INÍCIO

12 março 2022

PHITOLOGIA

Plantas fazem galhas para acomodar estrangeiros: algums são amigos, a maioria é inimiga.


Marion O. Harris & Andrea Pitzschke
First published: 27 November 2019


No local de colonização de uma entidade estranha, as células vegetais alteram sua trajetória de crescimento e desenvolvimento. A estrutura resultante, uma galha de planta, acomoda várias necessidades do estrangeiro, que são filogeneticamente diversas: vírus, bactérias, protozoários, oomicetos, fungos verdadeiros, plantas parasitas e muitos tipos de animais, incluindo rotíferos, nematóides, insetos e ácaros. 

As espécies de plantas que produzem galhas também são diversas. Assumimos que a produção de galhas custa energia para a planta. Tudo está bem se o estrangeiro oferecer um presente que compense o custo. Bactérias indutoras de nódulos fixadoras de nitrogênio fornecem serviços nutricionais. As vespas da galha polinizam as figueiras.

Infelizmente para as plantas, a maioria das galhas são feitas para inimigos, alguns dos quais são patógenos e pragas profundamente estudados: Agrobacterium tumefaciens, Rhodococcus fascians, Xanthomonas citri, Pseudomonas savastanoi, Pantoea agglomerans, fitoplasma 'Candidatus', fungos da ferrugem, Ustilago smuts, nó de raiz e cisto de nematóides   e mosquitos da galha. 

As galhas são um fenômeno pouco estudado na biologia do desenvolvimento de plantas. Propomos o início das galhas para descobrir características unificadoras das galhas que as plantas fazem para amigos e inimigos, falamos sobre moléculas que plantas e indutores de galhas usam para obter o que querem uns dos outros, levantamos a questão se as plantas colonizadas por fungos micorrízicos arbusculares respondem de maneira semelhante às galhas de outros indutores de galhas.

(um trabalho maravilhoso) leia no original em 

Muitas partes das plantas produzem galhas para muitos tipos de indutores de galhas. A planta mostrada aqui não está desenhada em escala e não representa nenhuma espécie de planta. Em vez disso, a planta representa um compêndio dos muitos tipos de crescimentos "de novo" que as plantas são capazes de fazer em associação com um único indutor de galha. Uma chave fornece a abreviatura para cada grupo de indutores de galhas. Ao lado de cada galha na ilustração, as abreviações fornecem exemplos de grupos indutores de galha que podem ter esse tipo de efeito neste item vegetal.




As raízes das plantas fazem acomodações para (a) bactérias rizóbias (com base em Oldroyd et al., 2011) e (b) fungos micorrízicos arbusculares (Arbuscular Mycorrhizal) (com base em Parniske, 2008). Nódulos feitos para rizóbios são considerados galhas, mas as acomodações para fungos micorrízicos arbusculares (AM) não são. As interações começam com a planta liberando exsudatos, que estimulam as bactérias a produzir o fator Nod, e os fungos o fator Myc, ambos causando picos de cálcio nas células vegetais. Em (a), uma célula radicular incorpora a bactéria e então faz um fio de pré-infecção que guia a colônia crescente de bactérias através das células até o local onde as divisões celulares (linhas pontilhadas) estão preparando o primórdio do nódulo. Em (b), uma célula radicular em contato com o hipopódio produz um aparelho de pré-penetração (PPA) que orienta a hifa do fungo em direção ao córtex. Estruturas semelhantes a PPA são induzidas em células corticais internas. A hifa entra nessas células e se ramifica, formando o arbúsculo. Veja o texto para maiores explicações. GA, giberelina (Harris & Pitzschke, 2019).







Fonte

JARDIM DO ENGANO


JARDIM DA DECEPÇÃO 

O JARDIM DO ENGANO
Um fungo que zumbifica plantas


É uma cena de verão idílica nas Montanhas Rochosas canadenses: picos nevados silenciosos observando os zangões zumbindo de um lado para o outro sobre um prado alpino repleto de botões de ouro amarelos brilhantes. Um olhar mais atento a este jardim de flores douradas revela impostores entre os familiares botões de ouro alegres. Aqui e ali há plantas com densos cachos de folhas que parecem quase como se tivessem sido mergulhados em uma substância amarela grudenta e granular. Essas ‘pseudoflores’ não são obra de algum eremita com um estranho senso de humor e um pincel, mas são uma elaborada decepção encenada por um fungo para enganar os zangões para que cumpram suas ordens.

O vigarista fúngico é Puccinia monoica, uma doença de ferrugem que infecta gramíneas e membros da família da mostarda. É levado a uma vida de engano pelo fato de ser um fungo heterotálico, o que significa que possui um mecanismo genético que o impede de se reproduzir com sucesso consigo mesmo ou com parentes próximos. 

Sem capacidade de se movimentar por conta própria, esse fungo da ferrugem depende inteiramente de insetos para transportar seus propágulos para diferentes plantas na esperança de um encontro aleatório com um companheiro compatível para que possa completar seu ciclo de vida. 

O ciclo de vida da Puccinia monoica é complexo e o fungo muda de hospedeiro ao longo da estação. Durante a primavera, o fungo habita o (Drummond’s rockcress) agrião de Drummond (Boechera stricta), mas no final do verão o fungo deve mudar para viver em seu outro hospedeiro uma grama, onde pode produzir propágulos resistentes chamados teliósporos que infectam novas plantas de agrião ou sobrevivem ao inverno rigoroso no solo da montanha. Aqueles indivíduos que infectam plantas o agrião no outono, se instalam nos tecidos em crescimento da planta para esperar o inverno.

Com a chegada da primavera é hora de perpetrar o golpe, e Puccinia monoica começa a manipular seu hospedeiro. O fungo conduz uma sinfonia de expressão gênica para criar o veículo perfeito para seu ardil: encorajando o crescimento do caule, suprimindo a formação de galhos, interrompendo a produção de flores e aumentando o transporte de açúcar, fazendo com que a planta expulse néctar açucarado por uma grande área de sua superfície. Cerca de 250 processos biológicos são afetados na planta à medida que o fungo a molda para o seu propósito. 

Os resultados finais? O agrião do campo (rockcress) deixa de formar suas próprias flores que são bastante monótonas que são de interesse limitado para os polinizadores e, em vez disso, produz pseudoflores amarelas vistosas: caules longos cobertos por densos aglomerados de folhas que ficam cobertos de pústulas de ferrugem fúngicas amarelas brilhantes e pingam uma imitação de néctar açucarado, uma quantidade muito maior do que a planta normalmente produz. O momento do fungo é perfeito, e as pseudoflores aparecem assim que os graciosos (buttercups) botões de ouro (Ranunculus inamoenus Greene) começam a florescer, criando um bufê de jardim alpino para polinizadores. Tão completo é o engano que as pseudoflores até produzem um aroma distintamente doce e fluorescem sob a luz UV da mesma forma que os botões de ouro verdadeiros. 

As pseudoflores são uma atração irresistível para as abelhas, que visitam as pseudoflores concomidas por mais tempo e com mais frequência do que as flores verdadeiras da espécie de agrião. Essas abelhas visitantes ficam cobertas de espermatias, um tipo de esporo fúngico, que então se movem pela superfície pegajosa da pseudoflor, bem como para novas pseudoflores, permitindo que Puccinia encontre um parceiro geneticamente compatível. Para o fungo, é missão cumprida. Seu ciclo de vida continua, e seu engano foi bem sucedido.

Contexto

O fungo Puccinia monoica Arthur, é um fungo Basidiomycota, heteroecious. Um fungo heteroécio (heteroecious) é um fungo que necessita de dois hospedeiros diferentes para completar seu ciclo de vida. Este patético patógeno infecta seu hospedeiro, esteriliza-o e força a planta hospedeira a produzir falsas flores. Essas "pseudoflores" são tecidos vegetais, mas são estéreis, ou seja não servem para que a planta se reproduza; mas carregam apenas os esporos do fungo Puccinia monoica.  O vento e insetos/polinizadores então espalham os esporos para outras plantas, i.e., espalham a doença.


Puccinia monoica 

Puccinia monoica Arthur
(By Lesfreck)

Reino: Fungi
Divisão: Basidiomycota
Classe: Pucciniomycetes
Ordem: Pucciniales
Família: Pucciniaceae
Gênero: Puccinia
Espécie: Puccinia monoica Arthur

Planta infectada por Puccinia monoica.

Puccinia monoica é um fungo parasita do gênero Puccinia causador de ferrugem em plantas. Esta espécie inibe a floração em sua planta hospedeira (geralmente uma espécie de Arabis) e transforma radicalmente a morfologia do hospedeiro para facilitar sua própria reprodução sexuada.

A infecção de plantas hospedeiras (incluindo Arabis e vários outros membros da família Brassicaceae, familia da mostarda) ocorre através de basidiósporos transportados pelo vento no final do verão. Após a germinação dos esporos, as hifas fúngicas penetram no caule da planta de mostarda e drenam os nutrientes. 

Para que a planta produza uma estrutura que dissemine seus esporos o fungo esteriliza a planta hospedeira, impedindo-a de produzir flores verdadeiras. Em vez disso, força a planta infectada a crescer aglomerados de folhas em "pseudoflores" amarelas brilhantes com as estruturas reprodutivas fúngicas (veja ciclo abaixo e vídeo). Os insetos que visitam as pseudoflores transferem os esporos de uma planta hospedeira para outra, da mesma forma que os polinizadores transferem pólen entre as flores verdadeiras de plantas não infectadas.

As pseudoflores nascem de rosetas de folhas basais da mostarda hospedeira e imitam as corolas amarelas do início da primavera de flores silvestres distantes (por exemplo, botões de ouro), não apenas em luz visível, mas também em ultravioleta. Como as abelhas e muitos insetos polinizadores "vêem" na faixa ultravioleta, essas pseudoflores são altamente atraentes. 

Além disso, o fungo produz um aroma distinto para atrair insetos; esse apelo olfativo permitiu que o fungo evoluísse e "melhorasse" o sistema de mimetismo, facilitando a transferência adequada de seus esporos. As abelhas se alimentam de uma substância doce e pegajosa semelhante ao néctar que o fungo força a planta a produzir nas flores de imitação.

Planta infectada por Puccinia monoica.

Este é um patógeno de plantas que causa ferrugem em trigo e necessita de outra espécie de planta para completar seu ciclo de vida. Ele zumbifica seu hospedeiro, induzindo-o a produzir folhas semelhantes a flores, mas em vez de ser flores verdadeiras essas falsas flores disseminam os esporos do fungo. 





Ciclo de vida do fungo Puccinia monoica.






Ciclo de vida do fungo Puccinia monoica.

Ciclo de vida de Puccinia graminis 





Bibliografia













UMA PLANTA SEM CLOROFILA
QUE PARASITA UM FUNGO

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae


Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae. Essa espécie foi anteriormente classificada na família Monotropaceae, mas agora está incluída na família Ericaceae.

M. uniflora, é conhecida popularmente como planta fantasma, tubo fantasma ou tubo indiano ou cachimbo dos índios, é uma planta herbácea perene nativa de regiões temperadas da Ásia, América do Norte e norte da América do Sul, mas com grandes lacunas entre as áreas. 

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae
 
A planta às vezes apresenta uma coloração completamente branca como cera, mas geralmente tem manchas pretas ou coloração rosa pálida. Variantes raras podem ter uma cor vermelha profunda, semelhante a sangue.

É de ocorrência efêmera, dependendo das condições certas (umidade após um período seco) tornando-se adulta dentro de alguns dias. Ao contrário da maioria das plantas, é branca e não contém clorofila. Em vez de gerar alimentos usando a energia da luz solar, é uma planta parasita e, mais especificamente, um micoheterotrófico, isso significa dizer que ela se alimenta de fungos ou do que eles produzem enquanto decompõem a matéria orgânica, e do que recebem da planta com a qual estabelecem a interação simbiótica.
Seus hospedeiros são certos fungos que estabelecem relação de simbiose com outras plantas, i.e., são fungos micorrízicos com árvores, o que significa que, em última análise, obtém seu alimento de árvores fotossintéticas. 

Mais especificamente, M. uniflora, parasita a relação simbiótica mutualística entre uma micorriza e seu hospedeiro, faias ou coníferas. Os açúcares são produzidos pelas árvores que os compartilha com o fungo em troca da obtenção de certos minerais. Por sua vez, a M. uniflora consegue obter esses açúcares do fungo. Portanto, (em um caso simplificado) se a árvore morre o monotropo também morre, porque indiretamente parasita uma árvore. 

Como não depende da luz solar para crescer, pode crescer em ambientes muito escuros como no sub-bosque de floresta densa. É frequentemente associada a bosques de faias, Fagaceae. 

Fagus sylvatica L. 1753
(Por Malene Thyssen, WP)

Fagus sylvatica L.

A complexa relação que permite que esta planta germine, se desenvolva e cresça também dificulta sua propagação. 
Como a maioria das plantas micoheterotróficas, Monotropa uniflora associa-se a uma pequena gama de hospedeiros fúngicos, todos membros de Russulaceae.

As principais espécies de insetos que visitam as flores da Monotropa uniflora estão agrupadas no gênero Bombus e nas famílias Syrphidae e Halictidae. A maioria dos insetos consome o néctar oferecido pela planta e apenas algumas espécies servem de vetores para o pólen ao tocar os órgãos sexuais masculinos e femininos das flores produzidas por diferentes indivíduos da mesma espécie. 

Visitantes com peças do aparelho bucal curtas (família Syrphidae) procuram alimento nos exsudatos pegajosos do estigma. Eles, portanto, não são consumidores de néctar nem polinizadores.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.
(By Matthew S. Staben)

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.
(By Staben)

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.
(By Magellan)

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae.

Monotropa uniflora L. 1753, Ericaceae. (By dekayem


Fonte


Uma conta no twitter para visitar: 



DOIS ANOS DE PANDEMIA

DOIS ANOS DE PANDEMIA
11/III/2020
11/III/2022

O pico da variante Ômicron levou a um recorde de casos de covid-19 em todo o mundo no início desse ano (janeiro de 2022), e a queda da curva que se seguiu  a esse pico no Brasil traz o que a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) considera uma janela de oportunidade para o controle da pandemia, que completou dois anos ontem 11/março/2022.  

(Imagem: ARTE MIGALHAS)

Com menos casos e internações, diminui a pressão sobre os sistemas de saúde e crescem as chances de bloquear a transmissão do vírus e a formação de novas variantes aumentando a cobertura vacinal.

"Em um momento em que há muitas pessoas imunes à doença, se houver uma alta cobertura vacinal completa, há a possibilidade de redução do número de casos, diminuição de internações e redução de óbitos, como também se poderá bloquear a circulação do vírus", destaca o boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz no início de fevereiro ao prever a queda de casos confirmada nas últimas semanas.

Segundo o pesquisador Rafael Guimarães, que integra o observatório, a previsão de uma situação mais confortável, porém, ainda não significa o fim da pandemia. "A gente entende que o Brasil deve entrar em uma fase mais otimista", afirma ele.

"Temos uma redução dos casos novos, gradativamente uma descompressão do sistema de saúde, uma menor ocupação dos leitos, e a gente vai ter também uma redução dos óbitos."

Para aproveitar esse momento promissor, ele destaca que o país precisa avançar na vacinação e reduzir a desigualdade nas coberturas vacinais, que se dá tanto entre estados, como entre municípios e até entre populações dentro de cada cidade.

"O que a gente precisa pensar é que toda política pública deve ter por princípio minimizar as iniquidades que acontecerem em cada escala geográfica. 

É preciso uma política coordenada do governo federal para reduzir as iniquidades entre estados. Os estados precisam ter essa leitura para reduzir a desigualdade entre os municípios, e os municípios, para reduzir entre os bairros. E tudo isso tem que acontecer de forma coordenada."

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, ainda é difícil dizer se a queda do número de casos, proporcionada pela imunidade das vacinas somada aos anticorpos adquiridos pelas pessoas infectadas pela Ômicron recentemente, vai ser o suficiente para indicar o fim da pandemia.

Ele ressalta que a expectativa de um cenário mais positivo depende de não surgir uma nova variante de preocupação capaz de causar uma nova onda de contágio.

Citada no mundo exemplo por sua capacidade de rastreio de casos, a Coreia do Sul registrou na semana passada o maior número semanal de mortes por covid-19 desde o início da emergência sanitária, ultrapassando mil óbitos em sete dias pela primeira vez, segundo a OMS.

Até janeiro de 2021, o país não havia registrado mais de 10 mil casos de covid-19 em um único dia nenhuma vez, entretanto, em março, esse patamar diário já chegou a 300 mil. 

A situação no país asiático se agravou mesmo com 86% dos 50 milhões de coreanos vacinados com duas doses ou dose única.

A Organização Mundial da Saúde também monitora o surgimento de uma nova variante, que combina estruturas genéticas da Delta e da Ômicron, e por isso foi chamada de Deltacron. Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, a pandemia está longe de acabar.


Endemia requer estabilização

Os pesquisadores apontam que a transição da pandemia para a endemia depende da estabilização do número óbitos em um patamar baixo e entre em uma trajetória previsível, mesmo que haja períodos recorrentes de maior circulação, como no caso do Influenza A. 

A partir dessa estabilização, autoridades de saúde pública passam a ter condições de se programar para a demanda por atendimento.

O infectologista Júlio Croda (FIOCRUZ) reiterou a importância da vacinação contra a Covid-19, para todas as faixas etárias, e afirmou que a dose de reforço “deve ser a prioridade número um no Brasil”.

“A prioridade número um no Brasil é a dose de reforço, e lógico imunizar as crianças. 

Qualquer dose de vacina protege, duas ainda mais, três doses têm uma proteção muito elevada contra a internação e óbito”, afirmou.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro publicou em seu perfil no Twitter que o Ministério da Saúde estuda rebaixar a situação da covid-19 no Brasil para endemia, o que significa que a doença passaria a ser considerada parte do cotidiano, como outras doenças já acompanhadas pelos sistemas de saúde. 

Em nota divulgada no mesmo dia, o Ministério da Saúde confirmou que já estava adotando as medidas necessárias para reclassificar o status da covid-19 no Brasil que, atualmente, é identificado como pandemia.

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo ressalta, no entanto, que a situação de pandemia é internacional, afeta todos os continentes, e por isso foi declarada pela Organização Mundial da Saúde

“Quem vai definir o final da pandemia não é nenhum país, é a própria OMS, que declarou a pandemia", afirma. 

"Um país pode decretar o fim do estado de emergência, tirar as medidas restritivas, suspender o uso de máscara, levantar barreiras, todavia quem declara o fim da pandemia é a OMS a partir de dados que ela monitora no mundo inteiro”, compete somente a ela essa função. 








Fontes





















11 março 2022

DO FASCISMO À DEMOCRACIA

DO FASCISMO À DEMOCRACIA


"O mestre não é apenas aquele que ensina noções, que deixa que você participe dos seus conhecimentos, mas é também aquele que com a sua vida e com as suas palavras ensina o rigor moral, o respeito pelo outro, a recusa de todas as falsidades e superficialidades, a capacidade de escolher com base nos seus próprios princípios". (N. Bobbio)

Contribuições de Gramsci, Nelson Werneck Sodré e Umberto Eco, ao estudo do fascismo. Contra o fascismo de todos os tempos.



Segundo Gramsci, o fascismo se caracteriza pela leviandade, irresponsabilidade, desonestidade, ganância e vileza política.

A primeira liberdade que o fascismo combate é a liberdade de organização e dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais, dos pobres. 
Em seguida, ou concomitantemente, a liberdade de expressão.

O fascismo arrasta atrás de si um bando de inconscientes, aventureiros e delinquentes.

Para Nelson Werneck Sodré, eles são adeptos do capitalismo mais agressivo, que se define pelo desprezo absoluto pelas leis escritas, leis morais, pela pessoa humana e pelas conquistas da civilização e da cultura.

Para Umberto Eco, o fascismo sempre odeia a cultura. A suspeita em relação ao mundo cultural sempre foi um sintoma do fascismo.

Integram a essência do fascismo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as piores demonstrações de racismo.



1) Quando se fala o tempo todo que alguém sem conhecimento nem educação é melhor que alguém bem informado, é preciso perguntar: melhor para quem?

2) É preciso coragem para dizer que os bons foram derrotados porque eram fracos e não porque eram bons.

3) A ambiguidade caracteriza o falso. A verdade que se opõe à mentira tem que ser prática, factual, inegável e ir ao coração da matéria. A verdade tem que tornar as pessoas capazes de influir sobre os acontecimentos.

4) O fascismo é forma mais crua, mais descarada, mais opressiva e fraudulenta do capitalismo. Não se pode levar a sério quem denuncia as brutalidades do fascismo mas não combate o capitalismo. Estes não são contra as relações de produção que produzem a barbárie, apenas são contra a barbárie.

5) Fascismo não é uma catástrofe natural. É preciso tratar de verdades práticas, produzir conhecimento sobre como evitar uma catástrofe (inclusive a natural) e mostrar que se pode resistir mesmo nas condições mais terríveis.

6) É preciso escrever a verdade e dirigi-la a quem é capaz de fazer uso dela. A verdade é guerreira. Ela não luta só contra a falsidade, mas também contra as pessoas que disseminam a falsidade.

7) É preciso saber usar as palavras. Seguir o exemplo de Confúcio, que em lugar de escrever “fulano foi morto”, escreveu “fulano foi assassinado” e, em lugar de escrever “o tirano foi morto”, escreveu “o tirano foi executado”. Outros mestres da tática de Confúcio: Thomas More, Jonathan Swift, Voltaire, Lenin e Lucrécio.

É preciso retirar o misticismo preguiçoso das palavras. Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome.

8) A propaganda a favor do pensamento é sempre útil para a causa dos oprimidos. O pensamento é desqualificado em regimes que servem à exploração. Tudo o que é útil aos oprimidos é desqualificado. Sob governos fascistas, pensar é desqualificado como ordinário.

9) Um modo de pensar que dá ênfase ao transitório é um bom meio de encorajar os oprimidos. O pensamento deve dar destaque às contradições e ao modo como elas se desenvolvem.

10) Governos que não querem ver exposto o seu papel na produção da miséria falam muito em destino.

11) Sem identificar a verdade básica do nosso tempo, nenhuma verdade importante pode ser encontrada. A grande verdade do nosso tempo é que estamos mergulhados na barbárie porque as relações de produção só podem se manter pela violência.

Temos que dizer quais as medidas a tomar para acabar com as condições de produção da barbárie. E dizê-lo aos que têm interesse em mudar as relações de produção: os trabalhadores e os que podem se aliar a eles porque também não são proprietários dos meios de produção, mesmo que se beneficiem dos lucros.

A verdade há de ser uma arma nas mãos certas e tem que ser divulgada com astúcia para não cair em mãos inimigas.

Fascismo é a ditadura terrorista e aberta dos elementos mais reacionários, nacionalistas e imperialistas do capital financeiro.

12) Aos que dizem que o fascismo emergiu como falha da educação, é preciso lembrar que os fascistas também acham que a educação foi negligenciada. E eles acreditam em sua capacidade de influenciar corações e mentes. Combinam a brutalidade das suas câmaras de tortura com a brutalidade das escolas, jornais e demais espaços de propaganda.

13) O fascismo primeiro atacou os trabalhadores e suas organizações. Só depois começou o ataque à cultura.

14) É impossível combater o fascismo e preservar o capitalismo. Isto significaria reconduzir o capitalismo a uma posição mais frágil que ele já abandonou por considerá-la insustentável. Abandonou a forma liberal-nervosa sujeita às “chantagens” do proletariado e tenta enfrentar a sua crise na mais descarada e brutal forma de Estado. Rapidamente toda a burguesia vai entender que o fascismo é a melhor forma de Estado para o capitalismo da nossa época, assim como o liberalismo foi na anterior.

15) O mais perigoso, o único inimigo real do fascismo, como ele mesmo sabe e declara aos quatro ventos, é o comunismo. Agora a questão não é saber se o comunismo tem força para enfrentar o fascismo, mas sim fortalecê-lo.

16) A classe dominante é tão racional que só usa a razão em escala estritamente necessária e liberta as bestas do irracionalismo de modo racional e metódico.

17) Para o capital, guerra é um negócio como outro qualquer, mesmo quando é perdida.

18) A socialdemocracia sacrifica a nação para salvar os negócios, mesmo quando todo mundo sabe que, quando a nação é sacrificada, os negócios também são. A socialdemocracia não tem visão de futuro nas questões internas nem nas externas. Ela não divulga os ideais socialistas e não implementa o programa socialista. Depois não entende por que a pequena burguesia e o proletariado aderem ao fascismo!

19) Socialismo não é distribuição de mercadorias, mas distribuição da produção. A produção tem que se expandir, ser planejada, liberta da necessidade de extorquir mais-valia e produzir lucro. O único adversário do programa fascista é o socialista. Mas a socialdemocracia propaga o medo do comunismo e, com ele, o medo do socialismo. Para combater o fascismo, os socialdemocratas precisam fazer o exato oposto do que fazem.

20) Nós, artistas de teatro, temos que convir que nos tempos que correm continuar vivo já é uma arte. O teatro pode contribuir para a arte de continuar vivo aprendendo com o inimigo: assim como o inimigo usa técnicas teatrais com objetivos não artísticos, nós também não teremos objetivos artísticos.

O teatro pode apresentar aos espectadores a chave para examinar os problemas sociais.


III. Contribuição de Guy Débord (A sociedade do espetáculo)

Por mais que seja adepto da mais conservadora ideologia burguesa, em si mesmo o fascismo não é fundamentalmente ideológico. Ele é arcaizante em seu recurso ao mito para organizar a comunidade definida por pseudo-valores arcaicos. O fascismo é arcaísmo tecnicamente equipado e constitui um dos fatores do espetáculo moderno, a começar pelo papel essencial que desempenha na destruição do movimento operário.






O CONCEITO DE FASCISMO  


I

O que é o fascismo? Comecemos por dizer francamente que a nossa repulsa por ele não nos impede de considerá-lo um dos fenômenos políticos mais significativos do século XX. E a existência de uma vastíssima literatura dedicada ao tema sugere que o nosso ponto de vista não é muito original: milhares de pessoas já viram no fascismo uma realidade que merecia tornar-se objeto de estudos, reflexões, comentários, pesquisas, reportagens, interpretações, crônicas, escritos das mais variadas espécies. Quem se aventurar a penetrar nessa floresta de papel impresso, porém, verificará sem dificuldade que a imensa literatura sobre o fascismo é profunda e incuravelmente contraditória. Nós fizemos a experiência. E, mesmo fazendo abstração dos esforços desenvolvidos explicitamente no sentido de legitimar as posições fascistas, mesmo deixando de lado a literatura de propaganda do fascismo, tropeçávamos a cada passo com formulações provenientes de fontes ditas “liberais” ou até “socialistas” cujo uso social (independentemente das intenções subjetivas de seus autores) implicava impedir que o fascismo fosse efetivamente compreendido, implicava confundir e enfraquecer as forças capazes de se opor com firmeza às tendências fascistas. 

Por isso, quando retornamos do passeio que fizemos ao longo do material consagrado à discussão em torno do fascismo (um passeio em que nunca tivemos a pretensão de “esgotar” a matéria e nem mesmo a ilusão de nos tornarmos “especialistas”), decidimos escrever esse trabalho, um trabalho obviamente polêmico, cuja intenção é apenas a de facilitar a participação do público brasileiro na importante batalha teórica que vem sendo travada há várias décadas no interior da literatura sobre o fascismo. Essa batalha continua, e provavelmente continuará ainda por muitos anos. Ela faz parte do confronto teórico geral que se realiza em torno de todos os temas “quentes” das ciências sociais. O fascismo é, com toda a certeza, um desses temas. É, aliás, um tema tão “quente” que costuma provocar queimaduras.



II

Por seu alto teor explosivo, a palavra “fascista” tem sido frequentemente usada como arma na luta política. É compreensível que isso ocorra. Para efeito de agitação, é normal que a esquerda se sirva dela como epíteto injurioso contra a direita. No entanto, esse uso exclusivamente agitacional pode impedir a esquerda, em determinadas circunstâncias, de utilizar o conceito com o necessário rigor científico e de extrair do seu emprego, então, todas as vantagens políticas de uma análise realista e diferenciada dos movimentos das forças que lhe são adversas. Nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão, por mais feroz que seja, exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de ditadura ou de autoritarismo. A história da humanidade registra episódios de extrema crueldade em momentos de tirania a mais absoluta, mas nem por isso tem sentido sustentar que na antiga Esparta havia um Estado fascista ou classificar Nero, em Roma, de fascista. O conceito de fascismo também não nos ajudará absolutamente nada no exame do fanatismo da Santa Inquisição ou no estudo da monstruosa conquista do Peru pelos espanhóis. 

Mesmo aplicado a movimentos, organizações e regimes do nosso século, a formações sociopolíticas contemporâneas que recorrem sistematicamente ao terror contrarrevolucionário, o conceito pode se prestar a equívocos. Um exemplo: o falecido (e nada saudoso) François Duvalier, o “Papa Doc”, representa no Haiti um fenômeno comparável ao de Hitler e Mussolini? Na crônica das perversidades, é possível que a ação dos Tonton-Macoutes até supere a truculência dos squadristi e a ferocidade dos SA, mas a significação histórico-mundial do que se passou na Itália, durante os anos de 1920, e na Alemanha, durante os anos de 1930, é muito diferente da do regime do “Papa Doc”. A tirania de Duvalier não passa de uma variante extemporânea (nem por isso menos trágica) do despotismo reacionário de velho estilo, cujas formas de existência foram sendo banidas dos centros da história contemporânea e só subsistem relegadas à periferia do nosso mundo. Mussolini e Hitler, ao contrário, conquistaram um lugar no próprio centro da história do nosso século, como pioneiros de uma nova concepção política da direita. 




III

O recurso aos conceitos de “direita” e “esquerda” tem sido, ultimamente, muito questionado. Porém, se formos verificar, perceberemos que aqueles que negam validade à contraposição clássica de direita e esquerda nunca são homens de esquerda. O historiador Enzo Santarelli lembra, a propósito, que no Congresso de Roma (novembro de 1921), o recém-eleito deputado Dino Grandi explicou a seus colegas de partido que ele e os demais fascistas só tinham ocupado as cadeiras situadas à direita na Câmara por razões “topográficas e pugilísticas” e não por motivos programáticos.1 Na realidade, o conceito de direita é imprescindível à  uma correta compreensão do conceito de fascismo, embora seja mais amplo do que este: a direita é o gênero de que o fascismo é uma espécie. E o objetivo do presente ensaio é exatamente esclarecer o que é que essa espécie apresenta de novo no quadro da evolução geral do gênero a que ela pertence. Em sua essência, a ideologia da direita representa sempre a existência (e as exigências) de forças sociais empenhadas em conservar determinados privilégios, isto é, em conservar um determinado sistema socioeconômico que garante o estatuto de propriedade de que tais forças são beneficiárias. Daí o conservadorismo intrínseco da direita.

O conteúdo conservador de uma concepção não implica que ela se exteriorize necessariamente numa política de resistência passiva à mudança. Os conservadores sabem que, para uma política ser eficaz, ela precisa ser levada à prática através de iniciativas concretas, manobras, concessões, acordos, golpes de audácia, formas de arregimentação das forças disponíveis que transcendem da mera atitude doutrinária. A efetiva conservação dos privilégios depende menos de esforços lógicos do que de energia material repressiva: para o responsável pela prisão é mais importante que os guardas sejam de confiança e as portas das celas sejam sólidas do que persuadir os presos da excelência do sistema penal vigente. Um certo pragmatismo, portanto, se encontra em todas as expressões qualificadas da direita, tanto em Metternich quanto em Disraeli, tanto em Bismarck quanto em Churchill. Mas a ideologia da direita encerra uma contradição interna, que se manifesta com clareza tanto maior quanto mais abstrato é o nível da sua fundamentação teórica: na medida em que a direita produz seus ideólogos mais ambiciosos (os seus filósofos), não pode impedir que eles se lancem em busca de princípios mais universais para a ideologia que estão ajudando a elaborar. E a busca da universalidade torna a ideologia da direita menos funcional, danifica a solidez das suas articulações pragmáticas, inevitavelmente particularistas. O próprio sistema em cuja defesa as classes dominantes se acumpliciam, um sistema que gravita em torno da competição obsessiva pelo lucro privado, impede que as forças sociais em que consiste a direita sejam profundamente solidárias: elas só se unem para os objetivos limitados da luta contra o inimigo comum.

Os ideólogos que, com maior ou menor consciência, representam o conglomerado insuficientemente coeso das classes conservadoras precisam competir entre eles. E a representação de cada grupo se esforça por apresentar seu ponto de vista como mais válido, quer dizer, mais universal que o dos demais grupos. A cínica confissão do caráter pragmático, “arbitrário”, de uma mera defesa de interesses particulares enfraqueceria a posição de um ideólogo conservador de tipo tradicional nessa competição. Por isso os ideólogos conservadores tratavam de formular princípios “generosos”: tais princípios revelavam na conquista das consciências uma eficácia mistificadora superior à da secura pragmática. Mas, aumentando o poder de mistificação da ideologia da direita, eles aumentavam também, inevitavelmente, os seus elementos de automistificação. Embriagados com os princípios “generosos” que haviam forjado, os grandes ideólogos da direita perdiam a capacidade de legitimar com suficiente agilidade e eficácia as jogadas dos líderes políticos, “práticos”, dos grupos conservadores a que estavam ligados. Essa contradição interna do pensamento da direita tornava para ela extremamente problemática a coordenação do seu trabalho de resolução de problemas teóricos com o seu trabalho de resolução de problemas práticos. Os ideólogos especulativamente melhor aparelhados da direita (como Schopenhauer, Nietzsche, Bergson) não assumiam funções significativas na direção de organizações conservadoras especificamente políticas. E os dirigentes políticos efetivos da direita não mostravam nenhum talento especulativo, em suas tentativas de teorização. (Basta-nos lembrar a unidade de teoria e prática em Marx, Engels e Lenin para termos ideia de como a situação da direita contrastava com a da esquerda). O fascismo representou, na história contemporânea da direita, uma enérgica tentativa no sentido de superar a situação altamente insatisfatória que a contradição de que vínhamos falando tinha criado para as forças conservadoras mais resolutas. Enfrentando o problema das tensões que se haviam criado no âmbito da direita entre a teoria e a prática, o fascismo adotou a solução do pragmatismo radical, servindo-se de uma teoria que legitimava a emasculação da teoria em geral.2 

2 “A ação enterrou a filosofia”, dizia o Duce: L’azione ha seppellito la filosofia (Opera Omnia, vol. XVIII, p. 465).



IV

Para elaborar suas concepções, o fascismo foi, pragmaticamente, buscar ideias no campo do inimigo. Numa direita apavorada com a revolução proletária, era natural o impulso de macaqueá-la, “assimilando-a” desfigurada para tentar neutralizá-la. Os conservadores se puseram, então, a ler Marx, a estudar o socialismo. Alguns desertores do movimento socialista vieram ajudá-los na tarefa de saquear o arsenal ideológico do marxismo. A essência do pensamento de Marx era naturalmente incompatível com os interesses vitais das classes conservadoras, mas a direita não estava iludida a esse respeito e não tinha a menor intenção de se converter ao marxismo: o que ela queria era “importar” do marxismo alguns conceitos, desligando-os do contexto em que tinham sido elaborados, mistificando-os e tornando-os úteis aos seus propósitos. Coube ao fascismo italiano empreender, pioneiramente, o assalto. Mussolini, ex-agitador do Partido Socialista, que em 1910 dirigia uma publicação intitulada Lotta di classe (em Forli), passou-se com armas e bagagens para o lado da burguesia e se incumbiu de vender-lhe a sua interpretação da teoria da luta de classes. Segundo essa nova interpretação, Marx havia descrito com vigor uma dimensão real da história, um fato essencial da evolução das sociedades (fato que, aliás, conforme ele mesmo reconhecera, Marx não fora o primeiro a observar). Havia, porém, no filósofo alemão, uma certa ingenuidade que Mussolini julgava ter superado: Marx acreditava que, na fase atual da sua história, a humanidade estava preparada para, através da ação revolucionária do proletariado, pôr fim à luta de classes e criar o comunismo. Mussolini encarava a luta de classes como um aspecto permanente da existência humana, uma realidade trágica insuperável: o que se precisava fazer era discipliná-la, e o único agente possível dessa ação disciplinadora teria de ser uma elite de novo tipo, enérgica e disposta a tudo. Além disso, Mussolini achava que Marx se tinha fixado exageradamente no confronto do proletariado com a burguesia e tinha deixado de lado um aspecto da luta de classes que era ainda mais importante que o outro: a luta entre as nações proletárias e as nações capitalistas. (A burguesia italiana, que tinha chegado tarde à partilha do mundo pelas potências imperialistas, não podia deixar de ver com simpatia esse “desenvolvimento” da teoria da luta de classes, que legitimava as reivindicações imperialistas que ela, como representante da Itália-proletária, apresentava aos ingleses e franceses.) Ainda mais significativa que a interpretação fascista da luta de classes, porém, foi a interpretação fascista de outro conceito de Marx: o conceito de ideologia. Marx havia formulado o princípio da unidade da teoria e da prática e havia sustentado que toda produção cultural, todo pensamento significativo, nasce, vive e morre (ou se transforma) em visceral ligação com as condições materiais de vida dos seres humanos que a elaboraram, numa ligação essencial com as condições sociais do mundo determinado em que essa cultura “brotou”. Marx mostrou que qualquer tentativa no sentido de analisar uma teoria fazendo abstração de seu uso social só podia encerrar uma mistificação. Mas nunca lhe passou pela cabeça reduzir o patrimônio de verdades dos seres humanos a uma função episódica, circunstancial, a uma instrumentalização estreita, ao uso imediato de um momento fugaz. Marx sabia que a dimensão da mudança só pode ser pensada concretamente se não perdermos de vista os problemas relativos à continuidade da história. Marx não era Heráclito de Éfeso, que não acreditava na possibilidade de um homem tomar banho duas vezes no mesmo rio, não absolutizava de maneira unilateral e abstrata a transformação constante a que todos nós estamos sujeitos. Quando, na sua Introdução geral à crítica da Economia Política, falou da arte grega clássica, não deixou de chamar a atenção para o fato de que era mais fácil explicar em que Homero e Ésquilo exprimiam a sociedade grega de seu tempo do que explicar por que as obras que deixaram superaram as barreiras da geografia e da cronologia e continuaram a ser fonte de prazer estético e lição viva para nós, ainda hoje. Reconhecendo a capacidade de persistência de certos valores, Marx não se afastou da história: apenas demonstrou claramente que não a concebia de maneira estreita, relativista, amputando-a da sua dimensão de continuidade. Mussolini, entretanto, transformou a teoria marxista da unidade da teoria e da prática numa identidade de teoria e prática. A teoria perdeu sua capacidade de “criticar” a prática: cortaram-lhe as asas, ela deixou de poder se elevar acima do solo onde surgia e se viu completamente instrumentalizada. Em lugar de se reconhecerem socialmente condicionadas (como em Marx), as verdades passaram a morrer, sistematicamente, pregadas na cruz da utilidade circunstancial que o cinismo dos fascistas encontrava para elas.3 


3 Cf. Mussolini: “Se la verità è incrinata, è invecchiata, è superata, noi non ci attacchiamo a questa verità come le ostriche allo scoglio, ma la gettiamo perché è diventata un impaccio al nostro cammino e al nostro progredire” (Opera Omnia, XVI, p. 174). E mais adiante: “Noi ci permettiamo il lusso di essere aristocratici e democratici, conservatori o progressisti, reazionari e rivoluzionari, legalitari e illegalitaria, a seconda delle circostanze di tempo, di luogo, di ambiente” (Opera Omnia, XVI, p. 212).





Mas o empenho político pragmático e radical do fascismo na luta contra a revolução exclui um relativismo absoluto. O relativismo é incapaz de armar os homens para o combate, ele impede a formação de bases suficientemente sólidas para as convicções apaixonadas que devem mover ao engajamento. Mussolini compreendia que o fascismo se beneficiaria da mais extrema flexibilidade ideológica e definia o fascismo como “um movimento super-relativista” (Opera Omnia, vol. XVII, p. 268), porém não lhe escapava também a necessidade de indicar aos seus liderados uma direção clara e permanente para a canalização das energias deles. “Negare il bolscevismo è necessario”, dizia o Duce, e completava: “ma bisogna affermare qualche cosa” (Opera Omnia, vol. XIII, p. 29). Era imprescindível um princípio sagrado, posto acima de qualquer discussão, imune a qualquer dúvida, capaz de funcionar como bússola quando o barco tivesse de manobrar em meio à tempestade, um valor supremo que nunca se degradasse e pudesse alimentar incessantemente a chama da fé no coração dos combatentes. Mussolini percebeu logo no começo da guerra de 1914-1918 qual poderia ser esse valor supremo, esse mito: a pátria. Ele próprio o diz, com sua franqueza habitual: “Criamos o nosso mito. O mito é uma fé, é uma paixão. Não é preciso que seja uma realidade. [...] O nosso mito é a nação, o nosso mito é a  grandeza da nação! (Noi abbiamo creato il nostro mito. Il mito è una fede, è una passione. Non è necessario che sia una realità. [...] Il nostro mito è la nazione, il nostro mito è la grandezza della nazione!) [Opera Omnia, vol. XVIII, p. 457]. A nação italiana era, evidentemente, uma realidade: uma realidade complexa, uma sociedade marcada por conflitos internos profundos, dividida em classes sociais cujos interesses vitais se chocavam com violência. Mussolini fez dela um mito, atribuindo-lhe uma unidade fictícia, idealizada. Aproveitando uma ideia do nacionalista de direita Enrico Corradini, apresentou a Itália como uma “nação proletária”, explorada por outras nações, e acusou seus ex-companheiros socialistas de utilizarem o proletariado italiano para, com suas reivindicações, enfraquecerem internamente o país em proveito dos inimigos que a Itália tinha no exterior. Para Mussolini, as contradições da Itália, agravadas pela guerra e pela crise do imediato pós-guerra, se resumiam numa única luta entre a nação e a antinação (lotta fra la nazione e l’antinazione) [Opera Omnia, vol. XIV, p. 172]. Processava-se uma absorção do social pelo nacional. A fórmula veio a se tornar um dos princípios básicos do fascismo e logo adquiriu notável influência em escala internacional. Hitler adotou-a e radicalizou-a, sustentando, já em 1922, que “nacional” e “social” eram conceitos idênticos (‘National’ un ‘Sozial’ sind zwei identische Begriffe).4 Assim como Mussolini utilizou a concepção da “Itália proletária” de Corradini, Hitler se apoiou nos escritos de um nacionalista de direita, Arthur Moeller van den Bruck, que, num livro publicado em 1923, O Terceiro Reich (livro que mais tarde viria a dar seu nome ao regime hitleriano), advertia a opinião pública de seu país para o fato de que as outras nações europeias, vencedoras da guerra de 1914-1918, estavam proletarizando a Alemanha. “Estamos nos tornando uma nação proletarizada”, dizia ele.5 O sentido social conservador dessa ideia era claro: tanto na Alemanha quanto na Itália, os trabalhadores eram convidados a ver em seus compatriotas capitalistas não os beneficiários de um sistema social baseado na exploração interna, mas sim colegas proletarizados (ou em vias de proletarização), vítimas de um sistema de exploração internacional.


4 Sozialismus, wie ihn der Fuehrer sieht, F. Menstre, ed. Heerschild, Munchen, 1935, p. 26.

5 Wir sind auf dem Wege, eine proletarisierte Nation zu werden (Moeller van den Bruck, Das Dritte Reich, p. 158). 




VI  

O recurso fascista ao mito da nação só pôde ser eficaz porque, em sua evolução, o capitalismo havia ingressado em sua fase imperialista: nos países capitalistas mais adiantados, o capital bancário havia se fundido com o capital industrial, constituindo o capital financeiro; as condições criadas nesses países exigiram deles a exportação sistemática de capitais; acentuou-se a competição em torno da exploração colonialista; e, no bojo da guerra interimperialista de 1914-1918, difundiram-se em alguns países acentuados ressentimentos nacionais, análogos, à primeira vista, às mágoas dos povos explorados. Havia, porém, uma diferença essencial entre os ressentimentos nacionais cuja difusão as classes dominantes patrocinaram na Itália e na Alemanha (e, em outros termos, também no Japão) e a autêntica revolta nacionalista dos povos submetidos à exploração colonial. O nacionalismo dos povos efetivamente oprimidos e explorados é tendencialmente democrático e se fortalece através da mobilização popular feita “de baixo para cima”. Ele nasce de um movimento cujas raízes se acham nas condições reais da nação e por isso a assume em toda a sua complexidade, em sua contraditoriedade interna, não precisa renegá-la e substituí-la por um mito. O pretenso “nacionalismo” fascista, ao contrário, por seu conteúdo de classe e pelas condições em que é posto em prática, exige a manipulação das massas populares, limita brutalmente a sua participação ativa na luta política em que são utilizadas, impondo-lhes diretivas substancialmente imutáveis “de cima para baixo”. Na prática, a demagogia fascista assume frequentemente formas “populistas”, lisonjeando o “povo”, prestando-lhe todas as homenagens e contrapondo-o à “massa” (que representa apenas o peso morto da “quantidade”). Mas esse “populismo” pressupõe um “povo” tão mítico como a “nação”, nos quadros da ideologia fascista. E todas as vezes em que alguma tendência no interior do fascismo se mostrou mais sensível a pressões “plebeias” e procurou aprofundar certos aspectos “populistas”, foi sumariamente cortada pelas forças que mantinham a hegemonia no movimento fascista. Basta lembrar aqui a queda de Gregor Strasser, na Alemanha, o afastamento de Farinacci, na Itália, ou a derrota de Kita Ikki, no Japão.



6 O nacionalismo que exprime os sentimentos de um povo explorado pelo capital estrangeiro ou que exprime a revolta de um povo contra imposições de outra nação é um nacionalismo essencialmente defensivo: seus valores podem levá-lo a hostilizar circunstancialmente os estrangeiros exploradores, mas ele não se afirma em contraposição à humanidade em geral e não nega os valores das outras nações. A valorização fascista da nação, ao contrário, exatamente porque é 6 Gregor Strasser, farmacêutico bávaro, tornou-se líder nazista no Norte da Alemanha e exerceu forte influência sobre Goebbels até 1926. No livro Kampf um Deutschland, publicado em 1932, insistia em que os nazistas eram socialistas, “inimigos mortais do sistema econômico capitalista”. Hitler mandou matá-lo em 30 de junho de 1934. Roberto Farinacci, líder do fascismo em Cremona, expoente da “linha dura”, assumiu a secretaria-geral do Partido Nacional Fascista para liquidar a oposição antifascista, mas não aceitou as manobras de composição de Mussolini com a Igreja e foi derrubado do cargo em 30 de março de 1927. (Ressurgiu, mais tarde, a serviço da política de Hitler). Kita Ikki, profundamente impressionado pelo movimento revolucionário chinês de Sun Yat Sen, lançou as bases de um movimento de libertação da raça amarela em luta contra a raça branca, num livro publicado em 1919 (Esboço de programa para a reforma do Japão), onde o fascismo assumia tons anti-imperialistas. Em 1937, tentou um putsch que fracassou e foi fuzilado.

inevitavelmente retórica, precisa ser agressiva, precisa recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os valores das outras nações e da humanidade em geral. Isso se verifica, por exemplo, numa frase do Discurso a las juventudes de España (1935), em que o fascista espanhol Ramiro Ledesma proclama: “Nos importan más los españoles que los hombres” (p. 52). No caso dos fascistas alemães, o fenômeno ainda se mostra com maior clareza, por causa da ideologia racista, que veio a fortalecer imensamente o chauvinismo. 7 



7 As proporções assumidas pelo racismo e pelo antissemitismo no caso do fascismo alemão contribuem para que alguns autores – como Leon Poliakov e Josef Wulf, por exemplo – percam de vista o fato de que na ideologia fascista é o chauvinismo que é essencial, e não o racismo. Pode existir um fascismo que não seja racista, mas não pode existir fascismo que não seja chauvinista.  



VII

Apesar de sua fragilidade intrínseca, o mito fascista da nação mostrou-se eficiente: brandindo-o exaltadamente, o fascismo conseguiu recrutar adeptos em todas as classes sociais (inclusive nas classes que nada teriam a lucrar com a sua política). As razões para essa eficácia derivam de um conjunto de circunstâncias. No plano cultural, a direita havia preparado terreno para o avanço do fascismo através de um bombardeio constante e prolongado, que destruía não só os princípios do liberalismo como, sobretudo, as convicções democráticas e a confiança nas massas populares, que poderiam constituir a única base suficientemente sólida para a oposição consequente à expansão das tendências fascistas. Em certos círculos intelectuais, ostentava-se acentuado desprezo pela “plebe”, pelas “moscas da praça pública”, como dizia Nietzsche. E essa difusão de preconceitos aristocráticos influiu sobre algumas forças potencialmente progressistas, levando-as a subestimar na prática a necessidade do trabalho político com as massas (Deficientemente preparadas no plano ideológico, deficientemente organizadas, inseguras e confusas, e submetidas a uma pressão que as desagregava internamente, as massas passaram a encontrar crescentes dificuldades para seguir os caminhos das soluções coletivas; suas energias começaram a se dispersar pelos múltiplos caminhos – socialmente ilusórios – das “soluções” individuais).

Nos planos econômico, social e político, por outro lado, haviam amadurecido tendências destinadas a desempenhar um papel ainda mais importante que o da preparação cultural para a expansão do fascismo. O capitalismo, como sistema, jogara os homens uns contra os outros, numa competição desenfreada onde só uma coisa podia contar: o lucro privado. Desenvolveram-se enormes metrópoles capitalistas, povoadas por multidões de indivíduos solitários, amedrontados, cheios de desconfiança. As condições técnicas da produção industrial aproximavam os seres humanos, socializavam a vida deles, mas as condições privadas, exacerbadamente competitivas, criadas pelo capitalismo para a apropriação da riqueza produzida afastavam-nos uns dos outros. Vítimas da tendência desagregadora que se fortalecia no interior da vida social, reduzidos a uma solidão angustiante, os indivíduos – reconhecendo sua fragilidade – ansiavam por se integrar em comunidades capazes de prolongá-los, de completá-los. O socialismo, apoiado sobre a massa do proletariado industrial, que o próprio capitalismo precisara concentrar em suas fábricas, representava uma perspectiva de atendimento a essa exigência, propondo uma reorganização prática da vida social, uma superação revolucionária das relações capitalistas de produção: por isso, o seu apelo e a sua mensagem encontraram eco nas massas populares em geral, além das fronteiras da classe operária em sentido estrito. Mas o socialismo, desenvolvendo-se num meio hostil e sob a poderosa pressão de seus inimigos, não podia permanecer imune à influência da ideologia dominante, isto é, à ideologia das classes dominantes: o amadurecimento das contradições da nova fase em que o capitalismo ingressara – a fase imperialista – acabou por se manifestar numa guerra interimperialista (a guerra de 1914-1918) e o movimento socialista, que já estava em crise, acabou por se cindir. E foi precisamente no auge da crise do movimento socialista, quando a cisão tumultuava no espírito de muitos a compreensão do seu sentido, que o fascismo passou a se empenhar a fundo na apresentação do seu mito da nação como algo capaz de satisfazer às exigências de vida comunitária, que os indivíduos, no quadro da sociedade capitalista, são levados a experimentar de maneira intensa porém frequentemente confusa. A classe operária foi, evidentemente, menos envolvida pela demagogia “nacionalisteira” dos fascistas do que a pequena burguesia e as chamadas camadas médias da população. Mas mesmo alguns trabalhadores chegaram a se entusiasmar com a ideia de pertencerem à “comunidade popular” (Volksgemeinschaft) dos alemães, à superior “raça ariana”; ou então – na Itália de Mussolini – chegaram a se entusiasmar com a ideia de serem os herdeiros do antigo império romano, de César e de Augusto, e de ajudarem a relançar as bases da grandeza italiana no mundo, partindo do conceito religioso da “italianidade” (Mussolini: “gettare le basi della grandezza italiana nel mondo, partendo del concetto religioso dell’italianità”, Opera Omnia, vol. XVI, p. 45). Na Itália e na Alemanha, países que só realizaram a unificação nacional na segunda metade do século 19, o chauvinismo fascista assumiu tons particularmente histéricos e monstruosos; mas a verdade é que o uso do mito da nação como sucedâneo da autêntica comunidade humana pela qual as pessoas anseiam é uma característica essencial do fascismo e se manifesta em todos os movimentos desse tipo, independentemente dos países em que se realizam e independentemente das formas particulares que assumem (seja no Dai Nihon kokusuikai, isto é, na “Sociedade da Tradição Nacional Japonesa”, com que o ministro Tokonami Takejiro tentou dividir os trabalhadores nipônicos em 1919, seja na “democracia orgânica” de Salazar ou no comparativo de superioridade da “Greater Britain” do fascista inglês Oswald Mosley). Aliás, já que mencionamos os aspectos mais “monstruosos” que a demagogia fascista assumiu, ao servir-se do mito da nação, na Itália e na Alemanha, convém alertar os leitores para o erro em que incorrem alguns estudiosos do fascismo hitleriano e do fascismo mussoliniano: eles ficam tão (compreensivelmente) impressionados com a “monstruosidade” do fenômeno que acabam por renunciar à tarefa de esclarecer por que ele chegou a ocorrer. Para esclarecer a eficácia do chauvinismo fascista, convém lembrar que ele conseguiu, às vezes, tirar proveito de críticas bastante bem fundamentadas aos imperialismos rivais. Durante a guerra com os ingleses, em 1940, Hitler lembrou, por exemplo, que a Inglaterra, com 46 milhões de habitantes, havia subjugado 480 milhões de habitantes de outros países e conquistado territórios que, somados, chegavam a ter 40 milhões de km2 . E acusou: “A história da Inglaterra é uma sequência de violações, de chantagens, de atos de prepotência, de opressão e de exploração de outros povos” (Discurso de 30/1/1940, em Der Grossdeutsche Freiheitskampf). 




VIII

Outra circunstância que não pode ser esquecida no exame das causas que permitiram os êxitos do fascismo nos anos de 1920 e 1930: o fascismo foi o primeiro movimento conservador que, com seu pragmatismo radical, serviu-se de métodos modernos de propaganda, sistematicamente, explorando as possibilidades que começavam a ser criadas por aquilo que viria a ser chamado de sociedade de massas de consumo dirigido. No bojo das transformações que lhe eram impostas pelas condições do imperialismo, o sistema capitalista, impelido a expandir-se, deixou de controlar apenas a produção e começou a estender seu controle também ao consumo, promovendo investimentos cada vez mais substanciais na propaganda dos produtos, para influenciar a conduta do consumidor. O fascismo percebeu, agilmente, que esse crescente investimento na propaganda, servindo-se de novas técnicas e de novos meios de comunicação, abria também novas possibilidades para a ação política, e tratou de aproveitá-las. No lugar da imagem dos políticos conservadores tradicionais, com seus fraques e cartolas, muitas vezes apoiando em bengalas seus vultos pálidos e senis, difundiu-se pela Itália inteira a imagem de um Duce cheio de vitalidade, viajando frequentemente de avião e ditando por telefone os artigos diários destinados aos leitores do seu jornal. No lugar da polida oratória parlamentar, impôs-se o discurso enérgico, de agitação, 8 pronunciado ao vivo em múltiplos comícios ou então ressoando por todo o país, graças ao uso sistemático (pioneiro) do rádio. (Hitler cuidou inclusive de promover o fabrico barato de uma grande quantidade de aparelhos de rádio padronizados – os “rádios do povo” – para que todas as famílias da “comunidade popular” alemã pudessem ouvir em casa, em condições de “igualdade”, a voz do Fuehrer). A principal vantagem dessa “imagem”, difundida com eficiência em escala massiva, é que ela disfarçava o conteúdo social conservador do fascismo e fixava a atenção da massa no “estilo novo”, “dinâmico”, nas potencialidades “modernizadoras” do movimento fascista. O movimento foi caracterizado por Goebbels como “tão moderno que o mundo inicialmente não pôde entendê-lo” (Der Faschismus und seine praktischen Ergebnisse, Berlim, 1934. No original: so modern, dass die Welt es nicht begreifen konnte). 


8 Por ter pragmaticamente renunciado a empenhar-se nas formas necessariamente complexas da elaboração teórica, doutrinária, o fascismo, concentrando-se nas formas simples da agitação, levou vantagem sobre as demais forças representativas da direita e explorou com maior proveito que elas as possibilidades oferecidas pelo rádio.  




IX

 Os imponentes investimentos dos fascistas no setor da propaganda nos impõem a pergunta: de onde provinham os fundos que eram investidos? Uma primeira resposta, óbvia, que nos ocorre imediatamente, é a de que o dinheiro só podia ser fornecido por aqueles que o tinham. Mas é preciso tentar esclarecer quais os setores que financiaram o fascismo. Normalmente, esse esclarecimento apresenta grandes dificuldades. Por sua própria natureza, esse tipo de fornecimento de dinheiro evita deixar-se documentar. Mas os historiadores conseguiram apurar numerosos casos de grande significação. Sabe-se hoje, por exemplo, que, no momento em que Mussolini estava bastante deprimido com a derrota eleitoral que os fascistas italianos sofreram em novembro de 1919, ele recebeu substancial apoio financeiro de alguns grandes industriais, entre os quais Max Bondi, do grupo Ilva, que era o principal grupo siderúrgico da Itália.9 Sabe-se, também, que, durante a crise que se seguiu ao assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti em 10 de junho de 1924, o grande capital poderia ter retirado seu apoio ao Duce e este teria 


 9 Cf. Renzo De Felice, Mussolini il Rivoluzionario, ed. Einaudi, Torino, 1965. E também Valerio Castronovo, “Il Potere economico e il fascismo”, em Fascismo e Società Italiana, Quazza e outros, ed. Einaudi, Torino, 1973.


caído, realizando-se a passagem do poder, sem grandes riscos, para uma coalizão de políticos liberais-conservadores recrutados entre os oposicionistas que abandonaram o Parlamento e foram reunir-se sobre uma das colinas de Roma, no Aventino. Mas o grande capital continuou a preferir a ditadura de Mussolini a um governo centrista comandado, digamos, por Giovanni Amendola. No caso da Alemanha, sabe-se, ainda, de coisas mais sérias. Sabe-se que, em 26 de janeiro de 1932, Hitler fez no Clube da Indústria de Dusseldorf um discurso no qual antecipava seu programa econômico de governo e seu discurso foi calorosamente aplaudido por várias dezenas de grandes industriais e grandes banqueiros. Num artigo publicado no Preussische Zeitung, em 3/1/1937, Emil Kirdorf, proprietário principal da empresa que explorava as minas de Gelsenkirchen, conta como, desde 1927, ele se empenhava em ampliar e aprofundar os contatos entre o Fuehrer e os representantes do capital financeiro. Entre estes, ao lado de Fritz Thyssen (que se orgulhava de financiar Hitler desde 1923), havia muitos que em 1931 já contribuíam com regularidade para o Partido Nacional- -Socialista, como Fritz Springorum, da Hoesch (indústria química), Albert Vögler, Ernst Poensgen e Ernst Brandi (das Empresas Unidas do Aço, Vereinigte Stahlwerke), Wilhelm Keppler, Rudolf Bingel (Siemens & Halske), Emil Meyer (Dresdner Bank), Friedrich Heinhardt (Commerz und Privatbank), Kurt von Schroeder (Bankhaus Stein) e diversos outros. Os autos do “Processo contra os principais criminosos de guerra perante o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (de 14 de novembro de 1945 a 1º de outubro de 1946)” estão cheios de depoimentos e documentos de vários tipos, que comprovam abundantemente a íntima vinculação do nazismo com o capital financeiro. No volume 35, à página 70, catalogado com o título de “Documento D-317”, encontra-se um texto em que o magnata Krupp explica que, quando Hitler desencadeou a guerra, “os empresários alemães empreenderam de todo coração a caminhada pelo novo curso; que eles, com a melhor disposição e conscientemente agradecidos, compreenderam e adotaram como suas as grandes intenções do Fuehrer, reafirmando-se como fiéis seguidores dele”. Outros textos, não menos eloquentes, mostram que, sem o apaixonado empenho da direção da IG-Farben no fabrico de borracha sintética e de produtos de magnésio, teria sido impossível a Hitler lançar-se à guerra.10 Mas há ainda um outro nível – mais abstrato – de vinculação do fascismo com os interesses básicos do capital financeiro. A guerra de 1914-1918 manifestou com clareza as profundas contradições existentes no mundo criado pelo capitalismo em sua fase imperialista. Pela concentração de poder econômico realizada em suas mãos, o capital financeiro foi levado a assumir a liderança na luta pela conservação (e correspondente atualização) do sistema. Para o capital financeiro, entretanto, o sistema só poderia ser salvo por meio de reformas que suprimissem certos estorvos, remanescentes da fase da “livre competição”, acentuassem a concentração do capital (uma forma de “racionalização” da economia) e aprofundassem a interdependência entre os monopólios e um “Estado forte”. 11 Antes da crise mundial do capitalismo em 1929, esse programa ainda encontrou dificuldades para se traduzir em formas claras. Mussolini, durante os anos de 1920, ainda hesitava quanto aos modos de concretizá-lo, insistindo demais no fato de que o Estado deveria ser politicamente forte, mas deveria esquivar-se a toda e qualquer intervenção na esfera econômica. Mais tarde, o Duce evoluiu no sentido de aceitar a intervenção do Estado na esfera econômica. Com Hitler, contudo, já não houve hesitação: subindo ao poder após a crise de 1929, o Fuehrer já assumiu seu posto de comando com uma clara visão das tarefas que o Estado teria fatalmente que assumir nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado.



10 Cf. Dieter Halfmann, Der Anteil der lndustrie und Banken an der faschistischen Innenpolitik, Pahl-Rugenstein, Colônia, 1974. Cf. também Eberard Czichon, Wer verhalf Hitler zur Macht?, Pahl-Rugenstein, Colônia, 1967. 


11 Convém frisar o termo interdependência. No capitalismo monopolista de Estado, o Estado depende do apoio dos monopólios, os monopólios dependem do apoio do Estado, mas não se processa uma fusão do Estado com os monopólios.



X

Em face do que já foi dito, podemos então formular uma primeira tentativa de conceituação do fascismo. Repetimos a pergunta com que iniciamos nossas considerações: o que é o fascismo? E respondemos: o fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara “modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário. Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro.



  
Michelangelo Bovero

Do cientista político Norberto Bobbio (1909-2004) "Do fascismo à Democracia" reune doze ensaios escritos ao longo de 32 anos de análise da história política da Itália. A seguir um texto desse importante pensador contemporânea. 

Prefácio à edição brasileira por Michelangelo Bovero, talvez a primeira tradução em outra língua que não o italiano da coletânea de ensaios de Norberto Bobbio que organizei em 1997, sob o título "Do fascismo à democracia".

São ensaios dedicados à história política e político-cultural italiana da primeira metade do século XX. Portanto, não seria implausível considerar que os acontecimentos e os personagens dos quais Bobbio trata aqui possam chamar a atenção exclusivamente do leitor italiano, e que, fora da Itália, a tradução de um livro como este corra o risco de não suscitar grande interesse, senão de alguns especialistas de história contemporânea, além, naturalmente, dos estudiosos do pensamento de Bobbio, particularmente difundidos na América Latina, e dos apaixonados leitores das suas obras, espalhados por todo o mundo e sempre atentos a extrair ensinamentos gerais, mesmo que indiretos, de seus escritos, qualquer que seja o tema. 

De meu ponto de vista, ao contrário, a fecundidade e a atualidade das análises de Bobbio contidas nestes ensaios vão muito além dos limites histórico-geográficos de seu objeto específico. Por isso, parece-me que deva ser considerada mais que oportuna esta tradução em língua portuguesa, proporcionada pela mesma editora brasileira que há poucos anos foi a primeira a publicar, e em tempo curtíssimo, considerando o edifício da obra, uma ótima tradução da substanciosa Teoria generale della política [Teoria geral da política], de Bobbio. 

A relevância para um público não apenas italiano deste livro dedicado à história política italiana possui acima de tudo uma razão objetiva. Os acontecimentos que conduziram à gênese e à afirmação do fascismo, depois à difusão da resistência contra o regime, e por fim à instauração da democracia constitucional na Itália, são por muitos aspectos e em muitos sentidos paradigmáticos. 

Exemplar, infelizmente, foi, em primeiro lugar, o próprio fascismo: um modelo banido, uma verdadeira praga política do século XX, que carrega a marca original "made in Italy" e que conheceu inúmeras imitações e adaptações em todas as partes do mundo. O modo pelo qual Bobbio reconstrói a natureza do regime e da ideologia fascista, isto é, do protótipo italiano da ideologia fascista, isto é, do protótipo italiano da antidemocracia, oferece um parâmetro para a análise comparativa de muitos fenômenos análogos. 

Mas também a agregação das forças antifascistas italianas em uma única frente de oposição ao regime, e sobretudo a sua convergência no projeto comum de refundar a convivência política tendo por base o pluralismo ideológico, representa uma história exemplar: a história do nascimento, ou renascimento, de uma comunidade democrática. 

Enfatizo que, exatamente a partir da reflexão sobre a experiência italiana, Bobbio extraiu um modelo teórico da gênese da democracia cujos momentos essenciais são especificados em uma série de pactos entre sujeitos políticos com interesses e aspirações ideas diferentes.

A formulação conclusiva do pacto de convivência política é a Constituição. Pois bem, também a constituição italiana de 1948, que foi a primeira a ser elaborada no imediato pós-guerra por obra de uma Assembléia constituinte eleita por sufrágio universal e pelo método proporcional, e cujas características e origem Bobbio reconstrói em um capítulo deste livro, pode ser considerada a seu modo exemplar: tanto é verdade que foi assumida como ponto de referência e, por muitos aspectos, exatamente como um modelo, por exemplo, pelos redatores da Constituição espanhola pós-franquista.

O mais forte motivo de interesse não circunscrito deste livro não é contudo objetivo, mas sim, subjetivo: quero dizer, reside não no seu objeto, mas no modo pelo qual o seu autor o enfrenta. 

Do fascismo à democracia não é apenas um livro de história, assim como Bobbio não é sobretudo um historiador, a não ser talvez no sentido no qual Hegel, referindo-se a si mesmo, interpretava a figura do filósofo como um "historiador pensante" e definia a filosofia como "o próprio tempo captado em pensamentos". 

Também em ocasiões, como esta, em que assume o papel de historiador de instituições e de ideologias, a a contribuição peculiar de Bobbio não reside tanto na reconstrução da realidade dos fatos, acontecimentos e personagens, mas na construção de categorias analíticas de vasto alcance para interpretar a realidade e dela colher o significado essencial. Destes ensaios dedicados à história da Itália emerge um modelo interpretativo e valorativo de horizonte mais amplo, aplicável portanto também a realidades historicamente distintas daquela oferecida pelo estudo de caso inicial.

Como procurei enfatizar na introdução à edição italiana do volume, a estrutura elementar do modelo aqui proposto por Bobbio consiste a dúplice equação entre fascismo e antidemocracia e entre democracia e antifascismo, que permite revelar a essencial negatividade lógica e axiológica do fascismo, cuja identidade se resume na negação total da democracia

Ao apresentar esta meritória edição em língua portuguesa, permito-me indicar (apenas por acenos e alusões) algumas direções ulteriores de análise e reflexão, nas quais poderia mostrar-se novamente fecundo e iluminador recorrer ao modelo conceitual construído por Bobbi nestas páginas.

Há algum tempo vêm se difundindo no mundo formas de agir político que os estudiosos designam de modo essencialmente negativo: "antipolítica". Mesmo que O conceito seja ainda nebuloso, seria necessário um Bobbio que o tomasse em exame e o redefinisse, o termo designa a visão e a estratégia de partidos e movimentos que visam a agregar consenso em torno de fórmulas demagógicas neopopulistas

Na Europa, muitos atores políticos de direita e de extrema direita, expressões do "chouvinismo do bem-estar" produzido pela globalização, vêm obtendo sucessos notáveis com métodos antipolíticos. 

Na América Latina são de fato alguns sujeitos, (supostos e atribuídos) de Direita, que se voltam às vítimas da globalização, assumindo os esquemas da assim denominada antipolítica. 

Eu estaria tentado, para designar a ambos, os de direita e de extrema direita, a adotar novamente o termo mais explícito "antidemocracia"; também para sugerir que, não obstante o consenso eleitoral obtido por esses atores políticos, trata-se de uma caricatura, aliás, de um arremedo de democracia: de uma democracia aparente que reveste e traveste formas incipientes de autocracia à custa de eletiva. 

E recorrendo ao modelo de Bobbio causar arrepios em historiadores profissionais, que mal suportam o uso extensivo do termo fascismo para designar realidades históricas distintas daquela originária italiana, e decididamente hostilizam a acepção genérica do mesmo termo no qual estão compreendidos vários tipos de regimes ditatoriais ou autoritários eu proporia caracterizar o variado fenômeno ao qual estamos assistindo em muitas partes do mundo, em diversos graus e formas, como fascismo pós-moderno: que, da mistura entre repressão violenta e engano demagógico própria do fascismo histórico, privilegia (até agora?) o segundo ingrediente; que fomenta a hiperpersonalização da política e por vezes dá expressão à figuras grotescas do poder carismático; que visa ao fortalecimento do executivo enfraquecendo vínculos e controles; que age em formas tendencialmente (mas por vezes claramente) eversivas da ordem consolidada nas arquiteturas constitucionais

Nos últimos anos de sua vida ativa, o próprio Bobbio sublinhou a analogia entre o Partido Fascista e Forza Itália, o partido pessoal inventado por Berlusconi, apontando em ambos a natureza essencialmente "eversiva".

Em um dos ensaios incluídos no presente volume, escrito em 1983, depois de ter recordado o juízo irônico de Marx, segundo o qual certos fenômenos históricos se apresentam duas vezes, primeiro como tragédia, depois como farsa, Bobbio observava que o fascismo fora a um só tempo tragédia e farsa: "o tribunal especial e o salto através do círculo de fogo...". Assim concluía, à época, que o fascismo não poderia se repetir

Hoje, um observador desencantado da realidade não teria muitas hesitações em julgar tal conclusão no mínimo apressada. E se fosse particularmente pessimista, proporia a hipótese de que talvez se tenha aberto um novo ciclo de tragédias e farsas, talvez com os termos invertidos: em suma, levantaria a dúvida de que muitos episódios políticos farsescos, de fascismo pós-moderno, dos quais somos, em variada medida (e não apenas na Itália), espectadores, que não se divertem, poderiam preceder novas tragédias.

Um escritor do século XIX, Vincenzo Gioberti, dedicou uma obra ao enaltecimento do Primato morale e civile degli italiani [Primado moral e civil dos italianos]. Nas mais recentes estações políticas, tive com freqüência a tentação de inverter a retórica giobertiana, denunciando o primado imoral e incivil dos italianos, que no início do século XX ofereceram ao mundo o modelo do fascismo, e, não satisfeitos, no fim do milênio, quase como prefiguração grotesca do apocalipse, levaram à ribalta uma variante inédita da antidemocracia, baseada na idiotização midiática dos cidadãos

Bobbio costumava repetir que a Itália é um laboratório político. Permito-me  acrescentar: por vezes parece o laboratório de Frankenstein. Produz monstros. E porque muitos produtos "made in Italy" demonstraram saber alcançar estrondoso sucesso, recomendo a todos continuarem a observar atentamente o que sai do nosso laboratório. Para o bem, e para o mal. Produzimos também coisas boas. Aqui, como conclusão, só posso recomendar também como meio para nos dotarmos de anticorpos  contra os perigos de uma nova forma de antidemocracia travestida de democracia eleitoral, de um fascismo pós-moderno a leitura deste volume: um produto melhor cultura italiana. Digo-o sem fingimentos, com o orgulho do aluno.









1. Contextualização

(...)

O Brasil fez figura – e má figura – nesse quadro de degeneração democrática com a eleição, em outubro de 2018, de um ex-militar historicamente acusado de planejar atentados terroristas, chefe de um clã familiar suspeito de envolvimento e de ativa participação junto às milícias do Rio de Janeiro e com um currículo de 30 anos de vida política preenchida exclusivamente por discursos de natureza fascista. A vitória de Jair Bolsonaro, embalada, ao menos na superfície, por uma combinação de lavajatismo (em referência à Operação Lava Jato), antipetismo e ressaca de crise econômica[10], trouxe à cena no palco da política brasileira a associação (não inédita, frise-se) entre extrema-direita política, reacionários morais e comportamentais vários e liberais ortodoxos em matéria econômica, acrescidos, desta feita, de turbas e milícias digitais – ingrediente inédito na tradição do reacionarismo autoritário brasileiro.

Inspirado, de um lado, pelo chamado olavismo e, de outro, pelo “guedismo” (uma visão privatista reducionista de liberalismo econômico), com o suposto institucionalismo militar ocupando uma posição intermediária, o governo Bolsonaro mostrara-se em flagrante desacordo com os princípios mais elementares da democracia liberal representativa constitucional já em seu primeiro ano de mandato. Em 2019, desfilaram os escândalos políticos de variados portes, todos com a inequívoca e inamovível marca do autoritarismo iliberal que define o bolsonarismo, tendo a afronta aos demais poderes da República, a intimidação da imprensa e das vozes críticas da sociedade civil e a premeditada degradação institucional servido, combinadamente, como norteadores para uma suposta “revolução conservadora” de que Jair Bolsonaro seria o líder. Tal cenário radicalizou-se de modo singular já nos primeiros meses de 2020, quando, ainda em janeiro, o Secretário Nacional de Cultura protagonizou um vídeo oficial de perfil abertamente nazista, seguido pelo agravamento da imobilidade do governo em fevereiro, e chegando ao ápice com a eclosão da crise sanitária deflagrada pelo chamado novo coronavírus em março.

Foi a partir da reação errática do governo federal no combate à pandemia de COVID-19 no País que suas características autoritárias, antidemocráticas e iliberais – núcleo da identidade política do governo – tornaram-se ainda mais explícitas, e para um número maior de pessoas, o que é fator decisivo. Descaso grosseiro com os mais pobres e mais afetados pela crise; combate à saúde e à ciência no lugar de combate à pandemia (haja vista, por exemplo, a demissão de dois ministros da saúde neste ínterim); teorias conspiratórias e fake news transformadas em política de Estado; participação ativa na concepção e na prática de diversas atividades golpistas e potencialmente criminosas; envolvimento suspeito, direto e indireto, com forças paramilitares de apoio ao governo; estímulo à fanatização mortífera de parcelas da população; organização, no centro mesmo do governo, de estruturas de ataque à imprensa e aos demais poderes, culminando na agressão física (já tornada comum) a jornalistas; aparelhamento institucional, seja em cargos próprios do Executivo, preenchidos por olavistas que compõem a assim chamada “ala ideológica” do governo, seja em órgãos de controle, como a Polícia Federal (não perdendo de vista o fato de que, ainda neste ano, Jair Bolsonaro indicará um novo ministro ao Supremo Tribunal Federal, já tendo anunciado que nomeará alguém “terrivelmente evangélico”) – eis, em síntese, o cenário em que se deu a escalada de mortes que levou o Brasil a ser um dos países em que a pandemia de COVID-19 causa uma devastação de vidas humanas das maiores proporções.

Foi no interior de tal crise, importa acrescentar, que se deu a queda do então Ministro da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, símbolo do combate à corrupção para expressiva parcela do eleitorado (precisamente aquela a que se pode chamar de lavajatista e antipetista) por sua atuação como juiz da Operação Lava Jato. Demissionário, o Ministro revelou um conjunto notável de crimes supostamente cometidos pelo Presidente da República, que, a serem comprovados, atestam inequivocamente o aparelhamento institucional e, em última análise, a implantação de um regime familiar-miliciano-militar à revelia do Estado de Direito, motivo pelo qual, agora mesmo, é periclitante a situação da República e é explícita a natureza fascista do atual governo.

Nesse contexto, a pesquisa acadêmica sobre a crise da democracia liberal, sobre as novas ondas populistas, ou sobre a ascensão da extrema-direita no Brasil, ao mesmo tempo em que ganha em relevância teórica, adquire também contornos de uma intervenção no debate público e na cena política cheia de uma urgência característica do melhor ensaísmo esclarecido – uma tradição nacional – e do alto jornalismo.

É bem verdade que a urgência e a relevância do assunto são quase que autoevidentes: basta ligar a televisão ou ler as primeiras manchetes de qualquer jornal. Por outro lado, e sobretudo em debates de natureza imediata, convém notar a justificação acadêmica para um projeto desta espécie. Muito embora já exista uma ampla discussão sobre uma suposta crise da democracia (parte manifesta nas obras mencionadas acima, de impacto relevante), é bastante comum – ainda mais quando tratamos de conceitos posicionais, interpretativos por excelência – que não mais se saiba exatamente sobre o que se está falando. Qual é a concepção de democracia que se discute (ou se postula como ideal)? Quais são exatamente as linhas demarcatórias possíveis que permitem a atribuição de um denominador comum aos diferentes governos democráticos e aos diferentes regimes iliberais? Quando falamos em esquerda ou direita, quando afirmamos ou negamos uma crise institucional, uma crise de representação, uma crise democrática, sobre o que estamos falando? O movimento a que chamamos bolsonarismo ou novo fascismo brasileiro, para ficar no exemplo diretamente relacionado à investigação, articula-se como “representante do povo”, prometendo uma “relação imediata” com esse mesmo “povo” reivindicado (remetendo, assim, à ideia de “democracia delegativa” como articulada por O’Donnell[11] e ao conceito de populismo como definido por Urbinati[12]). O governo abertamente iliberal teve apoio de autointitulados liberais; a “revolução” que se pretende “conservadora” seria anátema à tradição do conservadorismo britânico de Hooker a Oakeshott. Democracia, liberalismo, conservadorismo, esquerda, direita, centro. A pesquisa acadêmica de excelência, em respeito às exigências do rigor que marca o saber científico, é o que permite que a discussão e o debate sejam construídos com graus mínimos de responsabilidade conceitual.

O ponto é que, como se nota, estamos aqui tratando de um debate de natureza imediata. A crise da democracia, no Brasil de 2020, é constituída por pequenas grandes crises quase que diárias. O certo grau de distanciamento que marca a pesquisa acadêmica de qualidade não pode, ao mesmo tempo, caracterizar imobilismo ou complacência, sob pena de permanecer confinada aos gabinetes de uma suposta intelligentsia (que acabaria, paradoxalmente, por personificar exatamente um tipo de “elite descolada da realidade do povo”, como diria um típico slogan de movimentos populistas ao redor do globo). Assim, à combinação desse saber técnico, de avaliação aprofundada e interpretação matizada que caracteriza imperiosamente o bom trabalho acadêmico, deve somar-se, portanto, a crítica política ágil e informada, da cultura e da sociedade de nosso tempo, que é indissociável da boa prática jornalística e do melhor de nossa produção ensaística. A proposta, portanto, é acadêmica, mas não é apenas acadêmica; é de intervenção no debate público, mas não é apenas de intervenção no debate público. O que se pretende, aqui, é exatamente a construção de uma ponte entre o que há de melhor nessas duas esferas, permitindo uma articulação conjunta entre o saber acadêmico-científico e a atenção às circunstâncias de nosso presente em todas as suas peculiaridades, nuances e crises. Esse é o tipo de produção de conhecimento exigido pelo fenômeno social e político do bolsonarismo, cada vez mais articulado em termos de um novo fascismo brasileiro.

Considerando (1) que “democracia” é um termo posicional, contestável[13] – sendo reivindicado por todo tipo de grupo ou partido político, inclusive os antidemocráticos – e (2) que temos o rigor acadêmico como premissa fundamental, a tomada de posição aqui indicada exige algumas explicações de natureza mais teorética. Quando afirmamos que o bolsonarismo é um movimento político que efetivamente coloca a democracia em risco, não pretendemos aqui iniciar um mero exercício retórico ou articular qualquer tipo de acusação vazia, desprovida tanto de responsabilidade intelectual quanto de significado.

Pela natureza própria do conceito, é bastante difícil definir a democracia de forma taxonômica, como se fosse um simples conceito criterial. Interpretativo por excelência, o conceito convida à elaboração de diversas concepções distintas. De nossa parte, adotamos uma concepção na linha do que dizia Thomas Mann, em The Coming Victory of Democracy: “É insuficiente definir o princípio democrático [simplesmente] como o princípio majoritário, traduzindo a democracia literalmente, muito literalmente, como o governo do povo”; afinal, como alertava o próprio Mann, essa é uma expressão “de duplo significado”. Sem princípios mínimos que informem sua própria raison d’être, o governo da maioria pode estar “mais próximo da definição de fascismo”.[14] Essa ideia, tão bem ilustrada por Mann, é precisamente a consagração dos alertas já delineados por autores como James Madison, nos Federalist Papers, e Alexis de Tocqueville, no clássico De la démocratie em Amérique – alertas contra o que já se convencionou chamar na própria linguagem ordinária de tirania da maioria.

O ponto fundamental, aqui, é que a concepção de democracia que adotamos é mais do que um conjunto formal de critérios a serem preenchidos de modo a respeitar a regra majoritária, e eis tudo. Uma democracia liberal autêntica é a que consagra, respeita e materializa precisamente as conquistas do liberalismo democrático enquanto tal: noções como direitos humanos e sociais, pluralismo, tolerância, separação de poderes, ordem legal, constitucionalismo em sentido amplo, império da lei. Adotamos uma concepção de democracia representativa, que só é possível quando prevalece a ideia de que há órgãos intermediários entre governantes e governados. Partidos políticos, imprensa livre, Judiciário forte e independente; como não falar, então, em crise da democracia no Brasil, quando o Presidente da República diz coisas como “eu sou a Constituição”[15] e afirma que o “poder popular não precisa mais de intermediação”,[16] incentivando e até praticando a perseguição à imprensa,[17] cada vez mais atacada – inclusive de forma direta – por seus apoiadores?[18] Quando um de seus filhos, que já havia sugerido o fechamento do STF,[19] ameaça uma “ruptura institucional” após decisão da Suprema Corte?[20] Quando são mais do que relevantes os indícios de interferência política em órgãos de controle?[21]

Reafirmar a democracia em crise no Brasil, portanto, não é um mero jogo de palavras. É precisamente porque as palavras importam que a crise pode ser constatada, uma vez que são explícitos os ataques a todos os princípios que dão forma a uma concepção de democracia liberal que, parafraseando José Guilherme Merquior, encarece a exigência epistemológica para a caracterização de um conceito.

O mesmo vale para nossa afirmação de que lidamos com um novo fascismo. A despeito do reconhecimento de se tratar de termo com frequente emprego retórico, servindo de acusação dirigida contra adversários políticos, e, mais ainda, a despeito da evidente dificuldade para precisar conceitualmente o termo fascismo, que padece, em certo sentido, das mesmas peculiaridades acima descritas em termos da contestabilidade do predicado “fascista”, é fato que existe abundante produção acadêmica e intelectual oriundas da historiografia, da sociologia, da ciência política, da filosofia política, da economia e da psicologia que nos permitem usar tal vocabulário com suficiente rigor acadêmico na identificação do bolsonarismo como fenômeno fascista.

Basta indicar dois clássicos da bibliografia relativa ao tema para que possamos analisar o bolsonarismo com essas lentes. Considere-se, por exemplo, as chamadas “paixões mobilizadoras” do fascismo, tal como descritas e elencadas por Robert Paxton:[22] “o sentimento de um crise catastrófica, além do alcance das soluções tradicionais”; “a primazia de um grupo”, assim como a crença de que tal grupo é “uma vítima”; bem como “o pavor da decadência do grupo sob os efeitos corrosivos” da modernidade, do individualismo moderno, do conflito de classes ou de “ameaça estrangeira”. Uma a uma, tais paixões mobilizadoras têm comparecido com alarde no universo político do bolsonarismo, às quais pode ser acrescido o agravante encontrado na definição de Michael Mann,[23] que muito bem identificou a tendência para “construção de um Estado-nação transcendente e expurgado por meio do paramilitarismo” como tendo papel central na definição do fascismo – este mesmo fascismo que hoje caracteriza o bolsonarismo.[24]


2. Descrição: natureza, especificidades e propósito

O Projeto Bolsonarismo: o Novo Fascismo Brasileiro (BNFB) é uma iniciativa do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ, fruto da compreensão do atual momento político e social do País tal como descrito acima. Expressa, em seu formato, uma das convicções basilares do LABÔ, a saber, a necessidade de construir uma ponte entre a universidade e o grande público não especializado, unindo produção de conhecimento rigoroso em alto nível com ensaísmo de qualidade, acessível e de impacto, valendo-se, para tanto, de diversas plataformas de interlocução com a sociedade e de divulgação acadêmica e intelectual. Ainda, como sói ser o caso das atividades do LABÔ, o projeto aprofunda a vocação interdisciplinar e colaborativa das pesquisas do Laboratório, bem como seu compromisso de contribuir com produção de conhecimento para a compreensão de temas contemporâneos de notória relevância pública.

O Projeto BNFB nasce de uma dupla aposta interpretativa fundamental, que deve ser devidamente expandida e avaliada criticamente. Em primeiro lugar, está a identificação de um cenário de crise da democracia instaurado no Brasil (não de agora) e que tem conexões e similaridades fortes com o mesmo fenômeno vivido globalmente, ainda que com características próprias; assim, o BNFB recusa o argumento de uma permanente “normalidade” da vida democrática brasileira no período recente e nos dias em que corre o bolsonarismo oficialista, e frisa que os testes de “estresse” das instituições políticas do País são, em verdade, processos de implosão continuada dessas nunca devidamente bem formadas instituições, inserindo-se globalmente em uma perspectiva de abalo da democracia liberal constitucional representativa e dos seus mecanismos de funcionamento. Segundo, o reconhecimento do movimento político e social chamado de bolsonarismo como uma modalidade de fascismo político que dialoga tanto com a tradição do autoritarismo de direita no Brasil (como o integralismo e a ditadura militar, para dar dois exemplos) quanto com variadas experiências internacionais de perfil fascistizante – de Salvini a Orbán, por exemplo.

Em ambos os casos, impõe-se, é claro, a tarefa de precisar conceitualmente a jogada interpretativa aqui exposta, não apenas contrastando hipóteses rivais – quer acerca da democracia, em geral, quer acerca da natureza específica do bolsonarismo – como robustecendo as definições com que se opera para garantir tanto o primeiro quanto o segundo aspecto de tal linha de interpretação. É, contudo, partindo do pressuposto razoável no acerto do diagnóstico acima que o Projeto BNFB se propõe a investigar esse e todos os temas correlatos (detalhados a seguir, na seção 3). O resultado de tal investigação é, assim como sua própria natureza indica, distinto da produção acadêmica regular, pois não apenas (i) elege como matéria para exame um fenômeno multifacetado a se desdobrar correntemente, como (ii) se propõe a oferecer resultados também sob a forma de intervenções públicas no debate esclarecido do Brasil contemporâneo. Assim, algumas especificidades desta investigação precisam ser explicitadas:
o presente trabalho deverá expandir o procedimento de interdisciplinaridade e de método colaborativo, prática usual do LABÔ, e ativamente agregar aos esforços da investigação do BNFB pesquisadores das mais diversas áreas (ciência política, filosofia, sociologia, direito, economia, ciência de dados, gestão pública, antropologia, psicologia e psicanálise, filosofia da religião, etc.) que sejam capazes de contribuir para a melhor compreensão do fenômeno ora estudado; deve-se privilegiar, nesse sentido, a inclusão de pesquisadores de outras instituições universitárias com reconhecido trabalho em suas respectivas áreas de atuação, abrindo espaço para as mais variadas perspectivas teóricas, sempre com vistas a tornar o presente estudo plural, profundo e ágil; destaque-se, desde a origem deste projeto, a referência modelar do Observatório da Extrema-Direita, coordenado pelos professores Guilherme Casarões (FGV-SP) e David Magalhães (PUC-SP/FAAP) e Odilon Caldeira (UFJF), ainda em processo de institucionalização;
tal colaboração deve suceder de maneira voluntária, participativa e produtiva, tendo por base (i) a troca de informação especializada, de acordo com a legislação vigente, das áreas dos pesquisadores envolvidos, seja por meio de materiais produzidos previamente sobre tópicos atinentes ao tema da pesquisa, seja por meio de conferências, aulas e reuniões de trabalho (presenciais ou remotas); (ii) a produção de material escrito ou em mídias diversas (podcasts, vídeos, aulas e palestras) relativo aos temas que compõem este estudo;
o trabalho conjunto e cooperativo não gera nenhum tipo de vínculo entre os participantes e colaboradores e as respectivas instituições de atuação regular de cada pesquisador, aí incluso o próprio LABÔ;
a dimensão contemporânea do trabalho imprime à pesquisa um ritmo de avaliação conjuntural permanente, e agilidade e presteza na produção e veiculação de conteúdos a ela concernentes.

Em vista de sua justificativa, já devidamente contextualizada na seção 1, e de sua natureza essencial e especificidades acima relatadas, o presente trabalho busca atingir os seguintes objetivos concretos de curto e médio prazo:
coletar, organizar, analisar e divulgar dados relativos aos temas gerais da pesquisa, bem como aos diversos tópicos detalhados que compõem o projeto;
escrever e publicar artigos de natureza acadêmica sobre os tópicos listados abaixo (idealmente, ao menos um para cada tópico);
escrever e publicar artigos e ensaios de intervenção na imprensa escrita do País com vistas a publicizar os dados, as análises e as reflexões produzidas no interior desta pesquisa (idealmente, ao menos um para cada tópico);
Organizar e realizar, ainda em 2020, um seminário para apresentação de trabalhos com a temática da pesquisa;
Organizar e publicar um livro que reúna a produção final da pesquisa.

3. Temas a serem desenvolvidos

Tendo em vista a já mencionada natureza interdisciplinar e colaborativa do projeto, dividimos os grandes eixos temáticos que compõem a investigação do BNFB nos seguintes tópicos:

A – Fundamentação teórica geral e experiência global
A crise da democracia liberal e de suas instituições;
Extrema-direita, populismo e movimentos políticos iliberais;
Fascismo, integralismo, autoritarismo e bolsonarismo;
Democracia Digital Direta, redes sociais e fake news;

B – Símbolo, religião e fanatismo
Apropriação simbólica: Israel, USA, “Ocidente” e outros mitos da narrativa do BNFB;
O novo fanatismo de base religiosa: neopentecostalismo e tradicionalismo católico a serviço do BNFB;
O novo fanatismo de base política: “mito”, “guru” e realidade no BNFB;

C – Doutrina do BNFB
Olavismo, doutrina do BNFB;
Militares e o BNFB;
Nacionalismo “orgânico” e “transcendente” na retórica e na estratégia do BNFB;
“Revolução conservadora” e “mobilização permanente” no BNFB;
Afirmação da violência: culto da tortura, culto da agressão, culto do ódio e culto da morte no BNFB;
Obscurantismo e retórica anticiência e anti-intelectual do BNFB;
As teorias da conspiração do BNFB;

D – Milícias, milícias digitais e financiamento
Milícias, crime organizado e BNFB;
Milícias digitais e BNFB;
Estruturas de financiamento do BNFB: Luciano Hang, Winston Ling, Brasil 200 e demais redes;

E – Apropriação do Estado, ataque às instituições e corrosão democrática
Destruição e degradação institucional: princípio e tática do BNFB (análise geral);
Ruptura com os Poderes e desafio à democracia: do populismo ao fascismo com o BNFB;
Casos específicos a serem investigados: (a) aparelhamento, inoperância e aviltamento do MEC e do MCT na gestão do BNFB; (b) o ocaso do Ministério da Cultura sob as ordens do BNFB; (c) Meio-Ambiente e a ordem do BNFB para a devastação; (d) o fim da política de direitos humanos; (e) a diplomacia brasileira sob regime do BNFB;
Ambição de controle de força policial/militar e de criação de força paramilitar: das franjas lunáticas ao apoio real no centro de poder do BNFB;

F – Apoios, reais e digitais
A adesão dos institutos e dos movimentos liberais brasileiros ao BNFB;
A ilusão dos “bots” como “povo” na retórica do BNFB;
O “cidadão de bem” e o BNFB;
O servilismo voluntário: jornalistas, pundits e intelectuais do BNFB;
A síndrome de Chauí: conivência, adesão e silêncio de intelectuais em face do BNFB;

G – A Mente Reacionária
A retórica de ódio a minorias, a mulheres e a pobres no BNFB;
A obsessão pela homossexualidade por parte do BNFB;
Tradicionalismo e kitsch nas artes; estética clássica e medieval em linguagem digital: vaporwave, kitsch e reacionarismo de gosto: as marcas culturais do BNFB.

H – Guerras culturais e guerra cultural bolsonarista

I – Psicopatologia do bolsonarismo e do olavismo



O QUE É O FASCISMO? ALGUMAS CARACATERÍSTICAS


O fascismo histórico (de Mussolini e Hitler) são regimes de direita e extrema-direita. Não importa a dificuldade que se tenha para conceituá-lo, pois tem o apoio dos banqueiros, dos donos da terra, dos empresários, dos grandes e pequenos burgueses, do capital rentista que advoga a não interferência do estado na economia e um estado mínimo. E isso nada mais é do que incrementar a concentração de renda e riquezas nas mãos daqueles que já tem muito. Abaixo algumas características dos regimes fascistas. 

1) De forma geral, o fascismo é um regime autoritário com concentração total do poder nas mãos do líder do governo. 

2) Esse líder deve ser cultuado.

3) O líder pode tomar qualquer decisão sem consultar previamente os representantes da sociedade. 

4) Além disso, o fascismo defende uma exaltação da coletividade nacional em detrimento das culturas de outros países (xeonofobia).

5) Além de totalitários, os governos fascistas (direita e extrema-direita) objetivavam expandir seu território por meio de conflitos internacionais. Para isso, realizavam altos investimentos na produção de armas e equipamentos de guerra.

6) Para garantir a manutenção de seu governo, os líderes fascistas controlavam os meios de comunicação de massa, por onde divulgavam sua ideologia e controlavam todas as informações disseminadas.
 
7) Qualquer crítica ao governo era aniquilada mediante uso da violência e do terror. Aqueles considerados inimigos de um governo fascista eram punidos com prisão ou morte.

8) Para se eximir da culpa de gerar mais e mais pobreza o lider fascista lança pautas comportamentais, como a luta contra a corrupção, pautas antifeministas, anti-gay, anti minorias. Distraindo o povo e o trabalhador da verdadeira causa da pobreza; o seu proprio regime. 

9) Os líderes fascistas se esforçam para culpabilizar o outro como sendo o mal, i.e., quem luta pelos direitos humanos, quem luta pela terra, quem luta pelo emprego, quem luta por justiça social. São taxados de comunistas, judeus, etc. Esses são os que trazem o mal para o seio da sociedade e devem ser combatidos pela violência e força do estado.







Referências