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01 agosto 2020

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(01/VIII/2020)

AS SETE ARTES LIBERAIS

AS SETE ARTES LIBERAIS 

Artes liberais ou ars liberalis, é o termo que define uma metodologia de ensino, organizada na alta Idade Média, cujo conceito foi herdado da antiguidade clássica. Aparece pela primeira vez nos textos de Varro (116 aC - 27 aC) e Capella ( (360 dC - 28 dC).
Contemporaneamente, o conceito de artes liberais denotam a formação multidisciplinar visando a formação plena, sem necessariamente ser profissionalizante. Referem-se aos ofícios, disciplinas acadêmicas ou profissões ("artes") desempenhadas pelos homens livres. São compostas do Trivium (lógica, gramática, retórica) e do Quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia). Tal conceito foi posto em oposição às Artes Mechanicae (artes mecânicas),[1] consideradas próprias aos servos ou escravos.
O conceito de arte dado por Aristóteles, "a capacidade de produzir com raciocínio reto", ou ainda, "uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira", é capaz de fornecer alguns elementos acerca do conceito de artes liberais que os homens da Antiguidade e da Idade Média tinham.

Entre os romanos, Cícero e Sêneca, idealizaram a educação liberal que, para os latinos era fundada principalmente na retórica. As artes liberais eram consideradas as disciplinas próprias para a formação de um homem livre, desligadas de toda preocupação profissional, mundana ou utilitária. Contrapõem-se às artes mecânicas [1] ou seja, às disciplinas não diretamente relacionadas a interesses imateriais, metafísicos e filosóficos, mas estritamente técnicos (voltados à produção de utilidades que sirvam às necessidade cotidianas do homem). Mediante o domínio das artes liberais, o homem seria capaz de produzir obras e ideias com poder de elevar o espírito humano para além dos interesses puramente materiais, rumo a um entendimento racional e livre da verdade.

Quanto ao conteúdo, as artes liberais clássicas não possuíam um número fechado de disciplinas. Por vezes, a dança, a poesia, a ginástica, a medicina e a arquitetura eram contadas como artes liberais.

A personificação das Sete Artes Liberais (Trivium et Quadrivium) foi um tema iconográfico muito comum nas artes medieval e moderna.

As sete artes liberais


Origens de Varro (Varrão) 116 aC -27 aC e Capella 360 dC - 28 dC

A origem das artes liberais deve ser buscada na educação escolar dos gregos. 
Já no tempo de Sólon, podemos encontrar a distinção entre γυμναστική, o treinamento do corpo, e μουσική, o treinamento da alma. 

A partir da μουσική, (o treinamento da alma) foi gradualmente desenvolvido um  corpo de estudos que adotou como conteúdo principal as chamadas artes liberais. 

Na época de Aristóteles (384 a 322 a.C.), a doutrina educacional dos gregos alcançou seu maior desenvolvimento, e suas referências às artes liberais podem ser consideradas como exibindo essa doutrina de maneira representativa e autorizada. 
Ele define as artes liberais (Política, viii. 1) como os estudos apropriados para homens livres que buscam excelência intelectual e moral em geral, em vez do que é imediatamente prático como o fim de sua educação, estabelecendo assim uma distinção entre educação liberal e técnica, e talvez prenunciando em sua identificação do liberal com a cultura geral o contraste entre um treinamento geral e um especializado.

Nenhuma lista exclusiva de sete ou qualquer outro número definido de artes pode ser encontrada em qualquer escritor grego antigo, nem qualquer referência a sete como o número apropriado das artes liberais. 

No entanto, é evidente que a gramática foi o primeiro estudo inevitável da lista e que foi seguida por instruções em retórica e dialética (lógica). 

Depois disso, veio o estudo de um ou mais dos seguintes assuntos: Aritmética, geometria, música, astronomia. Todavia, além dessas sete, que muito depois vieram a ser conhecidas como as sete artes liberais, encontramos menção da medicina como arte liberal e da arquitetura como arte liberal, enquanto a filosofia, que foi o objetivo e a realização de todas as artes, é às vezes denominada a arte liberal por excelência (Aristot. Met. i. 2).

Na época de Marcus Terentius Varro (116-27 aC) e Marcus Tullius Cicero (106-43 aC), as artes liberais dos gregos haviam se tornado o trabalho de base reconhecido para a educação do liber homo romano (o homem livre romano), ou cavalheiro, e eram comumente conhecidos como artes liberais, studia liberalia, liberales disciplinae ou liberales scientiae, termos que nem sempre são idênticos em significado, mas que foram usados ​​vagamente para indicar os estudos escolares dos gregos.

No livro VIII em questão Varrão trata sobre a maneira de se expressar na escrita, e na fala, mesmo que de uma minoria ilustrada, mas também lança seu olhar para a disposição das palavras no enunciado conforme as funções que elas aí ocupam. Isso se evidencia por ele demonstrar preocupação com as regras que deveriam ser seguidas em relação a essa disposição das palavras ao apresentar a discussão de então entre analogistas e anomalistas no que se refere à analogia existir ou não no âmbito da linguagem, mais precisamente no âmbito dos processos de formação, declinação e flexão de palavras em latim. 

Segundo Louis Holtz (1981, Introdução), essa atenção voltada para a construção do enunciado, para a distinção de suas partes com vistas a sistematizar uma gramática para que não houvesse maiores discrepâncias na escrita, ou na fala, entre os escritores de então só apareceria a partir do século IV a.C. 

Quando Varro (Varrão) escreve o seu De Lingua Latina a gramática servia como auxiliar das ciências que se ocupavam em estudar a linguagem: a filosofia, a crítica e a retórica. 

A filosofia precisou da gramática porque pesquisava a história da linguagem, a origem das palavras. Dessa pesquisa surgiu uma polêmica que levou os filósofos a questionar se a origem das palavras seria natural (fusil) ou convencional (gesi). Polêmica muito importante para que a gramática pudesse, bem mais tarde, tornar-se uma ciência independente e esses estudos pudessem desenvolver-se no âmbito mais adequado a eles: o da gramática. Desse questionamento surgiram problemas de ordem morfológica e fonética, que, ao serem enfrentados pelos filósofos, os levaram a se interessar pelo estudo do enunciado, orientados por uma espécie de lógica formal da linguagem. Daí que Platão e Aristóteles teriam começado a perceber as categorias gramaticais (nomes e verbos), isto é, a estrutura das formas faladas e escritas (Collart, 1954, Ruy, 2096).

De todas as expressões já existentes, artes liberes é a principal. O repositório de informações para os romanos sobre os estudos gregos era o trabalho monumental de Varro, agora perdido, intitulado Libri Novem Disciplinarum

Segundo Ritschl (Opusc. Iii. 371), as nove “disciplinas” de Varro eram gramática, dialética, retórica, geometria, aritmética, astrologia, música, medicina e arquitetura. A astrologia, é claro, responde à astronomia, e a lista de Varro inclui a medicina e a arquitetura, além das sete artes anteriormente enumeradas.

Passando para a época do início do Império, o curso das artes liberais pode ser traçado com considerável clareza nos escritos do jovem Sêneca (4 a.C. 65 dC) e Quintiliano (35 a 95 d.C.) e em Philon de Alexandria (Philo Iudaeus) 20 aC - 50 dC.

Philon de Aexandria

A essa altura, as artes liberais haviam se tornado intimamente coordenadas como um corpo de instrução escolar conhecido como ἐγκύκλιος παιδεία (enkyklios paideia), ou “educação encíclica”; e, embora não tenhamos evidências de que seu número tenha sido conscientemente limitado a sete, é bem possível que as influências alexandrinas estivessem começando a operar em direção a essa limitação.

Com o advento do cristianismo, e posteriormente este sendo adotado como religião oficial do império romano, a história das artes liberais entrou em uma nova fase. 

Na Igreja Ocidental, particularmente, havia um forte espírito de antagonismo no início, que gradualmente passou uma tolerância qualificada, e, finalmente, mudou para encorajamento ativo das artes liberais, alegando que elas ministravam a uma verdade espiritual mais elevada. 

Essa transição pode ser vista claramente nos escritos de Agostinho de Tagaste  (Hipona) (354-430 dC), e também é interessante notar que, embora Varro seja a grande autoridade de Agostinho em todos os assuntos relacionados à história das artes liberais, ele não adere ao número das “disciplinas” de Varro. 

Agostinho de Hipoona

Em vez dos nove de Varro, descobrimos que a enumeração de Agostinho abrange somente sete e, no entanto, sem limitar expressamente as artes a esse número. 
No famoso tratado de Martianus Minneus Felix Capella ou simplesmente Martianus Capella de Cartago, escrito antes de 439 dC e intitulado De Nuptiis Philologiae et Mercurii, encontramos pela primeira vez uma limitação expressa das artes a sete, embora sem atribuir qualquer significado a esse número. 

Martianus Minneus Felix Capella (fl. 375-425)

O livro de Martianus Capella era um relato popularizado das nove disciplinas de Varro, e dessa lista de nove Martianus Capella exclui explicitamente a medicina e a arquitetura, por não serem estudos liberais, mas utilitários (edição de Eyssenhardt, pp. 332, 336). Essa exclusão da medicina e da arquitetura, segundo Martianus Capella, estaria baseada na ideia de que ambas são ciências utilitárias. 

Nenhuma menção ao número de artes pode ser encontrada em Boécio (480-525 dC), embora o nome quadrivium dos quatro estudos posteriores de aritmética, geometria, música e astronomia apareça em seus escritos, e é possível que o A palavra trivium como o nome dos três estudos anteriores, gramática, retórica e dialética, remonte ao seu tempo. 

Anicius Manlius Torquatus Severinus Boethius, Roma, ca. 480 – Pavia, 524 ou 525)
Ensinando seus alunos.

Manuscrito retratando Boécio ensinando alunos (letra inicial) e enquanto estava preso (WP).


Cassiodorus

Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus Senator

Flavius Magnus Aurelius Cassiodorus Senator (Cassiodorus 490-581 dC), em seu trabalho De Artibus ac Disciplinis Liberalium Litterarum, não só segue Martiano na limitação das artes a sete, mas encontra uma sugestão mística de sua excelência no texto: “A sabedoria a construiu casa; ela cortou seus sete pilares ”(Pro. ix. 1). As artes liberais tornaram-se assim os sete suportes de Sapientia, a filosofia espiritual superior. Do trabalho de Cassiodorus, destaca-se Institutiones divinarum et saecularium litterarum, que, além de tratar de problemas de teologia, incluía no livro II, De artibus ac disciplinis liberalium litterarum, um compêndio das sete artes liberais que se tornou um verdadeiro manual nos mosteiros na Europa. Esta obra, ao lado de um manual de ortografia latina e do tratado De anima (sobre a alma) inspirado em santo Agostinho, exerceu profunda influência sobre a educação na Idade Média. A literatura latina floresceu com ele e Boécio, que serviram de ponte entre a cultura clássica e os primórdios da Idade Média.

[The first section of the Institutiones deals with Christian texts, and was intended to be used in combination with the Expositio Psalmorum. The order of subjects in the second book of the Institutiones reflected what would become the Trivium and Quadrivium of medieval liberal arts: grammar, rhetoric, dialectic, arithmetic, music, geometry, and astronomy. While he encouraged study of secular subjects, Cassiodorus clearly considered them useful primarily as aids to the study of divinity, much in the same manner as St. Augustine
Cassiodorus' Institutiones thus attempted to provide what Cassiodorus saw as a well-rounded education necessary for a learned Christian, all in uno corpore, as Cassiodorus put it.(Wikipedia)]

Isidoro de Sevilha (Isidorus Hispalensis 560 dC e falecido em 636 DC) copia depois de Cassiodoro e reconhece expressamente as artes como sendo em número de sete.

Isidorus de Sevilha ou Isidorus Hispalensis (560 - 636 dC)

Alcuin (735-804 d.C.), no prefácio de sua Grammatica, pressiona a interpretação do texto sugerido por Cassiodorus e encontra as artes liberais nas Escrituras como uma questão de interpretação direta. 

Alcuinus de York (735 –  804 AD)

Alcuíno de Iork (Alcuinus) foi um monge da Nortúmbria atual (Grã-Bretanha) em 735 e estudou na escola da Catedral de Iorque. Lecionou posteriormente nessa mesma instituição durante quinze anos e ali criou uma das melhores bibliotecas da Europa, tendo transformado a Escola em um dos maiores centros do saber. Foi também ordenado diácono. A curiosidade intelectual de Alcuin permitiu que ele fosse relutantemente persuadido a ingressar na corte de Carlos Magno. Juntou-se a um ilustre grupo de estudiosos que Carlos Magno havia reunido ao seu redor, as principais fontes do Renascimento Carolíngia: Pedro de Pisa, Paulino de Aquileia, Rado e Abade Fulrad. Alcuin escreveria mais tarde: "o Senhor estava me chamando para o serviço do rei Carlos".

A pedido por próprio imperador, Alcuinus tornou-se mestre da Escola do Palácio (Schola Palatina) de Carlos Magno em Aachen (Urbs Regale) em 782. Foi fundada pelos ancestrais do rei como um local para a educação dos filhos da realeza (principalmente nas maneiras e nos modos da corte). Carlos Magno, no entanto, queria incluir as artes liberais e, mais importante, o estudo da religião. De 782 a 790, Alcuinus ensinou o próprio Carlos Magno, seus filhos: Pepino e Louis, bem como jovens enviados para serem educados na corte e os jovens clérigos ligados à capela do palácio. Trazendo consigo de York seus assistentes Pyttel, Sigewulf e Joseph. 
Alcuinus revolucionou os padrões educacionais da “Palace School”, apresentando Carlos Magno às artes liberais e criando uma atmosfera personalizada de bolsa de estudos e aprendizado, na medida em que a instituição passou a ser conhecida como a “escola do mestre Albinus”.

No inverno 780, foi enviado a Roma pelo arcebispo Eambaldo de York, para receber das mãos do Papa o pálio, uma sobrepeliz de lã, com uma cruz bordada e que era o símbolo dessas altas funções. Em março de 781, cruzou-se com o beato Carlos Magno em Parma, e foi convidado pelo monarca para o ajudar a instruir e reformar a corte e o clero do seu reino. Entre outros empreendimentos, fundou o Palácio-escola (Aula Palatina) da Catedral de Aquisgrão, no qual eram ensinadas as sete artes liberais: o trívio (gramática, lógica e retórica) e o quadrívio (aritmética, geometria, astronomia e música). Contribuiu bastante para a Renascença carolíngia. Além de ter sido conselheiro do imperador.

É atribuída a ele a versão mais antiga do problema do fazendeiro, o lobo, a cabra e o repolho (problema 18):
Um homem, um lobo, uma cabra e um repolho tem que atravessar um rio em um pequeno barco. No barco, o homem só pode levar ou o lobo, ou a cabra, ou o repolho, e ele não pode deixar, de um lado do rio, o lobo sozinho com a cabra, nem a cabra sozinha com o repolho. Como fazer esta travessia? O problema está no livro Propositiones ad acuendos juvenes,  Proiposições para Instruir os Jovens.

Rabanus Maurus (780 - 856 AD) 


Poemas de Rabanus Maurus 


Rabanus Maurus

Poema de Rabanus Maurus

O aluno de Alcuin, Rabanus Maurus, em seu livro De Clericorum Institutione (iii. 27), escrito no ano 819, após uma descrição completa de cada uma das sete artes, chama-as septem artes liberales, aparentemente a primeira instância na história do uso deste termo para esse corpo de conhecimento. Os septem artes liberales são assim, as antigas artes liberais cristianizados, e até o final da Idade Média eles continuaram sendo a substância da instrução escolar, não sendo perturbados até o Renascimento.

A gramática, a retórica e a dialética, que compunham o trivium, também foram denominadas “artes”, em contraste com as quatro "disciplinas" que compunham o quadrivium. 

O termo artes sermocinales, ou artes pertencentes à expressão, é outro nome para o trivium, e artes reales, ou ciências substânciais, outro nome para o quadrivium. 

Ainda outro nome para o quadrivium é “matemática”. Além disso, na medida em que as sete artes culminavam no estudo superior da filosofia, fica claro que o mundo antigo e o mundo medieval não apenas consideravam a distinção entre estudos literários, por um lado, e ciências, por outro, assim como a noção de que ambos encontram seu objetivo e conclusão nos estudos filosóficos, mas que, ao fazê-lo, também estabeleceram as linhas sobre as quais o ensino universitário europeu deveria ser modelado posteriormente.



AS SETE ARTES LIBERAIS

AS SETE ARTES LIBERAIS 

GRAMÁTICA

RETÓRICA

DIALÉTICA

ARITIMÉTICA
O TRIVIUM O ENCONTRO DOS TRÊS CAMINHOS
AS TRÊS VIAS  


QUADRIVIUM 
O ENCONTRO DOS QUATRO CAMINHOS
QUATRO VIAS 

GEOMETRIA 





















ALCHEMY




Rebis retirado da Theoria Philosophiae Hermeticae (1617) de Heinrich Nollius

“O Rebis (do latim res + bina, que significa matéria dupla ou dupla matéria) é o produto final do magnum opus alquímico ou da grande obra. Depois de passar pelos estágios de putrefação e purificação, separando qualidades opostas, essas qualidades se unem mais uma vez no que às vezes é descrito como o hermafrodita divino, uma reconciliação de espírito e matéria, um ser de qualidades masculinas e femininas, conforme indicado pela a cabeça masculina e feminina dentro de um único corpo. O sol e a lua correspondem às metades masculina e feminina, assim como o rei vermelho e a rainha branca estão igualmente associados. 
A imagem de Rebis apareceu na obra Azoth of the Philosophers, de Basil Valentine, em 1613.” 

A origem da palavra Rebis na verdade vem do sânscrito "Ribhus".
“Os Ribhus foram os seres místicos creditados como os primeiros a modelar o vaso sagrado pelo qual o Rei dos Deuses, Indra, bebeu o elixir místico chamado amrita ou “soma”, que proporcionava iluminação e saúde. 
Soma é mencionado no Rig Veda, que onde é afirmado que este é o alimento dos deuses.” Os Ribhus / Rebis, então, são os trabalhadores místicos que formaram o Santo Graal. A tradição boca a boca ao longo do tempo transformou Ribhus em Rebis. Algo semelhante aconteceu com a palavra mágica "abracadabra", proveniente de duas palavras sânscritas, "Abhraka" significa "pedra" e "Dabhra" significa "uma pequena quantidade" (de onde obtemos a palavra em inglês "dab"). Assim, "Abhraka Dabhra" significa literalmente "uma pequena quantidade da pedra", aludindo à pedra do filósofo alquímico, ou a pedra filosofal.









Bibliografia 


https://en.wikipedia.org/wiki/Boethius

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8143/tde-23082007-125251/publico/TESE_MARIA_LUCILIA_RUY.pdf

http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus:text:1999.04.0062:id=liberales-artes-harpers

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/Hortus_Deliciarum%2C_Die_Philosophie_mit_den_sieben_freien_K%C3%BCnsten.JPG

https://en.wikipedia.org/wiki/Alcuin

https://en.wikipedia.org/wiki/Cassiodorus

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cassiodoro

https://pt.wikipedia.org/wiki/Isidoro_de_Sevilha

https://brasilescola.uol.com.br/biografia/flavio-magno-aurelio.htm

https://en.wikipedia.org/wiki/Rabanus_Maurus

https://en.wikipedia.org/wiki/Isidore_of_Seville

http://www.forumromanum.org/literature/ausonius_epigrammata.html


Postado em 01/VIII/2020, revisado 6/VIII/2023.


30 julho 2020

A CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL, GENOCIDAS E CORONA VÍRUS


UNIÃO DE FRAQUEZAS FAZ SURGIR UM GOVERNO DE EXTREMA DIREITA 


https://youtu.be/AFzj_TOod68


As formas dos capitalismo
Um ou dois dias antes do relatório da OXFAN,a imprensa noticiou que, um empresário  estadunidense declarou que foi isso mesmo, ele deu golpe mesmo, (no caso auxiliou no golpe da Bolívia) , porque ele quer pegar o lítio do subsolo da Bolívia. E pasmem, o lucro desse empresário só na crise da pandemia do coronavírus foi maior do que o PIB da Bolívia. Ora, Ora, é o capital cada vez mais se concentrando nas mão de poucos. E não é por vontade das próprias pessoas que o capital se concentra, é pelo fato de que os negócios só se tornam possíveis quando alguns poucos detiverem a maior parte do capital.  

Essa organização social capitalista, extremamente competitiva entre si, leva a nossa realidade atual. Gestores colocados no poder pelo voto popular, legislam em prol do capital e não de quem cedeu, através do voto,  poder, para ter voz nas casas parlamentares. Ao final e ao cabo, o povo fica sem voz e o capital em fase final de acumulação acaba cooptando tudo. E assim acabamos chegando a um regime coercitivo, pois nada pode barrar a concentração do capital.

Gostaria de ilustrar esse meu ponto de vista usando exemplos do nosso cotidiano. Usarei para isso exemplos da arte e da realidade para ilustrar essa argumentação.
 

Percebe-se isso em filmes e na própria realidade. Meu primeiro exemplos vem da arte. Como primeiro exemplo trago o filme: "Eu Daniel Blake" um filme dirigido por Ken Loach, de 2016,  no qual o protagonista, Daniel Blake (Dave Johns), após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho, inicia sua  busca dos benefícios a que tem direito, concedidos pelo governo a todos que estão nesta situação. Entretanto, ele esbarra na extrema burocracia estatal, instalada pelos próprios representantes, quem recebeu a chancela do voto popular para estar lá e defender o povo. Sua, por assim dizer desgraça, é maximizada pelo fato dele ser um analfabeto digital, como aliás quase todos nós, pois não sabemos como funcionam os meandros do governo, os caminhos para chegar a um beneficio, um direito, assegurado pela lei. Ora, chamo atenção aqui "para nossa ingenuidade" de pensar que o direito nos salvará ou salvará o povo, os trabalhadores, da "vontade do capital".  
Pois é o capital o sujeito no capitalismo e não nós, meros seres humanos, peões, que podem ser usados e descartados quando o mecanismo do capital não mais necessitar de nós. 

Outro exemplo, para ficar no campo da arte, é o filme de ficção intitulado Elysum, do diretor Neill Blomkamp; a historia se passa no ano de 2154. Nesta época, já ocorreu a concentração máxima do capital, e a população humana vive em Elysium, que é um cilindo de O'Neill, uma especie de estação espacial, no qual é recriada um habitar artificial, semelhante a um paraíso terrestre, disponível apenas para os mais ricos do planeta. Neste lugar não existe sofrimento ou doenças, pois toda doença ou ferimento são curados instantaneamente, bastando entrar numa máquina médica chamada "Med-Bay". O resto da população ainda está na Terra, um planeta superpopuloso, pós-capitalista, pós-apocalíptico decadente, governada por milícias auxiliados por robôs que patrulham todos os espaços e enxergam tudo e, desta forma, "mantem a ordem" segundo leis ditadas pelos ricos de Elysium, que ainda continuam explorando o planeta.
 



Outro exemplo que ofereço é de uma realidade que surgiu há pouco no mundo e em nossas vidas: os trabalhadores de aplicativos. Um capitalista, bilionário, num centro do primeiro mundo recebe mensalmente milhões de  dólares oferecendo um serviço cujo trabalho é executado por outro ser humano em qualquer parte do mundo. Esse trabalhador, não tem patrão, não seguro saúde, não tem aposentadoria, não tem salário, em síntese ele trabalha para sobreviver. Esses trabalhadores estão submetidos pelo capital, via contrato jurídico. É uma atividade correlata à escravidão, só que sem o senhor de escravo nem capitão do mato, para arrebanhar os dissidentes do trabalho. Esses entregadores de aplicativos como iFood, Rappi, Glovo e Uber Eats passam o dia rodando a cidade para ganhar menos de R$ 50,00 segundo relatos postados em grupo da categoria nas redes sociais. Nos dias bons, os ganhos podem passar de R$ 100,00.

Esses exemplos lapidares nos mostram que essas pessoas, poderíamos dizer estão num mundo paralelo, nem podemos dizer que estão no modo de vida feudal nem mesmo no escravismo, nem num meio termo fordista. Estariam num esquizo-fordista (fordismo dividido entre os donos ou acionistas do app e o produtor de bem de consumo e o entregador), onde o criador ou acionista de um app como o uber, rappi, ifood, etc criaram e desenvolveram um aplicativo e permitem o seu uso mediante pagamento; (somente para se ter uma ideia a Uber lucrou U$ 50 bilhões em 2018. Pergunta: quais dos motoristas da Uber ou Cabify ficou milionário? Nenhum. E o Brasil já é o segundo maior mercado da Uber no mundo, com um lucro anual de R$ 3,76 bilhões. 

Essas pessoas, no caso dos trabalhadores de aplicativos, estão propensos a acreditar no pastor, num líder oportunista que diz que vai varrer a corrupção, vai escorraçar e matar comunistas, pois estes ameaçam o lucro, a liberdade e família tradicional. Esses trabalhadores, são boas pessoas, mas estão alijadas do processo de evolução do pensamento e dos comportamentos. Isto porque ou não tem formação para alcançar as mudanças culturais que ocorreram na sociedade nas duas ultimas décadas ou por falta de estudo formal mesmo (por não terem feito uma faculdade etc). 
Esse líder do baixo clero, então, vai unir essas fraquezas para chegar ao poder. Não por amor aos desvalidos ou consciência de classe. Mas para unir o capital desses grupos (capital politico e econômico). 

O mundo atual é pródigo em exemplos. Ao norte temos um clássico, "alt-right" que celeremente se move para criar uma distração, um inimigo imaginário, um estratagema para enganar a população, o trabalhador, que cai como uma presa na armadilha do canto da sereia do capital. Um conflito está sendo gestado para arrebatar as mentes, e arrebanhar indivíduos ao seu mantra "America first" dizendo assim: quem melhor do que eu para livrar a todos desse inimigo que querem impedir nossos ganhos, nosso modo de vida, roubar nossas ideias? 
Mais ao sul, outros que criaram e usam o inimigo número um dos conservadores cristofascistas  (Dorothee Steffensky-Sölle 1929-2003), para, com uma agenda comportamental arrebanhar apoiadores para essa cruzada com Deus pela família. E é triste constatar que isso só é possivel devido aos estágios primitivos de pensamento politico em que se encontram  grande parte dos trabalhadores. 
Ora, apenas por meio da forma extrema do capital e via subjetividade jurídica, se pode chegar ao ápice dessa forma cristofascista. Porém, não sem danos a todas as instituições que estão coladas a esta forma politica de gestão. 

29 julho 2020

SEMINÁRIO: CRÍTICA DO DIREITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA


CRÍTICA DO DIREITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA 
 

"O marxismo constrói a mais radical apreensão das raízes materiais do direito: a forma jurídica é derivada da forma mercantil, de tal sorte que é mediante mecanismos de equivalência entre sujeitos, vinculados pela vontade dita livre e igual, que opera a exploração capitalista."

Prof. Dr. Alysson Leandro Mascaro, USP 

Alysson Leandro Barbate Mascaro. É docente de graduação e do programa de pós-graduação lato sensu da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco/USP) e da Universidade de Santa Cecília (UNISANTA/ Santos). Livre-Docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Advogado. Professor Emérito e implantador de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito em várias instituições no Brasil.



Prof. Alysson Leandro Mascaro: Abertura do seminário: “O fascismo e a subjetividade jurídica”

A minha conferência, na noite de hoje, hoje diz respeito ao tema geral que organiza este ano de reflexão do meu grupo de pesquisa e que organiza esse seminário que agora se inicia. 

Pensar a subjetividade jurídica e em relação a ela o tema do fascismo. 
Minhas senhoras e meus senhores, a subjetividade jurídica é talvez um dos corações, um dos pontos centrais daquela que é a tradição critica marxista no que tange a filosofia e a filosofia do direito. Este tema é pouco trabalhado, em geral, por juristas e por pensadores e pensadoras e até mesmo pelo próprio marxismo. Poucas vezes na história do marxismo nós tivemos filósofos e teóricos se ocupando do tema do direito; daqui a pouco eu chamarei de subjetividade jurídica, isto porque, se imagina muito rapidamente ou que o direito não tem importância nenhuma ou então que o direito seja simplesmente um instrumento a disposição, neutro, técnico, e então quando se fizer uma transformação social o direito garantirá, enquanto ferramenta neutra, esta mesma transformação social. Todas estas leituras estão erradas, o direito não é desimportante ao capitalismo, pelo contrário, é exatamente o plexo, é exatamente o ponto nodal a partir do qual o capitalismo se estrutura. 

E, essencialmente isto se dá no nível da produção. O trabalho assalariado é um trabalho que é vendido, e portanto, quem vende sua força de trabalho e quem compra força de trabalho alheia, ambos, são sujeitos fazendo contratos, ambos estão aqui num vinculo que é jurídico, portanto, as suas subjetividades se relacionam uma com a outra, não só mediante a força bruta. Não é como o escravismo, nem como o feudalismo, modos de produção, nos quais eventualmente a força de alguém junge outra pessoa, subordina outra pessoa, a fim de que esta venha a trabalhar para ela, simplesmente por conta desta coerção física. No capitalismo a coerção se faz mediante contrato, então é um dispositivo aqui do direito, um dispositivo contratual. O direito é fundamental para a reprodução do capital. 

Marx já havia percebido isto em “O Capital”, a sua obra máxima. Marx, percebe por lá, na grande iniciada do seu trajeto, no grande início da sua caminhada. 
Logo no capitulo 2, Marx percebe (por lá) que as mercadorias que são o átomo da sociabilidade capitalista, estas mercadorias não vão por si só se trocarem no mercado, quem as troca são os portadores das mercadorias, os sujeitos. Então, nesta sociedade capitalista, importa fundamentalmente conhecer como os sujeitos trocam, como o trabalhador e a trabalhadora troca, como esse trabalhador e esta trabalhadora, (troca) força de trabalho por salário. 
Marx percebe isto de modo fundamental e decisivo logo em “O Capital”. Logo nas primeiras páginas do Capital isto já está exposto.
 
Engels volta a reiterar como o direito é central ao capitalismo também em um pequeno livro que se chama “O Socialismo Jurídico” que ele escreveu junto com Kautsky, ainda na juventude de Karl Kautsky quando (este) era ainda engajado nas lutas revolucionárias e só depois se torna o renegado Kautsky. 
(Mas) Esse texto de Engels é central para dizer que o direito é uma forma das relações capitalistas. 
Isto no entanto fica patente, isto vai se elevar ao máximo da reflexão com a obra de Evguiéni B. Pachukanis, este livro central para o conhecimento jurídico político do nosso tempo que é “Teoria Geral do Direito e Marxismo” publicado numa tradução direta do russo pela Ed. Boitempo. 
Esta obra é uma obra central porque Pachukanis percebe que o ponto que é o coração da relação capitalista não é a norma jurídica que vem a dizer assim: é de um não é do outro, só pode fazer contrato de um jeito e não de outro. O coração da própria relação social capitalista é o que Pachukanis chama de subjetividade jurídica. Pessoas quando estão em relação de exploração, uma explorando outra, quando estão em relação contratual de compra e venda, portanto na produção, na circulação também, essas pessoas tomam forma de subjetividade jurídica. Então, elas se equivalem, elas se equiparam formalmente uma a outra, e então, o capitalista riquíssimo, e o trabalhador paupérrimo, ambos são tidos como iguais e ambos fazem o mesmo procedimento de subjetividade jurídica. Este aceita os termos deste, e este aceita os termos deste. Claro, este aqui é o trabalhador, aceita se subordinar ao outro; este é o capitalista, aceita que o outro se subordine a ele em troca de salário. 
As pessoas não são mais submetidas às outras por causa da força. Claro, a força ainda continua subjacente, mas no central, as pessoas se submetem umas às outras pelo direito. Então, esta tradição quem vem de Pachukanis, que vem de Marx, passa por uma longa trajetória, um longo trajeto de pensadores no mundo e no Brasil; eu lembro de Umberto Cerroni na Italia, este enorme filósofo do direito marxista, Márcio Bilharinho Naves no Brasil, cuja obra “Marxismo e Direito um estudo sobre Pachukainis”, também publicada pela editora Boitempo, é o marco de entrada das ideias pachukanianas, aqui no território nacional, tantos outros e outras que desenvolvem esta reflexão para entender que o sujeito no pré-capitalismo, ou seja, no escravismo e no feudalismo, era o sujeito submetido a outro, e no capitalismo é um sujeito submetido a outro, só que é um sujeito pelo direito. 
Ele é assujeitado pelo próprio direito. No meu livro “Introdução ao Estudo do Direito” que o Lucas Balconi, falou sobre ele agora a pouco (30:04) nesta introdução que fez à minha conferência; eu escrevo por lá, que os juristas chamam em geral o sujeito, aquele que está submetido pelo direito. Os juristas usam uma expressão para falar a respeito dele que é: “sujeito de direito”, e isto faz aqui uma espécie de problema ideológico porque então, a pessoa imagina que ela é um sujeito de direito, que ela tem direitos. Melhor seria, eu falo isso lá no livro “Introdução ao estudo do direito”, se nós chamássemos a esta pessoa, submetida a outra, sujeito pelo direito. Porque é pelo direito que alguém tem o capital e o resto não tem. Chama-se propriedade privada isto, e é pelo direito que aquelas e aqueles, que não detém o capital vendem força de trabalho aos capitalistas. 

Então, senhoras e senhores, a subjetividade jurídica é um ponto central para o pensamento crítico da sociedade. Eu chamo atenção de todas e todos, este coração muitas vezes passou esquecido, até pela trajetória do marxismo e agora falarei com muita tristeza algo ainda pior, até eventualmente no campo progressista, de esquerda, e muitas vezes também marxista, nós não tivemos a capacidade de entender qual era a natureza do direito, e então, aquilo que era o mal se imaginou neste século e meio, de história de lutas socialistas, se imaginou que aquilo que era o mal também fosse a cura. E muitas vezes, no Brasil e no mundo, as esquerdas desejaram, clamaram pelo respeito ao direito, pelo respeito as instituições, como forma de garantir o progresso, quem sabe até mesmo da chegada ao socialismo. E o direito legitimou golpes, e o direito legitimou uma ordem de exploração, não só legitimou, ele constituiu e constitui esta ordem de exploração. 

Então, senhoras e senhores, é central, é fundamental, que se faça a crítica do direito do mesmo modo que se deve fazer também a crítica do próprio estado.
E, eu lembro aqui desta minha reflexão do livro “Estado e forma política” para avançarmos com a ideia de que o estado não é o território neutro a disposição tanto do capital quanto das classes trabalhadoras; quem ganhar então, escreve o que quer. 

O estado é a forma política do capital. Isto dói na compreensão do senso comum, isto incomoda. Uma leitura que muitas vezes é até progressista, mas que defende apenas mais direitos, políticas públicas, políticas do estado, para garantir o remendo de um problema; o aumento de condições a um grupo, a um movimento, mesmo a uma classe, e então, muitas vezes essas pessoas não percebem a contradição e o limite que é tentar operar (o) que não é neutro, é um maquinário criado e constituído pelo capital e para o capital. 

Senhoras e senhores, esse quadro geral me anima. Em todos estes anos, seja nas orientações dos meus alunos, na Universidade de São Paulo, seja nas pesquisas que desenvolvo junto deste meu grupo de pesquisa, seja nos livros e nas reflexões que as senhoras e os senhores encontram por aí nas minhas obras. Mas também neste caminhar, neste projeto, de buscar esclarecer a sociedade sobre seu trajeto; o labirinto no qual se encontra, e as possibilidades de luta para a transformação social. 

Pois bem, eu quero aplicar todo este trajeto de pensamento, naquilo que foi o objeto específico de minha análise no ano que se passou, (até este ano de agora), no grupo de pesquisa que desenvolvo na USP, que é o tema do fascismo. 
Como ler o fascismo a partir da crítica do direito, a partir da crítica do estado e da subjetividade jurídica. Como estabelecer, portanto, este caminho de construção de um modelo de crítica estrutural fundamental ao capitalismo; porque é o capitalismo o problema. 

Como pensar o capitalismo a partir da chave do direito, a partir da chave do estado, tendo em vista um fenômeno histórico que foi o fascismo. 

Meus presados e presadas, eu quero aqui de pronto lembrar, que o fascismo é um movimento histórico, e nós podemos trabalhar com ele a partir de duas chaves, dois modelos de leitura. 

A primeira das chaves é tentar diluir um fenômeno, que foi histórico, numa certa dinâmica e numa certa margem sempre possível de reiteração e de nova constituição em qualquer tempo histórico. Estou dizendo com isto, é que existe uma leitura que se deve fazer, é fundamental, de buscar compreender como o fascismo surgiu, e da mesma maneira, como ele pode voltar a surgir. Isto, para nosso tempo talvez seja uma dinâmica muito importante e há pessoas efetivamente que tentaram depois dos tempos fascistas, dizer que a sociedade capitalista voltava novamente a estes mesmos tempos. 

Outra leitura, que não é esta de buscar diluir um fenômeno histórico da primeira metade do séc. XX, em qualquer outro fenômeno ainda que parecido. Outra leitura em chave oposta, é aquela de identificar historicamente, qual foi a movimentação social fascista, como ela se deu em sociedade especificas, Itália e Alemanha, fundamentalmente, portanto, o fascismo strictu senso, italiano que é a raiz, inclusive histórica e cronológica destes movimentos e eventualmente a sua exponenciação mais racial que foi o nazismo alemão. Tentar entender como se deram esses movimentos do fascismo e do nazismo, isso que se chama de nazifascismo, ou de fascismo lato senso, dos tempos fascistas do início do século XX. 
A tentativa de compreender este tempo histórico, é fundamental porque então, a partir de uma percepção profunda, analítica, concreta, material, de como se deu o tempo passado, nós então temos condições de entender se o tempo presente tem características similares, parcialmente similares, opostas, divergentes daquele que foi o tempo do fascismo histórico. Esse movimento que basicamente, volto a dizer aqui, foi italiano e alemão embora não tenha se limitado a esses dois países, dado que inclusive a Áustria foi dominada diretamente pela Alemanha e tantos outros povos e países da Europa. A Itália, inclusive numa campanha de domínio chegou a própria Etiópia, a África, mas também a Europa, e depois se estendeu pela Ásia, Japão, e se deu aqui num processo de um certo espargimento mundial. Houve nazismo ou movimentações nazistas no próprio Estados Unidos e também no Brasil, na Argentina e tantos outros países. Mas este é um tempo histórico. Entender como se deu esse tempo histórico, nos ilumina, então, para saber se os tempos presentes do mundo podem ser chamados, como foram aqueles tempos passados de fascismo, ou se então, tem características próprias. 

Pois bem, não me ocuparei aqui, nesta minha conferência, desta comparação com o tempo presente, eu darei algumas chaves filosóficas explicativas, mas no central quero aqui expor, a todos e todas, como se deram as mais sofisticadas leituras do marxismo no que tange ao fascismo historicamente estabelecido. Lembrando aqui, senhoras e senhores, que muito brevemente, muito rapidamente, com a primeira fumaça do surgimento do fascismo italiano e alemão nós já tivemos leituras marxistas extremamente sofisticadas para buscar compreender, porque surgiam tais movimentações. 
Quais as causas desses movimentos. E aqui eu quero expor às queridas e queridos, que me acompanham nesta reflexão, no Brasil e no exterior, eu quero propor algumas teses centrais na minha análise, da minha reflexão sobre este movimento. 
Em primeiro lugar as teses mais frequentes do campo progressista, do campo de esquerda e eventualmente até mesmo do campo do marxismo, são as teses que não alcançam profundamente a compreensão da natureza do fascismo e do nazismo. E por causa de uma certa leitura vaga, indeterminada que não vai a fundo nas causas materiais, nas formas sociais do capitalismo, estas leituras acabam sendo as leituras mais frequentes e mais tradicionais pelos campos da esquerda. Tanto assim, que toda vez que fenômenos que possam até parecer fascistas e nazistas, toda vez que esses fenômenos voltam, nós não temos aparato intelectual suficiente para compreender as causas destes fenômenos novos, porque lá no fenômeno original nós também não tivemos as melhores ferramentas para a compreensão destas perspectivas. 

A primeira destas leituras errôneas, eu quero aqui poder expor a todas e todos, na esperança, inclusive, de que se corrijam caso tenham esta leitura e que ajudem a corrigir os demais e as demais, caso ainda persistam nesta visão. 
A primeira leitura é fundamentalmente uma leitura até pré contemporânea, nos termos filosóficos, para buscar compreender um problema que é contemporâneo. O nazismo e o fascismo são fenômenos do século XX, são fenômenos contemporâneos do capitalismo. Mas existe uma chave de leitura teórica e filosófica que é pré-contemporânea, e é velha de muitos milênios e que até hoje é chave explicativa de muita gente, que é a leitura dita moralista. 
Esta leitura que é tipicamente da direita, mas que também se vê apenas com o sinal trocado em alguns campos no que se chama de esquerda; e esta leitura moralista diz assim: Hitler era mau, Mussolini também era mau, seu séquito, aqueles que estiveram próximos tanto de um quanto do outro, este séquito era mau também, encontrou pessoas malvadas na sociedade e a junção dos malvados e das malvadas gerou o fascismo, gerou o nazismo. Esta leitura é moralista. Até hoje ela persiste. Tanto assim, que nos dias presentes nós encontramos muitos e muitas que dizem assim: eu sou um cidadão de bem, pessoas de bem tem que tomar partido em favor da pátria ou qualquer coisa que seja a narrativa, da religião, da família, dos bons costumes. Então, observem, a noção de que há pessoas de bem, representa na sua contrafação, que há pessoas de mal, portanto bem e mal, são categorias valorativas, morais. Até o campo da esquerda bebe desta leitura pré contemporânea. Porque diz assim, apenas troca o sinal, essa gente que se reputa de bem, no final das contas, está matando os outros, está sendo indiferente ao sofrimento alheio, então, bem é o mal e o mal é o bem; mas observem, a chave categorial bem e mal é uma chave de uma filosofia pré contemporânea moralista, e, até hoje é utilizada por pessoas progressistas. E não nos serve de compreensão do que é o fascismo. Não nos serve de chave analítica para tal questão. 

A segunda das chaves, agora eu chamo atenção, já com esta eu trabalho com o tema da subjetividade jurídica, porque trago aqui nesta minha reflexão, o tema do direito já coordenado com o tema do fascismo. Na segunda leitura e aquela que, sobre a qual eu digo no meu livro “Filosofia do Direito” é a leitura Jus positivista, liberal, essa leitura diz assim: existe o estado, existem as normas, o estado é neutro, as normas são neutras, o estado será péssimo quando maus governantes tomarem o poder do estado e fizerem então normas jurídicas ruins. O estado será ótimo quando, eventualmente, as melhores mobilizações sociais, as classes progressistas, os movimentos progressistas, tomarem o estado, fizerem boas políticas públicas, constituírem boas normas jurídicas e então, nós teremos progresso social, porque teremos progresso jurídico. 
Essa leitura, digo lá no meu livro, “Filosofia do Direito”, é a leitura jus positivista. Agora, chamarei atenção de todas e todos, frequentemente no campo que se chama progressista, esqueçam o marxismo, o marxismo via de regra não partilha desta leitura, embora eventualmente algumas pessoas desavisadamente se creiam marxistas partilhando desta leitura; mas aí é um problema de compreensão. Mas, via de regra existem leituras ditas progressistas, ditas de centro esquerda ou até de esquerda, que imaginam assim: o nazismo surgiu por conta de um problema jurídico, e qual era o problema jurídico? O direito não limitou em tempo a ascensão do nazismo ao poder, então, os nazistas mataram, faziam arruaça, ameaçavam os outros, batiam nos outros, perseguiam os outros; tudo isto era crime tipificado no código penal alemão. Como o direito não barrou isto, então o fascismo se levantou. Qual é a resposta que esta mesma leitura dá, dado o problema, constatando o problema por uma via jus positivista? A resposta é muito simples, dizem então estes e estas leituras de esquerda institucionalista, jus positivistas, liberal; Eles e elas dizem assim: então, agora da próxima vez, o direito não pode falhar, porque ele falou uma vez, não pode falhar pela segunda vez. Ou seja, esta leitura aposta novamente, naquela que é a visão jurídica; ela continua insistindo com o fato de que é o direito que salvará a sociedade. 

Como isto se revela em tempos históricos os mais variados. A corte suprema do pais não permitirá que o nazismo chegue, na Alemanha o nazismo chegou. 
A corte suprema da Itália é esclarecida, a Itália sempre teve brilhantes juristas, ela não permitirá a ascensão do fascismo, permitiu, louvou, escreveu livros a respeito, inclusive, muitos desses juristas do próprio fascismo, quando cai o fascismo na Itália, juristas, vários deles vem para o Brasil, dar aulas no Brasil, para fazerem tratados aqui no Brasil. 
E não só do fascismo italiano nem só do nazismo alemão. Eu lembro inclusive de certas facetas menos frequentes, mas também tão drásticas, (como) aquelas italianas e alemãs. Eu lembro por exemplo, de Portugal, do seu fascismo salazarista. Sucedeu a Antonio de Oliveira Salazar, como ditador de Portugal, Marcelo Caitano, que era jurista. E quando a revolução dos cravos derrubou o governo de Marcelo Caitano, Marcelo Caitano então, tendo que se exilar, ele foi o sucessor desse grande fascista português que era Salazar, tendo que se exilar, veio se exilar no Brasil e deu aulas em faculdades de direito brasileiras. E isso na década de 1970, final dela, e na década de 1980. 

Então, (para dizer) essa leitura jus positivista de qualquer modo que seja, ela é muito frequente. Ela diz assim, é o direito que barra o fascismo. Esta leitura é muito reiterada, e senhoras e senhores, todo o meu trajeto, toda minha construção intelectual é para exatamente mostrar a contradição, os problemas, aquela base mal assentada e que não consegue chegar à raiz material do problema que é esta que diz que o direito é a salvação da própria sociabilidade. 

Não é o direito que salva do fascismo. O direito constitui o fascismo. O direito é uma das formas sociais que leva ao fascismo. E de que modo isso? A força determinante da sociedade é a força do capital, é a forma mercadoria que se desdobra e forma valor, esse núcleo contido que engendra a acumulação é tudo isso que organiza a sociedade capitalista. 

A forma do estado e a forma do direito são derivadas da forma mercadoria. Então, não pode a forma jurídica ser contraria àquela que é a sua forma raiz. 
Sua forma raiz é a forma do capital, o direito é forma do capital; então não pode o direito ser contra o interesse da acumulação e do capital. O direito chancela, o direito constitui, o direito organiza o próprio capital. E o fascismo é uma manifestação capitalista, essencialmente capitalista. Fundamentalmente capitalista

Então, começo essa trajetória por dentro da reflexão filosófica já com um notável pensador do marxismo Horkheimer, o pai da escola de Frankfurt, um homem com uma construção intelectual magnífica. 

No início do séc. XX, já Max Horkheimer dizia no momento do próprio nazismo algo central para a reflexão do que vou aqui desenvolver filosoficamente na noite de hoje. Quem não conseguir falar do capitalismo não deve falar do fascismo. Porque o problema não é só o fascismo, como se ele fosse um fenômeno isolado.

Max Horkheimer (14/II/1895 – 7/VII/1973) foi um filósofo e sociólogo alemão, famoso por seu trabalho em teoria crítica como membro da "Escola de Frankfurt" de pesquisa social. Em suas obras, Horkheimer abordou o autoritarismo, o militarismo, a ruptura econômica, a crise ambiental e a pobreza da cultura de massa, usando a filosofia da história como estrutura. Isso se tornou o fundamento da teoria crítica. Seus trabalhos mais importantes incluem Eclipse da razão (1947), Entre filosofia e ciências sociais (1930-1938) e, em colaboração com Theodor Adorno, Dialética do Esclarecimento (1947).(WP)

O fascismo é um fenômeno do capitalismo. Se uma pessoa não tem coragem de falar a palavra capitalismo, dizer que o capitalismo é o problema e o fascismo é só uma das suas variantes, essa pessoa não pode simplesmente chegar e dizer: não quero o fascismo; eu só quero o capitalismo sem o fascismo. (50:55) Horkheimer é um pensador central porque ele efetivamente organiza aqui uma reflexão de associação de capitalismo com o fascismo

Eu já estou aqui enunciando às senhoras e aos senhores, que esta minha reflexão, quero com ela chegar no ponto alto daquela que é a baliza de consideração da relação entre fascismo e capitalismo. 
Não posso dizer que o fascismo surgiu porque o direito faliu. Por que então, em outros momentos o direito não falha? O direito é forma do capital, tanto leva ao fascismo quanto não leva, e a única diferença é quando o capital quer chegar ao fascismo ou quando ele não quer chegar ao fascismo. 

E não é querer, é estratégia de acumulação, é, portanto, estratégia de mais lucro. Se o capital para ter mais lucro, mais valorização do valor, está bem estabelecido, se ele tem mais valorização do valor em um ambiente institucional dito liberal democrático não fascista, ele vai por este caminho. Se isto impede a acumulação ele vai por outro caminho

Então, não é vontade basicamente, é estratégia da reprodução da sociabilidade, estratégia da acumulação. 

Fascismo é um problema do capitalismo. 

Quem percebe isto de modo espetacular, e aqui eu chamo atenção de todos e todas, para a sua reflexão. 

Quando está surgindo na Alemanha, ainda não toma o poder, ainda não é o tempo de tomar o poder, mas quando estava em ascensão o movimento nazista, nós tivemos vários pensadores marxistas que refletiram a respeito desta problemática nazista-fascista e de como resolve-la. 

Clara Zetkin que vai fazer aqui uma reflexão espetacular sobre como combater o fascismo 

Clara Josephine Zetkin, nascida Eißner, (05/VII/1857 - 20/VI/1933) foi professora, jornalista e política marxista alemã. É uma figura histórica do feminismo. Foi uma das fundadores e dirigentes do Socorro Vermelho Internacional, também conhecida pelo seu acrónimo russo MOPR, por (Междунаро́дная организа́ция по́мощи борца́м револю́ции) era uma organização internacional de serviços sociais estabelecida pela Internacional Comunista. A organização foi fundada em 1922 para funcionar como uma "Cruz Vermelha política internacional", fornecendo ajuda material e moral aos prisioneiros políticos radicais da luta de classes em todo o mundo. Teórica marxista alemã, ativista e defensora dos direitos das mulheres. Em 1911, ela organizou o primeiro Dia Internacional da Mulher. (WP

Lembro também, que que na própria União Soviética enquanto organizada já após a revolução de 1917, vem a frente o problema do que fazer com a Alemanha. Apostaram numa revolução alemã, investiram energia para auxiliar os companheiros e companheiras no processo revolucionário ou tentar se resguardar para ter mais força interna na própria União Soviética e depois buscar conter os danos da própria Alemanha nazista. 

Portanto, há toda uma reflexão que naquele tempo evolveu Stalin, envolveu Trotsky. Trotsky tem textos centrais quando do surgimento do nazismo, tempos antes inclusive, mas também Stalin, também Bukharin (Nikolai Ivanovich Bukharin) e outros mais. Há uma serie de pensadores que estavam, aqui já no campo soviético, refletindo sobre esta questão. 

No entanto, presadas e prezados, eu quero lembrar, que talvez o mais importante pensador que viu o nazismo surgir, e no próprio tempo, analisou e conseguiu compreender profundamente o que se passava, eu não estou falando dos que vem depois, com o fenômeno já estabelecido ou acabado, estes também são fundamentais, eu falo deles daqui a pouco, estou dizendo que no tempo que o nazismo ia surgindo, avançava, o pensador marxista mais brilhante a poder compreender as categorias que estavam por detrás deste surgimento do nazismo, foi o alemão Ernst Bloch

Ernst Bloch (8/VII/1885 - 04/VII/1977) foi um dos principais filósofos marxistas alemães do século XX. Escreveu durante sua vida, longos 92 anos, sobre os mais diversos assuntos, mas especialmente sobre utopia, pelo qual hoje é conhecido. Alfredo Bosi escreveu: "Na hipótese do grande pensador hegeliano e marxista Ernst Bloch, é a antecipação que produz, em qualquer tempo, a estrutura simbólica da utopia." (WP).

Eu tive a alegria de fazer a primeira tese de livre docência do mundo sobre Bloch e o direito, é um livro meu que se chama “Utopia e Direito” e no meu livro “Filosofia do Direito” eu falo também, sobre Ernst Bloch. 

Bloch tem uma obra para discutir o problema do direito no capitalismo, as questões dos desejos, das utopias, das mobilizações das massas e o problema do porquê foi o nazismo que mobilizou as massas pobres alemãs e não foi o comunismo, não foram as lutas de esquerda, ditas de modo geral, socialistas.
 
Bloch tem um texto central escrito na década de 1930, no calor da hora do surgimento do nazismo, que em alemão leva o nome de Erbschaft dieser Zeit (Herança Desta Época), Zürich, 1935. Que traduzido para o português seria Herança deste tempo, herança dessa época. 

O que esta época nos lega de herança, o que ela recebeu de herança do passado, e o que ela deixa para nós de herança. 
Qual é a herança que recebeu a Alemanha para chegar ao nazismo, e o que isto lega para a humanidade, para a cultura, para a Alemanha e para o resto do mundo enquanto sucessão deste movimento. Portanto, essa obra do Bloch é uma obra central, porque ela busca compreender como era possível o surgimento desta sociabilidade nazista.
 
E Bloch chama atenção para um problema central, ele inclusive é conhecido como um dos mais importantes teóricos de todos os tempos para este problema que ele anuncia aqui no Erbschaft dieser Zeit (Herança deste tempo) (56:24). 
Uma obra fundamental e infelizmente até hoje sem tradução para o Português, passados quase cem anos da escrita deste livro, da publicação deste livro em alemão (56:35). 

Bloch tem uma tese central. Bloch imagina que a sociedade alemã, bem como qualquer sociedade capitalista, (ela) tem uma temporalidade em esferas.
Isto é um tema central, (e) eu desenvolvo a explicação dessa temporalidade em esferas, lá no meu livro “Filosofia do Direito” num tópico sobre Ernst Bloch. 

Bloch diz assim: existem alemães que ainda estão no tempo feudal, só que eles já vivem em pleno século XX. Só que a sua cidade perdida, lá no interior da Alemanha, tem relações feudais, o pai dele tinha relações servis, faz muito pouco tempo que ele deixou de ter condicionamento social servil, mas basicamente sua mentalidade é servil, ele é religioso, de um religiosismo primitivo, ele separa o mundo entre o bem e o mal, e fenômenos que estão por detrás (dessa) leitura. 

Pois bem, esta visão de certas pessoas na Alemanha, não é a visão, no entanto, de quem estava por exemplo em Berlin. Berlin na década anterior ao surgimento do nazismo, na década de 1920, Berlin viveu um florescimento cultural, numa libertação inclusive nos termos dos costumes até mesmo eróticos, sexuais, uma libertação extraordinária. E o interior da Alemanha era de uma outra temporalidade, praticamente feudal. 

Diz Bloch: muitas vezes as lutas sociais não compreendiam que setores inteiros da sociedade estavam alijados da dinâmica histórica e o nazismo compreendeu isto. 
O nazismo falava às pessoas mais atrasadas da sociedade, enquanto que o marxismo buscava o proletariado de vanguarda, já organizado em sindicatos e disputava a sociedade dizendo, como é possível que os demais trabalhadores da Alemanha prefiram defender os seus patrões do que defender o sindicato (?), (e) os marxistas não entendiam como é que o pobre alemão era de direita. 

Bloch tem textos notáveis para explicar que há várias contradições ao mesmo tempo no caso alemão. Que, quando nós nos ocupamos apenas de uma das contradições, então, efetivamente nosso quadro social não dá conta, de entender grandes parcelas da população que ainda se mobilizam por temas religiosos, por preconceitos contra os judeus; isso era reiterado na Alemanha cristã, mobilizados pelo cristianismo que então, dava aqui uma certa organização conservadora na antessala do fascismo

E Bloch não se conformava como era possível que as nossas companheiras e companheiros, lutadores de esquerda, não conseguissem compreender que havia múltiplas camadas históricas dentro da população alemã e não adiantava falar apenas às camadas de vanguarda.

Era preciso mobilizar desejos e esperanças; e Bloch é o filosofo da esperança, era preciso mobilizar desejos e esperanças de toda a população, ou pelo menos desta maioria deserdada pelo progresso civilizacional.
 
Digo aqui, às senhoras e aos senhores, que Bloch ainda é um autor central do nosso tempo, inclusive porque é vivo, inclusive porque tem algo de sensibilidade notável para compreender com funcionava aquela gente e aquele povo. Bloch era efetivamente um filosofo do povo, a vida inteira viveu engajado numa luta para dar a esperança do socialismo à toda gente, a toda a população. 

Portanto, eu estabeleço um marco referencial, de uma filosofia que busque compreender o problema marxista do fascismo, da leitura marxista do fascismo; Eu apresento fundamentalmente a leitura de Ernst Bloch, como sendo a primeira e mais central ainda ao tempo dos fatos acontecendo no seu surgimento. 

Bom depois, eu quero tratar aqui com todas e todos, quero explicar a todas e todos algumas chaves que eu proponho teoricamente, sobre como se dá o modelo de compreensão do nazismo e do fascismo, quais suas explicações. 
Algumas que já foram feitas ao tempo em que o nazismo estava no auge, quase para ser derrotado, mas antes da derrota, e outras fundamentalmente que foram desenvolvidas depois, nas décadas de 40, 50, 60, 70, 80, pois bem, aquilo que foi feito depois em termos de compreensão crítica de como surgiu o fascismo e o nazismo. (1 01 25)

A primeira proposição que eu quero aqui fazer é de uma divergência, vejam se me entendem, eu apresentei para as senhora aos senhores, Ernst Bloch, em Herança Deste Tempo, herança desta época, () apresentei Bloch como autor central para dizer que nós avaliávamos mal e mobilizávamos mal a sociedade, porque esperávamos que as pessoas entendessem o que era perda de guerra, o que era exploração da taxa de mais valor e o povão entendia simplesmente que havia um Deus, o cristão estava com Deus e o judeu não estava. 
Este era o pathos, o sentimento popular, e a luta progressista ficava explicando contabilidade e planilha do quanto a Alemanha pagava de dívida externa por conta da primeira guerra mundial. 

Dizia Bloch, deste jeito nós não mobilizávamos as massas, era preciso tocar diretamente as sensibilidades, os corações, e os entendimentos. 

Eu quero agora falar, passado Ernst Bloch, de duas leituras divergentes. Quais são essas duas leituras? 

A primeira delas é a leitura oficial do que se chama de Escola de Frankfurt. Esta leitura oficial, pasmem, ela é também a leitura do que se chama de centro-esquerda ou de liberalismo de esquerda, também é da direita, da centro-direita, da leitura liberal de centro-direita, mas também está até no campo que se poderia chamar de marxista

Esta leitura não foi proposta de início nem por Horkheimer nem por Adorno. Esta leitura foi proposta por Frederik Pollock, um homem eventualmente pouco estudado pela tradição marxista, mas eventualmente o mais central pensador a dar norte, a dar guia para própria história de Frankfurt, dentre outras questões, e agora é o marxismo analisando materialmente como funciona o próprio marxismo. 
Friedrich Pollock (22/V/1894 - 16/XII/1970) foi cientista social e filósofo alemão. Foi um dos fundadores do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt am Main e membro da Escola de Frankfurt da teoria neomarxista. Friedrich Pollock nasceu em Freiburg im Breisgau. Pollock foi educado em finanças de 1911 a 1915. Nessa época, ele conheceu Max Horkheimer, de quem se tornou um amigo de longa data. Ele então estudou economia, sociologia e filosofia em Frankfurt am Main, onde escreveu sua tese sobre a teoria do valor-trabalho de Marx e recebeu seu doutorado em 1923.

Pollock era um economista que cuidava do dinheiro do Instituto para Pesquisas Sociais da Escola de Frankfurt. Portanto, Horkheimer e Adorno e os demais que estavam no entorno da escola de Frankfurt tinham em Pollock o seu financiador. 
E a leitura de Pollock é a leitura que, volto aqui a dizer, talvez seja a matriz de uma certa fração de visão teórica sobre o fascismo, que até se reputa de esquerda, mas que ao final das contas é simplesmente a leitura liberal, democrática institucionalista burguesa. 

Diz Pollock o seguinte: o problema do fascismo e do nazismo na Alemanha é o problema do capitalismo de estado
Esta leitura de capitalismo de estado diz assim: no séc. XX o capital, a burguesia, se fundiu ao estado, criando monopólios, então, quando um pais faz guerra com outros, (o) faz em proveito destes empresários e destes monopólios. 

Vejamos nós, os Estados Unidos e o Brasil, auxiliaram, ou até mesmo eventualmente,  induziram o golpe na Bolívia. E agora, fazem dois dias, um empresário estadunidense declarou que é isso mesmo, ele deu golpe mesmo, porque ele quer pegar o lítio da Bolívia. E o lucro que ele teve nesta crise agora, da pandemia, foi maior do que o PIB da Bolívia. 

Pois bem, há uma associação muito clara entre capital, entre empresários, grandes empresários e estados é um complexo só. Esta leitura de Pollock é uma leitura que instrumentaliza, dá a baliza para a Escola de Frankfurt e para boa parte das leituras liberais de esquerda. 

Ela diz assim, diz o seguinte, houve um tempo em que o capital se juntou com o estado, quando fez monopólio fundido com o aparelho estatal, então, é um complexo só. 

Qual é a conclusão de Pollock? Este complexo, então não tem fissuras, este complexo é totalitário
Agora começa a tradição do totalitarismo. E ela tem uma vertente dita de esquerda muito clara no próprio Pollock, no próprio Frederich Pollock, que vai dizer, a Alemanha fundiu capital, os grandes conglomerados alemães com o estado nazista e a partir daqui se tornou um estado totalitário. 

Claro, o próximo passo é dizer que outros países mais do mundo até os que fazem revoluções socialistas, também são estados totalitários. 
Por isto, esta leitura é de muito gosto da esquerda liberal, porque ela diz: bato na direita, bato na esquerda e fico no meio termo, defendendo o direito e as instituições.
 
No cerne essa leitura frankfurtiana imediata, é uma leitura que ao final das contas vem do direito, com aquele que dá o vaso dilatador que permita aqui, fazer com que não haja o chamado totalitarismo. 

Esta leitura, infelizmente, é uma leitura frequente no campo da universidade, é uma leitura que eu chamaria liberal, institucional, que vê no direito a salvação, que vê no direito o papel de salvador da sociedade contra o nazismo
No entanto, eu quero chamar atenção porque eu falei que essa leitura, a de Bloch é a primeira e fundamental, logo em seguida vem duas, a primeira é dos frankfurtianos oficiais que é a de Pollock, essa leitura que vai dizer que o problema é do totalitarismo, do capitalismo de estado

A segunda leitura é uma leitura divergente, de pensadores que efetivamente foram até alijados pela Escola de Frankfurt, e eventualmente deste alijados, eu chamaria atenção, aqui na noite de hoje, nesta minha conferência, a pelo menos dois: o primeiro deles é Franz Neumann, e o segundo deles Alfred Sohn-Rethel

Franz Neumann tem um livro central (Behemoth: The Structure and Practice of National Socialism, 1933 – 1944), que vai estudar como se deu a característica da formação do nazismo na Alemanha.
 
Franz Leopold Neumann (23/V/1900 - 02/IX/1954) foi um ativista político alemão, teórico marxista ocidental e advogado trabalhista, que se tornou um cientista político no exílio e é mais conhecido por suas análises teóricas do nacional-socialismo. Ele estudou na Alemanha e no Reino Unido, e passou a última fase de sua carreira nos Estados Unidos, onde trabalhou para o Escritório de Serviços Estratégicos de 1943 a 1945. Durante a Segunda Guerra Mundial. Junto com Ernst Fraenkel e Arnold Bergstraesser, Neumann é considerado um dos fundadores da ciência política moderna na República Federal da Alemanha.(WP)


Alfred Sohn-Rethel (t)em várias obras faz um estudo do nível econômico de como funcionou o nazismo. Estes dois pensadores para nós são fundamentais, trazem um contexto de muita excelência teórica porque eles dizem assim: é exatamente o oposto do que Pollock dizia ser a causa do surgimento do fascismo. 
Pollock e a Escola de Franckfurt oficial, falava assim, um dia os capitais se juntaram todos, o amalgama foi tão bem feito, esta liga de cobre e estanho deu um bronze tão perfeito que atravessa milênios. 
É muito difícil alguém bater contra o nazismo, internamente não tem condições, precisa vir o exército Russo para ver se libertava a Alemanha do nazismo, porque internamente quem lutou contra, morreu. Pois bem, esta leitura, dizem Neumann e Sohn-Rethel está errada. É o oposto. O nazismo e o fascismo não são uma fusão total de enormes poderes dominantes do mundo econômico e político. Muito pelo contrário, fascismo e nazismo e todas as formas extremadas fascistas de extrema direita, são formas que aglutinam, prestem bem atenção, que aglutinam fraquezas, fragilidades, e esta junção de várias fragilidades dá um acordo, uma coesão a que se chama então, no caso da Itália, fascismo, e no caso da Alemanha de nazismo.
Alfred Sohn-Rethel; nasceu em Neuilly-sur-Seine perto de Paris, Sohn-Rethel veio de uma família de pintores, seu pai era o pintor Alfred Sohn-Rethel (1875–1958) e sua mãe era Anna Julie, nascida Michels. Sua mãe era descendente da nobre família Oppenheim e tinha relações influentes com grandes empresas. Seu avô paterno era o pintor Karl Rudolf Sohn e sua avó paterna era a pintora e cantora Else Sohn-Rethel. Como sua família não queria que ele também se tornasse pintor, ele foi criado por seu tio, o industrial siderúrgico Ernst Poensgen. No Natal de 1915, ele expressou o desejo de uma cópia de Karl Marx Capital como um presente. Ele recebeu um e estudou intensamente. Expulso de casa, ele participou do protesto estudantil contra a guerra em seu primeiro ano na Universidade de Heidelberg em 1917.

É o contrário de uma fusão plena do poder econômico e político. É uma contradição, e uma concorrência tamanha, entre estado e capital, e entre frações do estado e frações do capital, que no final das contas, apenas uma certa coesão frágil e uma liderança que capte inimigos externos do tipo judeus, do tipo homossexuais, do tipo comunistas, do tipo outros países, outras nações, ciganos, deficientes, testemunhas de jeová. 
Apenas algo que construa externalidades, de inimigos artificiais, é capaz de dar uma junção para tanta gente, tantas classes e tantos grupos, cuja organização social é extremamente competitiva entre si

Então diz Sohn-Rethel, a Alemanha vivia uma disputa entre uma burguesia que queria exportar e uma que queria aumento de mercado interno; e (a) Alemanha optou por aumentar o mercado interno e fazer guerra com o exterior para dar conta de satisfazer um certo tipo de articulação. O outro perfil, então burguês ficou de lado. Ao mesmo tempo, o estado alemão tinha uma burocracia sólida e um exército vitimado pela primeira guerra mundial, um exército em desonra e o interesse de um não era o interesse do outro. (...) 

Estas várias camadas, todas opostas entre si, elas, encontram em Hitler, uma pessoa que disputa com o inimigo fraco ou distinto, ou até forte no exterior, ou então de longe desse complexo social, e então esses setores se aglutinam. 

Observe, a tese de (Franz) Neumann e de Alfred Sohn-Rethel é uma tese central para explicar como é que o fascismo advém das fraquezas. 
E as senhoras e os senhores, não se espantem, essa leitura de Neumann e de Sohn-Rethel para o tempo presente.
 
Tudo aquilo que nós lemos como mobilização de extrema direita no mundo não só no Brasil, em geral, não advém de setores econômicos extremamente olímpicos, no sentido de alta lucratividade, de estados fortíssimos, ou então de classes e grupos sociais com alta dominâncias. Advém do lumpen da classe burguesa, advém do lumpen do próprio estado, advém do lumpen intelectual. Então, são várias fraquezas, todas juntas que se unem, e estas todas (fraquezas) postas que se unem, e esta união, então, faz com que ninguém tire um palitinho deste bloco, porque se tirar um palitinho caem todos. 
Então, é a fraqueza que une e não a força. Ou seja, Sohn-Rethel faz exatamente o oposto da leitura que diz que o fascismo e o nazismo advêm do totalitarismo. 
É muito pelo contrário, advém de uma sociedade capitalista altamente esgarçada, altamente rompida, como é uma sociedade capitalista na qual as classes estão em disputa, uma explora, a maioria está explorada, os grupos sociais explorados também disputam entre si; o fascismo é a forma de tentar unificar o máximo dos frágeis possíveis

Pois bem, este é o quadro geral de explicações teóricas que eu chamaria quentes, escritas ao tempo, pensadas ao tempo do nazismo e do fascismo. 

Eu quero encaminhar agora o andamento central final desta minha reflexão. 

Quando o nazismo se deu e o fascismo se deu, e depois, com a queda do fascismo e do nazismo, vem leituras e interpretações marxistas a frio, já com o fenômeno passado buscando compreender quais os eixos destas ilusões 

Senhoras e senhores, eu proponho que se traga aqui, e eu trago aqui a esta minha reflexão algumas contribuições centrais, do séc. XX, da sua segunda metade. 

No meu livro “Filosofia do Direito”, da Ed. Boitempo, logo na entrado do livro, eu digo que existe uma leitura muito sofisticada do marxismo e eu compartilho desta leitura, ensino aos meus alunos, escrevo nos meus livros, pesquiso a partir desta referência. Existem leituras sofisticadas, que dizem que nós em algum momento, conseguimos alcançar o grau de cientificidade marxista, daquele que é o chamado novo marxismo. Novo aqui, só quer dizer que é o marxismo mais recente e que volta as bases categoriais de Marx em “O Capital”. 

Então, vai entender o que é a forma mercadoria, a crise econômica, a crise da acumulação, a forma estado não salva a sociedade das contradições do capitalismo, a forma estado é a forma das contradições, o direito não salva a sociedade, o direito é uma forma da estruturação da sociedade capitalista. Estas leituras são as leituras mais avançadas, eu exploro isto lá na entrada do “Estado de Forma Política” este livro da Ed. Boitempo. 

Pois bem, eu chamo para esta reflexão ao menos três autores da segunda metade do sec. XX. Autores via de regra poucos estudados por exemplo no espaço intelectual do Brasil que prefere os autores clássicos, velhos, canônicos, como por exemplo da Escola de Frankfurt: Pollock por ex. mas não chega a esses pensadores mais modernos, centrais do tempo presente. 

Eu chamo atenção, ao primeiro deles que é Michal Kalecki este enorme economista marxista polonês o homem responsável pelo desenvolvimento econômico da Polônia após a segunda guerra mundial. 

Michal Kalecki (Lodz, 22/VI/1899 - Varsóvia, 18/IV/1970) economista marxista polonês, especializado em macroeconomia. Na maior parte da sua vida, ele trabalhou no Instituto de Pesquisas de Conjuntura Econômica e Preços de Varsóvia. Foi professor da London School of Economics, University of Cambridge, University of Oxford e da Escola de Economia de Varsóvia. Foi também assessor econômico dos governos de Cuba, Israel, México e India. Foi também vice-diretor do Departamento de Assuntos Econômicos das Nações Unidas, em Nova York. É referido com um dos economistas mais destacados do século XX e às vezes lembrado como o "Keynes da esquerda", pois desenvolveu muitas das teorias de Keynes antes de Keynes e de um ponto de vista marxista (WP).


Michal Kalecki tem uma tese chocante, eu trabalho com ela em vários textos meus, mas quero poder aqui expor a todas e todos. 

Kelecki diz assim: a sociedade alemã e a sociedade italiana, mas pensando agora mais especificamente, Kalecki sendo polonês tinha uma interface imediata com o problema alemão; diz Kalecki: a sociedade alemã faz com que as classes médias e as classes capitalistas desarmem a estrutura da reprodução burguesa que elas mesmas constroem. 
A burguesia e as classes médias constroem modelos de reprodução econômica capitalista liberal, democrática; as pessoas votam num, não votam num da sociedade, ele pode só melhorar uma coisa ou outra, isto faz a reprodução do capitalismo basicamente. 

Por isto a burguesia na democracia vai vivendo mais ou menos como ela quer, e as classes médias também. O pobre não vira classe média, a classe média não vira rica, mas também a classe média não vira pobre e rico não vira classe média.
 
Pois bem, este é o padrão normal. No entanto, as classes médias e a burguesia rompem com as amarras do capitalismo democrático, liberal, jurídico e constroem o nazismo e o fascismo quando há pleno emprego. Esta é a tese de Kalecki. Uma tese econômica marxista do pleno emprego. 

Talvez as senhoras e os senhores, que acompanham essa minha reflexão, na noite de hoje, não consigam alcançar qual é a questão central do que eu chamo de pleno emprego. O que tem a ver pleno emprego com o fascismo? O que tem a ver uma categoria meramente de economia com o fascismo? Kelecki explica. Com o pleno emprego, o salário aumenta. Efetivamente as condições da massa salarial sobem na sociedade porque procura-se gente para ser explorada, só que já se está em pleno emprego, é o salário que vai aumentar. O Brasil viveu pleno emprego no início do governo Dilma, até 2013 para 2014

O Brasil viveu pleno emprego. Vinham bolivianos e bolivianas, haitianos para trabalhar no Brasil, porque já brasileiros e brasileiras não queriam certos serviços que consideravam (estas pessoas) inferiorizados ou mal pagos, como por exemplo o emprego doméstico. Então vinha gente do exterior, porque aqui tinha-se pleno emprego. Pois bem, diz Kalecki, é o pleno emprego que gera o fascismo, porque as classes médias e as elites quando veem que a distância relativa dos pobres em relação a eles está diminuindo; não é que o pobre está ficando classe média, só está diminuindo um pouco a distância relativa entre um pobre e a classe média

Aquilo que talvez no caso da Alemanha fosse dizer assim: agora não dá mais para chegar na estação ferroviária porque o pobre também pega trem executivo de primeira classe, onde já se viu, agora a estação ferroviária está virando um estábulo. E os senhores conhecem versões mais modernas e sofisticadas desse exemplo no séc. XXI, troquem estação ferroviária por aeroportos. 

Pois bem, diz Kalecki, existe uma movimentação política das classes médias e da elite de tal modo que elas destroem as condições de progresso econômico parcial de governo de centro-esquerda e de governos e instituições democráticas burguesas automaticamente também. O capital perde apoio econômico, ele acaba com sua alta lucratividade, a classe média também cai, só que o pobre cai mais ainda, ou seja, os termos da diferença relativa voltam a ser repostos, ainda que contra os interesses da classe capitalista. 

Esta leitura de Kalecki, ela cabe como uma luva no tempo presente. Quando as classes burguesas inflam o pacto, para ao final não venderem como vendiam no tempo daqueles que eram os inimigos da classe burguesa, os ditos inimigos de centro-esquerda da classe burguesa. 

Mas o fundamental, o que fazem estas classes? Elas rebaixam ainda mais a condição do povo, e na hora que o povo então, não tem mais CLT, aí a desgraça é total. Nesse sentido, então, a classe média, ainda que ganhe menos, está no paraíso, quando em comparação com os mais pobres. Kalecki chama atenção para o aspecto ideológico e para o desarme político que gera o fascismo a partir de algumas mudanças progressistas de centro-esquerda dentro do capitalismo

Quero chegar, às duas outras leituras, e encaminhar então, este bloco das leituras contemporâneas sobre o fascismo. Uma foi a de Kalecki. 

Quero poder agora chegar a duas outras leituras, uma outra é de um pensador marxista central que é Charles Bettelheim

Charles Bettelgheim maior economista marxista da segunda metade do séc. XX descobre algo central que é o problema do subconsumo. Há um problema alemão e italiano de sociedades que não tem condições de consumir, não tem dinheiro para consumir e nesta condição de subconsumo, e uma produção muitas vezes até muito maior do que o consumo, esta produção tem que ser levada para a guerra, e este subconsumo eventualmente ampliado aumentado porque estas classes vivem em divergência, classes que consomem pouco em relação aquelas que são as capitalistas. 

Charles Bettelheim (20/XI/1913 - 20/VII/2006), economista e historiador francês. Fundador do CEMI, Centre pour l'Étude des Modes d'Industrialisation, Centro para o Estudo de Modos de Industrialização, na Sorbonne, foi também consultor económico em governos de vários países em desenvolvimento durante a descolonização. Foi muito influente na Nova Esquerda Francesa, e é considerado "um dos mais notáveis marxistas do mundo capitalista" (Le Monde, 4 de Abril de 1972) não só na França, mas também em Espanha, Itália, América Latina e Índia (WP).

No entanto diz Charles Bettelheim como o subconsumo é uma característica central da própria exploração capitalista, uma vez que nós tivemos um problema de subconsumo na Alemanha e na Itália e isto gerou fascismo e nazismo, nós continuamos a ter problemas de subconsumo em toda história do capitalismo. Conclusão altiva e direta de Charles B.: o capitalismo estruturalmente é potencialmente fascista; porque sempre ele tem uma estrutura de subconsumo, sempre há uma crise social, uma crise do consumo, sempre há uma pobreza que gera o (um) esgarçamento social enorme. Portanto, senhoras e senhores, é outra leitura contemporânea, esta, de Charles Bettelheim, central para nós. 

A terceira que eu trago aqui a esta reflexão, é da década de 1970.  É a leitura de Nikos Poulantzas. Pois bem, Poulantzas lembra mais um aspecto. Eu vou aqui juntar Kalecki, com Bettelhein e com Poulantzas. 
Poulantzas lembra que existe também mais um fenômeno na base do fascismo é o fenômeno do imperialismo. Países que estão em dinâmica de uma economia e de uma produção, de uma afirmação política, de uma expansão como era o caso da Itália, como era o caso da Alemanha em disputa de guerra inclusive, estes países conduzem a uma organização social fascista. E então, Poulantzas também tem teses complementares como estas que fazem uma certa equivalência, uma certa equiparação dos mesmos movimentos que levaram ao nazismo para os movimentos que levam para as ditaduras militares do terceiro mundo na década de 1960. 
Por exemplo a ditadura militar no Brasil, na Argentina, no Chile ou, por exemplo da própria ditadura militar da Grécia, pais de origem do próprio Poulantzas. 
Então, esta somatória de uma leitura de Poulantzas, de Bettelhein e de Kalecki, nos dá também condições de entender, aquilo que o próprio Shon-Rethel e Neumann diziam: fraquezas, disputas, concorrências que vão se aglutinando e vão fazendo com que inclusive as classes médias tomem posições que geram o próprio fascismo. 
E a gora, eu chego à última das reflexões desta minha conferência da noite de hoje. 
Eu quero propor a todas e todos. que mergulhemos o histórico da reflexão filosófica crítica sobre o fascismo, nestas águas da forma de subjetividade jurídica. Isto que fez Pachukanis, isto que fez Marx na origem, que faz toda uma tradição contemporânea. Façamos um mergulho nas formas da própria sociabilidade capitalista. 

Pachukanis tem textos históricos para dizer que se deve pensar o fascismo a partir da forma política estatal e da forma da subjetividade jurídica, porque, enquanto houver uma sociedade cindida em classes e uma explorar a outra haverá uma forma política e uma forma jurídica correspondentes que garantem o capital. E quando a garantia do capital não for mais possível no liberalismo, na democracia, nas garantias jurídicas da constituição ou no dito estado democrático de direito, a forma política estatal e a forma jurídica não ficam ao lado do povo, são formas derivadas da forma mercadoria. 

Então, estado e direito sempre, potencialmente desempatam em favor do capital. Com isto senhoras e senhores, eu anuncio a tese central desta reflexão que desenvolvo “Estado, Forma e Política” e desaguou no caso, no livro “Crise e Golpe” para explicar também a situação do Brasil um desaguadouro da crise, mas foi também de qualquer maneira um desaguadouro da crise europeia do início do séc. XX. 

As formas do capital, quando não mais puderem sustentar a acumulação, a reprodução social, a diferença relativa entre classes; quando não mais puderem conduzir o processo e estabelecimento da produção com consumo, nos termos tradicionais, a forma Estado e a forma Direito desempatam pela ditadura, pelo golpe, ou pelo fascismo. 

Claro, o fascismo é um desempate extremo, a ditadura e o golpe é um desempate médio. Então é um desaguadouro médio em termos quantitativos e um desaguadouro extremo em termos quantitativos. Não importa aqui, para mim neste momento, qual o grau da quantidade, o que importa é a forma, e como a forma conduz a formação social. 
As formas sociais do capitalismo conduzem ao desaguadouro que desarma, que abala e que fere as estruturas liberais democráticas do direito e do estado e do capital sempre. Porque jamais estado e direito estarão nas mãos do povo. Jamais desempatarão em favor do povo, com isto é preciso quebrar a ilusão jurídica, do socialismo jurídico, que nos termos que dizia Engels, é preciso então mostrar que a subjetividade jurídica, jamais é suficiente para dizer: eu tenho direito de ser respeitado, não pode o ditador ou o nazista me desrespeitar. 

Não se trata de humanismo, não se trata de sagração destes que seriam os direitos individuais eternos e perenes, muito pelo contrário, a subjetividade jurídica é o que articula a exploração, é o que articula o trabalho assalariado, a exploração do trabalho assalariado. A extração do mais valor é o que articula o capital, a circulação mercantil. Todo o resto, tudo que vem a mais, tudo que vem para além disso, não se garante por si só. 

Em “Estado e Forma Política” eu chamo atenção para um ponto da relação entre forma política e estado e com este ponto eu quero chegar ao alto da minha reflexão. Eu digo por lá, que a forma jurídica quando se relaciona com a forma política estatal, (a) este processo eu chamo de co-formação; conformação é um processo de fazer aqui um acoplamento só que as duas formas são autônomas, elas vem ambas da forma mercadoria e cada uma então tem uma. O que ocorre, no entanto, é que este acoplamento, as vezes se mantem e muitas vezes se destrói quando esse acoplamento além de garantir a reprodução do capital vem a garantir os direitos sociais, direitos individuais, liberdade de expressão ou qualquer coisa dita democrática ou progressista. 
Quando vem a crise, quando vem o problema da acumulação, a distinção entre classes, todo processo e incapacidade de manutenção da acumulação, então, esta co-formação entre forma política estatal e forma jurídica, forma de subjetividade jurídica, esta co-formação, abandona os penduricalhos e fica no central. 
O que é o central? Mantem-se a forma da propriedade privada, a extração de mais valor mediante contrato de trabalho assalariado, isto nunca quebra no capitalismo. E o que é penduricalho que acaba? Democracia, dignidade humana, ditos respeitos individuais. Portanto, no núcleo do estado e no núcleo do direito podemos chegar tranquilamente, e via de regra chegamos, ao golpe, à ditadura e ao fascismo. O que nunca acaba é a derivação dessas formas da forma mercadoria. Dentro do capitalismo, Estado e Direito servem para a dinâmica da reprodução do capital, a dinâmica da exploração. 

Então senhoras e senhores, concluo com a palavra da esperança e do sentido da própria esperança que nos advenha nesta luta de transformação social. A palavra esperança não pode enxergar na luta contra o fascismo historicamente posto lá no séc. XX e também em moralidades que venham se repetir posteriormente; a luta não é por defender a ordem, as instituições e o direito que venham a salvar a sociedade do fascismo. 
A Ordem, as Instituições o Direito e o Estado chegam quando necessário for ao fascismo. Quem dá o comando eventualmente, parcialmente algumas frações do estado, mas fundamentalmente a dinâmica do capital, o sujeito da história na sociedade capitalista é o capital, ele escreve o fascismo quando quer

Palavra da esperança 

O sujeito da história, da revolução, é a classe trabalhadora, somos todas e todos nós; que nós não nos enganemos com as formas do capital, que nós não peçamos, que nós não imploremos por um direito que salva do fascismo. Que nós peguemos o poder nas mãos e construamos a única coisa que salva do fascismo. Se o fascismo é a margem extrema, sempre possível, sempre frequente do capitalismo, a cura de tudo isto, não é norma, não é direito, (e) a cura de capitalismo, se chama socialismo. Obrigado. 


Karl Marx (Tréveris 5 de maio de 1818 – Londres, 14 de março de 1883)


Alfred Sohn-Rethel (04 de Janeiro 1899 – 06 Abril 1990)


Franz Neumann (23 de Maio de 1900 – 2 de Setembro de 1954)







Leituras complementares

















(Postado em 29/VII/2020)


"A depreciação da evidência empírica em favor de um mundo metafísico de ilusão tem sua origem no conflito entre o indivíduo emancipado da sociedade burguesa e seu destino dentro dessa sociedade.” (Max Horkheimer)