CARLOS MARIGHELLA
PROVA EM VERSO (1929)
Negro, nordestino e revolucionário. Fez de sua vida instrumento de luta contra todas as injustiças de seu tempo. Carlos Marighella inspira gerações a perseguir ideais de justiça e liberdade. Político, escritor, poeta e professor, sempre enfrentou com coragem os tiranos e estendeu sua luta por décadas, até o dia em que foi emboscado e assassinado por militares da ditadura brasileira, há 54 anos atrás.
Carlos Marighella (1911-1969)
Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911; São Paulo, 4 de novembro de 1969) foi político, escritor e guerrilheiro comunista marxista-leninista brasileiro.
País de Carlos Marighella
Carlos Marighella foi um dos sete filhos de uma família pobre de Salvador. Seu pai era o imigrante italiano Augusto Marighella, operário metalúrgico, mecânico e ex-motorista de caminhão de lixo que chegara a São Paulo e se transladara à Bahia. Sua mãe era a baiana e ex-empregada doméstica Maria Rita do Nascimento, negra e filha livre de escravos africanos trazidos do Sudão (negros hauçás). Nasceu em Salvador no dia 5 de dezembro de 1911, residindo na Rua do Desterro 9, Baixa do Sapateiro, onde concluiu o seu curso primário e o secundário.
Marighella sustentava com orgulho a alcunha de “inimigo público número um”, dada pelos próprios militares que comandaram o Brasil durante a ditadura.
O baiano, nascido em 5 de dezembro de 1911, filho de uma negra e um imigrante italiano anarquista, foi o principal articulador político e ideológico da luta contra o regime autoritário no país.
Defensor e incentivador da guerrilha como forma de resistência à repressão militar, Marighella não se contentava apenas em escrever manifestos e insuflar a luta armada através de seus textos.
Aos dezoito anos (1929), enquanto cursava Engenharia na Escola Politécnica da Bahia, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Em pouco tempo, o jovem militante tornou-se um dos principais líderes do partido, e fundou, na clandestinidade, a Ação Libertadora Nacional (ALN). Participou de inúmeros protestos com enfrentamento direto com a polícia militar. Sua primeira prisão ocorreu em 1932, por conta de críticas pesadas feitas em forma de versos ao então governador da Bahia, Juracy Magalhães.
A poesia é uma forte vertente da obra do guerrilheiro, e o acompanhou durante toda a trajetória política.
Marighella começou a escrever poemas durante o curso de Engenharia. Colegas e professores ficavam impressionados com a capacidade do jovem de transformar complexas teorias e explicações científicas em versos líricos.
A seguir, um exemplo da perspicácia do jovem estudante do Ginásio da Bahia:
Carlos Marighella e o filme
Respostas em versos ao ponto sorteado "Catóptrica, leis de reflexão e sua demonstração, espelhos, construções de imagens e equações catóptricas", da cadeira de Física do 5º ano, no Ginásio da Bahia.
Ginásio da Bahia aos 23
De 29 deste oitavo mês.
.........................(1)
Doutor, a sério falo, me permita,
Em versos rabiscar a prova escrita.
Espelho é a superfície que produz,
Quando polida, a reflexão da luz.
Há nos espelhos a considerar
Dois casos, quando a imagem se formar.
Caso primeiro: um ponto é que se tem;
Ao segundo objeto é que convém.
Seja figura abaixo que se vê,
O espelho seja a linha beta cê.
O ponto P um ponto dado seja,
Como raio incidente R (2), se veja.
O raio refletido vem depois
E o raio luminoso ao ponto 2.
Foi traçada em seguida uma normal,
O ângulo I de incidência a R igual.
Olhando em direção de R segundo,
A imagem vê-se nítida no fundo,
No prolongado, luminoso raio,
Que o refletido encontra de soslaio.
Dois triângulos então no espelho faz,
Retângulos os dois, ambos iguais.
Iguais porque um cateto têm em comum,
Dois ângulos iguais formando um.
Iguais também, porque seus complementos
Iguais serão, conforme os argumentos.
Quanto a graus, A + I possui noventa,
B + J outros tantos apresenta.
Por vértices opostos R e J
São iguais assim como R e I.
Mostrado e demonstrado o que é mister,
I é igual a J como se quer.
Os triângulos iguais viram-se acima,
L2, P2, iguais isso se exprima.
IMAGEM DE UM PONTO
Atrás do espelho plano então se forma
A imagem, que é simétrica por norma.
IMAGEM DE UM OBJETO
Simétrica, direita e virtual,
E da mesma grandeza por final.
Melhor explicação ou mais segura
Encontra-se debaixo na figura.
(1) Os espaços pontilhados foram preenchidos pelo enunciado das questões e a assinatura, além da figura desenhada, que também faz parte da prova escrita.
(2) Conforme é uso na Bahia, R pronuncia-se "rrê" e não "érre"; J pronuncia-se "ji" e não "jota"; L pronuncia-se "lê" e não “éle”
Doutor, o
Espelho é a superfície que produz,
Quando polida, a reflexão da luz.
Há nos espelhos a considerar
Dois casos, quando a imagem se formar.
Caso primeiro: um ponto é que se tem;
Ao segundo um objeto é que convém.
Seja a figura abaixo que se vê,
o espelho seja a linha betacê.
O ponto P um ponto dado seja,
Como raio incidente R se veja.
O raio refletido vem depois
E o raio luminoso ao ponto 2.
Foi traçada em seguida uma normal
o ângulo I de incidência a R igual.
Olhando em direção de R segundo,
A imagem vê-se nítida no fundo,
No prolongado, lu minoso raio,
Que o refletido encontra de soslaio.
Dois triângulos então o espelho faz,
Retângulos os dois, ambos iguais.
Iguais porque um cateto têm comum,
Dois ângulos iguais formando um.
Iguais também, porque seus complementos
Iguais serão, conforme uns argumentos.
Quanto a graus, A+I possui noventa,
B+J outros tantos apresenta.
Por vértice opostos R e J
São iguais assim como R e I.
Mostrado e demonstrado o que é mister,
I é igual a J como se quer.
Os triângulos iguais viram-se acima,
L2, P2, iguais, isto se exprima.
IMAGEM DE UM PONTO
Atrás do espelho plano então se forma
A imagem, que é simétrica por norma.
IMAGEM DE UM OBJETO
Simétrica, direita e virtual,
E da mesma grandeza por final.
Melhor explicação ou mais segura
Encontra-se debaixo na figura.
Obra poética
A obra poética de Carlos Marighella possui temática predominantemente patriota e libertária. O baiano transmitia em versos seu amor pelo Brasil, as paisagens naturais de nosso país, a alegria de seu povo, seus ideais de liberdade, seu descontentamento com a repressão. Esses poemas foram compilados sob o título ‘Rondó da Liberdade’, mesmo nome do poema abaixo:
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
A obra de Marighella pelo mundo
Carlos Marighella sempre esteve na mira dos poderosos. Preso e torturado diversas vezes, nunca abandonou seus ideais nem se deixou desanimar com as ameaças e violência física. Após enfrentar a ditadura varguista, em 1945, foi anistiado, e participou do processo de redemocratização do país e da reestruturação legal do Partido Comunista. Em 1946, escreveu o tratado “A Religião, o Estado, a Família”, no qual contestava a estrutura social vigente.
Nas primeiras eleições diretas após a redemocratização, foi eleito deputado federal pelo estado da Bahia. Durante o governo Dutra, em 1948, teve o mandato cassado e viu-se obrigado a voltar para a clandestinidade, sempre ativo na militância e oposição aos governos autoritários.
Perseguido pelos sucessivos governos, sofreu um atentado em 1964, foi novamente preso, e conseguiu ser liberto, através de um habeas-corpus. Seguiu lutando e participando de protestos e manifestações de repúdio à ditadura, sendo novamente caçado pelos militares, até a noite de 4 de novembro de 1969, quando foi pego numa emboscada por agentes do DOPS, e executado.
O Manual do Guerrilheiro Urbano, escrito por Marighella em 1969 e publicado pela primeira vez em forma de panfleto, percorreu o mundo e inspirou grupos revolucionários de quase todos os continentes, durante as décadas de 60 e 70.
O guerrilheiro baiano ainda abordou em sua obra a questão da reforma agrária, na publicação “Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil”, de 1958, na qual faz considerações que se mostram ainda pertinentes na atualidade.
Em 1970, o Ministro do Interior da França vetou a venda do livro Pour la libération du Brésil (Pela Libertação do Brasil). Contrário à decisão, e no intuito de defender e garantir o direito de livre expressão, formou-se um grupo composto por 24 editores franceses para publicar a obra.
Os ideais de Marighella não morreram com ele. A experiência acumulada em quarenta anos de luta e resistência foi mantida viva em seus textos teóricos e líricos. Traduzido em vários idiomas, Marighella foi lido na América Latina, Europa, Ásia e África, e sua obra ainda inspira leitores por todo o mundo, até os dias de hoje.
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome”
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
Fonte