Morre
Depois de ler um livro.
E reclinando-se para trás, na poltrona,
considerando como expressá-lo em palavras
…
Morre
Depois de trabalhar numa ideia,
Num conceito…
Numa passagem filosófica
que julgou importante
Morre…
depois de encontrar uma rocha sedimentar com fósseis
E imaginar que seus alunos iriam aprender muito
se lhes mostrasse (esse achado)
Morre
Depois de uma boa ideia,
Com um bom vinho
para elevar o dia-a-dia
Melhorando vidas
Morre,
depois de pensar que poderia salvar todas as almas da ignorância…
Subtraindo-as das trevas do obscurantismo
E trazendo-as para a luz do conhecimento,
para a luz da ciência
que nunca se apaga…
Morre,
Depois de uma vida inteira com esperança
em um mundo melhor
construído pelos alunos…
num outro (mundo) possível
Morre de saudades de estar com aquelas jovens almas
que representam o novo,
o maravilhoso,
a revolução,
pois todo jovem é revolucionário
Tem o dever de ser…
Possibilidades
Morre de tristeza
Por gestores que sucateiam escolas
Que lentamente asfixiam universidades
centros de construção do saber.
Morre todos dias
pela incompreensão
e pelo fascismo diário
Pela indiferença
Pelo descaso
Morre a cada hora
pelo retrocesso
Morre a cada minuto
pelo conservadorismo e pela ignorância
pela arrogância
de gestores autoritários
Diretores néscios
Estúpidos
Boçais…
Morre,
a cada momento
pelo controle
… pelas mãos dos burocratas…
Por atos de chefes abusivos
Morre num átimo
Deixando tudo inacabado.
Se vai
devagarinho
deixando uma lembrança,
Papéis manuscritos,
Uma Biblioteca
Um Blog,
Um perfil nas redes sociais
Um livro inacabado
Uma tese
Um diário cuja última frase não pode colocar um ponto
Morrem
deixando lembranças de suas aulas,
de suas leituras
De suas lições peripatéticas
pelos campos e parques
Pelas ruas e praças
Nas quadras de esportes que ensinaram
Se vão
Deixando saudades em alguns,
de suas perguntas
De suas inquirições…
Questionamentos…
De seus voos de imaginação
desenvolvendo a lógica,
o senso crítico,
a ciência,
o pensamento científico.
O movimento correto
O exercício ideal
A verdade, é que
Partem de madrugada
Quando todos dormem…
Partem sem avisar ninguém
Como partiram os mestres de nossos mestres.
A verdade é que se vão…
Sem alarde
Sem dizer uma palavra,
(e) Sem aviso.
É como quando fazem a chamada,
havendo um silêncio
O mestre se pergunta,
por que este aluno está ausente…
os mestres se vão na ponta dos pés…
Sem ruídos…
Para não incomodar ninguém
Partem,
Como alguém que inesperadamente chegasse
em uma manhã de domingo
E a tarde no meio do inverno
Num dia chuvoso…
Eles vão sozinhos
Assim como chegaram,
Cheios de lembranças
e sonhos
Levam tudo o que viram
Dias chuvosos,
E ensolarados
Noites escuras
Enluaradas
Afastam-se levando consigo
imagens de tudo,
da praia, do campo,
montanhas e vales
Trilhas e passagens
Animais e plantas, rochas
e estrelas do céu…
Quadras, bolas, pincéis, tintas,
e pessoas em um baile de formatura…
cheios de desejos e esperança…
Eles se vão,
deixando o espanto no rosto dos que ficam
Se vão
deixando uma interrogação
no semblante discente
“Eu poderia e queria ter conversado mais…
quantas coisas mais ele poderia ensinar?”
Quanto mais poderia aprendeu eu…
Morrem a todo minuto
quando ainda há tanto a expressar…
(e)
o tempo foi curto,
a conversa atrapalhou,
o assunto se desviou,
A aula acabou
o currículo foi mais importante
Morrem …
e vão para um outro céu
Mais sereno e justo,
onde só a igualdade importa
Onde outro Sol brilha desde sempre.
Onde as flores não murcham
e o campo é sempre verde de ideias…
Morre em cada aula
Em toda lição preparada e ministrada
Em cada fórmula deduzida.
Cada ideia e palavra
E cada pensamento e gesto
Cada esquema no quadro negro
é um
“memento mori”
…
Sua alma expira
em todo “bom-dia alunos”…
Num seráfico momento
Sua alma escapa do corpo
Como uma borboleta na brisa,
Um sopro
Deixando sem vida aquela
Frágil nave
Que logo é comida pelos vermes…
Mas os vermes não tocam nas ideias
Mal sabem eles que um dia ali havia sinapses de fogo,
imagens únicas
Movimentos perfeitos
Notas musicais,
Técnicas aprimoradas
…
Que um dia pularam pelas palavras
Viajaram nas frases
Para outros neurônios
outras mentes
Para mentes que se abrem ...
Sementes
Se vão em silêncio
Como a neblina que se dissipa
Numa manhã ensolarada
“O meu corpo que ensina alunos, desaparecerá.
E o estado é o culpado. Toda culpa recairá sobre os agentes sentados na cadeira que devia emanar a vida e realização para todos os trabalhadores dessa nação tão grande mas tão pequena”.
Antonio Paim MSc, BSc, MM