____________. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 70, 1993. MURRAY, Oswyn. O homem e as formas da sociabilidade. In: VERNANT, JeanPierre (org.). O Homem Grego. Lisboa: Presença, 1994. P. 199-228. 

NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa – características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em administração. São Paulo, V.1, nº 3, 1996. 

VRISSIMTZIS, Nikos A. Pederastia. In: ______________. Amor, Sexo & Casamento na Grécia Antiga. São Paulo: Odysseus, 2002. p 100 – 114.




XI
IMPÉRIO ROMANO







WARREN CUP





XII
A HOMOSSEXUALIDADE EM PLATÃO
Leia o artigo original na Revista Lado A

Symposium de Platão. Anselm Feuerbach; Google Cultural Institute.

Platão nasceu na Grécia, em 427 antes de Cristo, viveu oitenta anos e escreveu inúmeras obras, sob forma dialogada, em que Sócrates corresponde, geralmente, ao principal interlocutor. No diálogo “O banquete”, Platão trata do amor, mediante os diálogos dos partícipes de uma ceia, que intervém sucessivamente, cada qual expondo a sua teoria a respeito. Assim, manifestam-se (pela ordem) Faidros, Pausânias, Erixímacos, Aristófanes, Agatão (o anfitrião), Sócrates e Alcebíades.

Recorte da obra: A escola de Athenas de Rafael Sanzio. Detalhe de Platão, apontando para cima, o mundo das ideias (hiperurânia) e Aristóteles mostrando as coisas existentes, a realidade.

Busto de Platão

Resenho aqui os argumentos dos intervenientes relativos à homossexualidade, desiderato para o qual servi-me da tradução publicada em 1952, pela Companhia Espasa-Calpe, de Buenos Aires, na Coleção Austral. Há inúmeras traduções em português, publicadas no Brasil, pelo que, o leitor interessado facilmente acederá ao texto original.

A antigüidade grega, a que pertenceu Platão, caracterizava-se pelo politeísmo, crença em inúmeros deuses, a cada um atribuindo-se a responsabilidade por certos fenômenos, como o deus Amor, responsável pelo sentimento de afeição entre as pessoas; assinalava-se, ainda, pela bissexualidade masculina, em que aceitavam-se as relações sexuais de homens com mulheres e com homens, e pela pederastia, relacionamento entre o erastes e o erômenos: aquele, mais velho de 25 anos, procurava um moço de entre 12 e 15 anos (o erômenos), a quem, sob a aprovação dos respectivos pais, servia de amigo e educador até os seus 18 anos, quando a relação passava a ser de amizade, exclusivamente, sem conteúdo sexual que, de resto, não compreendia penetração anal e sim o coito interfemural (fricção do pênis entre as coxas, junto da genitália).

A assim chamada homossexualidade grega encarnava um costume altamente moral de finalidade educadora; a intimidade física entre o erastes e o erômenos verificava-se no âmbito de uma relação, antes de tudo, formadora do caráter do mais moço, em que o mais velho desempenhava um papel significativo na transmissão de valores. Nada disto se reproduziu nas demais sociedades, ao longo da história, e não se reproduz nas sociedades homofóbicas: longe de encarnar uma simples forma de satisfação genital, a pederastia grega encarnou uma elevada espécie de relacionamento humano que muitos autores verberaram por ignorarem o seu aspecto educador ou, mais provavelmente, por entenderem-no como licença institucionalizada à penetração anal (o que, na verdade, não o caracterizava).

Na Grécia antiga, a homossexualidade não equivalia ao que modernamente designa-se por este vocábulo: na atualidade, ele indica a atração de homens por homens e a sua conseqüência propriamente sexual, a penetração do pênis no reto, ao passo que na Grécia antiga a cópula homossexual considerava-se desprezível e somente se admitia entre um grego e um escravo, respectivamente nos papéis de ativo e passivo.

O advento do cristianismo provocou a censura da homossexulidade, o fim da pederastia grega, e a instauração da homofobia que por séculos vem caracterizando as sociedades ocidentais.

Autor da primeira fala do texto de Platão, Faidros, reputa o Amor como o mais antigo dos deuses e o que mais benefícios propicia aos homens, o mais apto para felicitar o ser humano e torná-lo virtuoso, durante a sua vida e após a sua morte, “pois, diz ele, não conheço vantagem maior para um jovem do que ter um amante virtuoso”. O Amor inspira o que é necessário para levar-se uma vida honrosa, a saber, a vergonha do mal e o desejo do bem: se um Estado ou um exército se compusessem apenas de amantes e de amados, não haveria povo que professasse tanto horror ao vício e apreciasse tanto a busca da virtude.

“Homens unidos assim, ainda que poucos, poderiam vencer aos demais”: nenhum deles desejaria ser observado pelo seu amante, em rendição ou em debandada; ao contrário, “preferiria morrer mil vezes a abandonar em perigo o seu bem-amado e deixá-lo sem auxílio”. Por isto, “unicamente os amantes são os que sabem morrer um pelo outro”, trate-se de homens ou de mulheres, como foi o caso de Aquiles, que defendeu Pátroclo, vingou-o à custa da própria vida e morreu-lhe sobre o corpo, abnegação pela qual os deuses tributaram-lhe mais honras do que a qualquer outro homem.

A seguir, Pausânias distingue dois tipos de amor, o popular e o celestial, dos quais o primeiro inspira baixezas, “reina entre os maus, que amam sem seleção tanto às mulheres quanto aos jovens, o corpo mais que a alma”, que aspiram unicamente “ao gozo sensual”, para cuja obtenção lhes são indiferentes os meios, contanto que obtenham os seus propósitos.

Por sua vez, o amor celestial inspira exclusivamente o amor aos homens, especificamente aos jovens, cuja inteligência principia a desenvolver-se, ou seja, os adolescentes. “O seu objeto não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não separarem-se mais e de passarem toda a vida com o que amam”.

Acerca das relações sexuais entre os amantes (masculinos), pondera que na Élida e na Beócia, “é bom conceder os seus favores a quem nos ama; a ninguém, jovem nem velho, isto parece mal”, enquanto na Jônia e nas regiões submetidas ao domínio dos bárbaros [os persas], tal costume reputa-se vergonhoso e proscrito, juntamente com a filosofia e a ginástica: “É porque os tiranos, indubitavelmente, não querem que entre os seus súditos surjam indivíduos de grande valor, nem amizades nem uniões vigorosas, que são as que forma o Amor”. Assim, “nos Estados em que se considera vergonhoso conceder os seus favores a quem nos ama, procede esta severidade da iniqüidade dos que a estabeleceram, da tirania dos governantes e da covardia dos governados”.

Já em Atenas, preferia-se amar às claras a fazê-lo à socapa, e aos homens virtuosos e generosos, ainda que menos bonitos; reputava-se belo conquistar-se o afeto do amante e humilhante não o obter, propósito para o qual admitiam-se todos os meios: súplicas, lágrimas, juras, baixezas, que em outras circunstâncias, seriam vexatórias, e que, no caso do amante, “quadram-lhe maravilhosamente”.
Todos, naquela cidade, achavam-se persuadidos de ser louvável “amar e ser amigo do amante”.

Não é honroso, prossegue Pausânias, concederem-se favores sexuais a um homem vicioso e por maus motivos, sendo-o, em contrapartida, fazê-lo por boas causas, a um homem praticante da virtude. É homem vicioso o amante que ama o corpo, de preferência à alma: “seu amor não poderá ser duradouro, pois ama algo que não dura”, “porém o amante de uma bela alma permanece fiel por toda a vida porque ama o que é duradouro”; por isto, os costumes induzem a que se examine a pessoa (nos seus caráter e comportamento), antes de comprometer-se com ela.

Também considerava-se decoroso um indivíduo servir sexualmente a quem o amava, retribuindo o primeiro, se desejasse adquirir conhecimento e instrução, ao segundo, se capaz, este, de infundir-lhe ciência e virtude. É honroso, destarte, amar, na busca do melhoramento pessoal, por meio da amizade, o que é “benéfico para os particulares e para os Estados e digno de ser o objeto dos seus principais estudos, pois obriga o amante e o amado a zelar por si próprios a fim de esforçarem-se por ser mutuamente virtuosos”.
Toma a palavra Aristófanes, que explica a origem da homossexualidade (masculina e feminina) e da heterossexualidade: havia, antanho, três tipos de seres humanos, dos quais, um correspondia aos homens; outro, às mulheres, e um terceiro, a uma criatura mista, masculina e feminina, denominada de andrógino.

Todos os humanos apresentavam-se como duplos, dotados de quatro braços, outro tanto de pernas e duas faces em uma só cabeça, até Júpiter desmembrá-los, transformando-os em criaturas singulares: a partir de então, cada metade procura a outra, que lhe corresponde; ao se encontrarem, copulam entre si, uma metade masculina com a feminina, ou duas masculinas ou duas femininas, o que originou, respectivamente, os heterossexuais, as tríbades e os gueis.

“Os homens procedentes da separação dos homens primitivos, buscam, de igual maneira, o sexo masculino. Enquanto são jovens amam aos homens, desfrutam dormindo com eles, com estar em seus braços e são os mais destacados dentre os adolescentes e os adultos, como se possuíssem uma natureza muito mais viril. Sem razão alguma, acusa-se-os de não terem pudor, e não é por falta de pudor que procedem assim; é porque possuem uma alma corajosa e valor e caráter viris, que buscam aos seus semelhantes, e a prova disto é que, com a idade, mostram-se mais aptos para o serviço do Estado do que os outros. Quando chegam à idade viril, amam, por sua vez, aos adolescentes e jovens, e se se casam e têm filhos, não é por seguir os impulsos da sua natureza, senão porque a lei constrange-os a tal. O que eles querem, é passar a vida em celibato, juntos uns dos outros”.

Quando um destes homens encontra outro, ou a sua metade, “a simpatia, a amizade e o amor” despontam em ambos, “de maravilhosa maneira”, sem que os prazeres voluptosos pareçam corresponder à causa disto.

Graças ao amor, prossegue Aristófanes, os homens e as mulheres serão felizes se encontrarem a sua metade e tornarem ao seu primitivo estado de união que, se correspondia ao melhor, o que mais se aproximar dele deve equivaler, necessariamente, também ao melhor.

Concluída a fala de Aristófanes, reúne-se Alcebíades ao grupo de comensais, para alarme de Sócrates, que bradou ao anfitrião: “Socorro, Agatão! O amor deste homem é-me um verdadeiro apuro. Desde que passei a amá-lo, não posso observar nem falar a nenhum outro jovem, sem que, por despeito ou zelos, entregue-se a excessos incríveis”.
Após enaltecer as qualidades de Sócrates, observa Alcebíades: “Vede o ardente interesse que Sócrates demonstra pelos belos mancebos e adolescentes e com que paixão busca por eles, e até que ponto eles o cativam”.

Supondo Alcebíades que Sócrates interessava-se pela sua beleza, acreditou que, cedendo-se-lhe sexualmente, ele comunicar-lhe-ia o seu conhecimento: tentou seduzi-lo em diversas circunstâncias, fracassadamente, até resolver expor-lhe os seus intuitos: “Penso que tu és o único amante digno de mim e parece-me que não te atreves a revelar-me os teus sentimentos. Da minha parte, posso assegurar-te que seria bem pouco razoável se não buscasse comprazê-lo nesta ocasião, como em qualquer outra em que pudesse ficar-lhe agradecido, por mim próprio, como por meus amigos. Não tenho maior empenho do que aperfeiçoar-me o quanto seja-me possível e não vejo ninguém cujo auxílio para isto possa ser-me mais proveitoso do que o teu.”

Respostou-lhe Sócrates, ponderando-lhe que trocariam valores desiguais, o da beleza física pela aquisição da sabedoria, após o que, Alcebíades apressou-se a abraçá-lo e passaram juntos a noite. A seguir, Sócrates desdenhou-lhe da beleza e insultou-a, o que originou queixas de Alcebíades, das quais, e dos abundantes elogios que formulou a Sócrates, resultou, da parte dos comensais, a impressão de que prosseguia enamorado dele.



SOBRE O AUTOR
Redação Lado A
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Bibliografia






















(Coletânea de artigos postado em 2015 e atualizada em 2022)