INÍCIO

28 fevereiro 2021

FILOSOFIA E HISTÓRIA

FRAGMENTOS FILOSÓFICOS DE DIVERSOS PENSADORES 



Ζήνων ὁ Κιτιεύς (333 - 263 a.C.) Zenon ho Kitieus
Zenon de Citio


"Se o sábio alguma vez der assentimento a algo, às vezes opinará; mas o sábio nunca tem opiniões; portanto, o sábio não dará assentimento a nada". (Cícero, Acadêmicos). Argumento do cético acadêmico Arcesilau de Pitane, Aeólis, dirigido contra o estóico Zenon de Kitieus (Citio) hoje Lámarca, e sua definição de sábio.


"Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar e criar obras como os homens, os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam tais quais eles próprios têm."
"Os egípcios dizem que os deuses têm nariz chato e são negros, os trácios, que eles têm olhos verdes e cabelos ruivos."(Xenófanes de Colofão, Fragmentos)
A intenção desse filósofo pré-socrático com essas afirmações é:

(A) negar a existência de divindades.
(B) afirmar a existência de divindades animais.
(C) criticar uma concepção antropomórfica da divindade.
(D) estabelecer a tese de que não há conhecimento.
(E) afirmar a existência de uma única divindade.


"Dizer que aquilo que é não é, ou que aquilo que não é é, é falso, ao passo que dizer que aquilo que é é, ou que aquilo que não é não é, é verdadeiro." (Aristóteles, Metafísica).


"Tornamo-nos construtores ao construirmos e nos tornamos citaristas ao tocarmos cítara. Assim também, executando ações justas nos tornamos justos; e, executando ações moderadas, nos tornamos moderados." (Aristóteles, Ética a Nicômaco)
Assinale a afirmação que expressa corretamente a definição de virtude contida na passagem acima.
(A) A virtude é produto do hábito.
(B) A virtude é uma técnica.
(C) A virtude é conhecimento.
(D) A virtude é o meio-termo entre dois vícios.
(E) Não há diferença entre virtude e vício.

"Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que aquele que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo continuamente destemido a respeito da morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o máximo bem está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o máximo mal ou dura pouco ou nos causa sofrimentos breves?" 
(Epicuro, Carta a Meneceu).

"Foi Zenão o primeiro a dizer, no seu tratado Sobre a natureza do homem, que a felicidade é viver em concordância com a natureza, o que significa viver conforme à virtude; pois a natureza nos conduz a ela." 
(Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos VII)
Essa é uma das principais teses do estoicismo.


"É evidente que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade... Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por "referir-se ao universal" entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convêm a tal natureza." (Aristóteles, Poética)

"Dizemos que a finalidade do cético é a tranqüilidade nas matérias de opinião...Pois, tendo começado a filosofar para julgar as representações e apreender quais são verdadeiras e quais são falsas, de modo a obter a tranqüilidade, deparou com uma discordância de igual força; e, não podendo decidi-la, suspendeu seu juízo sobre ela. Estando em suspensão de juízo, ocorreu-lhe casualmente a tranqüilidade nas matérias de opinião." (Sexto Empírico, Hipotiposes Pirrônicas)


"Deixaríamos que aos dois, ao justo e ao injusto, fosse permitido fazer o que quisessem; depois iríamos atrás deles observando para onde a paixão conduziria cada um. Em flagrante apanharíamos o homem justo a buscar o mesmo alvo que o injusto, por causa da ambição de possuir sempre mais, ambição que toda natureza busca como um bem e da qual, à força, a lei a desvia para levá-la ao respeito da eqüidade." (Platão, A República)

"Por onde conheces aquela unidade segundo a qual julgas os corpos? Pois se não a visses, não poderias julgar que estes não a alcançam perfeitamente; e se a visses com olhos corporais, não dirias com razão que eles distam muito da unidade, embora contenham algum vestígio dela? Pois com olhos corporais só vês coisas corporais. Donde se segue que é com a mente que a vemos. Mas onde a vemos? Se ela se encontrasse ali onde está o nosso corpo, seria inacessível ao que, no Oriente, formula juízos idênticos sobre os corpos. Portanto ela não está restrita a nenhum lugar particular; e, visto estar presente a quem quer que julgue de acordo com ela, segue-se que não está em parte alguma do espaço, e que não há lugar algum em que ela se não se encontre com sua eficácia." 
(Santo Agostinho, Da Verdadeira Religião)


"Assim, pois, como há muitos homens de gosto pervertido, que preferem o verso à própria arte da versificação, por anteporem o ouvido à inteligência: assim, muitos homens amam as coisas temporais, isto é, históricas, mas ignoram a Divina Providência que origina e dirige os tempos, e por causa de seu apego temporal, não querem que passe aquilo que amam. Sua insensatez é comparável à daquele que, ao ouvir recitar um poema famoso, desejasse ouvir sempre uma só e mesma sílaba." 
(Santo Agostinho, Da Verdadeira Religião)


Benedictus Spinoza

Neste sentido, conhecimento e beatitude são indissociáveis, pois o conhecimento intuitivo é a via que leva à beatitude. Somente quando intuímos que somos parte da natureza e frutos de uma rede causal de acontecimentos transpomos a percepção limitada de unidade e nos percebemos na universalidade. Ao nos enxergarmos como parte do todo, ascendemos a níveis mais elevados do saber e nos libertamos da influência exclusiva da imaginação. É no terreno da racionalidade ou no segundo gênero de conhecimento que nos afirmamos como seres pensantes, distante de ser apenas um mero objeto do acaso. Neste capítulo demonstramos o quanto o filósofo foi um ferrenho combatente da ignorância, sempre marcada pelo viés da superstição e do misticismo exacerbado. Nesse sentido ele foi um estudioso da condição humana na sua totalidade.

Para Spinoza, somos passíveis de sofrer a ação dos objetos sobre nós. Quando não compreendemos as causas, somos meramente passivos, pois somos apenas causa parcial, e ao contrário, quando conhecemos aquilo que nos afeta, somos causa adequada, logo, agimos ou conquistamos nossa autonomia. (Lima, 2009, p. 12).

Possuímos a potência de agir e de cultivar nossa autonomia, mesmo sendo modos finitos de Deus e tendo limitações; podemos ser ativos, pois possuímos o que Spinoza chamou de conatus, que vem a ser o esforço para perseverar no ser. Desejo e apetite que nos estimulam a lutar pela sobrevivência e a buscar a alegria, que é o motor que nos impulsiona ou que eleva nossa perfeição.
O conatus é a essência atual do ser. É força vibrante que tanto pode estar ligado às paixões tristes como as alegres. Ao cultivarmos a autonomia, gerindo de modo inteligente nossos afetos, fortalecemos o nosso conatus e nos aproximamos do conhecimento intuitivo que favorece a beatitude ou alegria suprema. Quando nos movimentamos exclusivamente pelo terreno inseguro da passionalidade, ficamos a mercê do conhecimento mutilado e das paixões que enfraquecem nosso conatus e nos escravizam.


Devido à impossibilidade de esgotar tão vasto e controvertido assunto, deixaremos para uma pesquisa posterior.


O Deus apresentado por Spinoza na Ética vai tornando-se mais inteligível no decorrer das partes. Na Parte I percebemos que Spinoza busca fundamentar racionalmente a existência da Substancia Única, posteriormente, passa de um ser puramente abstrato para um Deus que ama a si e, portanto, ama também todos os modos produzidos por ele como está expresso na Parte V.


É pela via gnosiológica perpassada pela ética que podemos chegar à beatitude. Este itinerário é a via de amor ao Deus-Substância absolutamente infinito que Spinoza demonstra na parte V. O homem só é capaz de atingir a suprema felicidade após superar a passionalidade primitiva e compreender-se como parte da totalidade e, portanto, inserido na universalidade que é Deus.


Spinoza, ao contrário de Descartes que acreditava que é possivel dominar os afetos pelo adestramento da mente, considera que a única forma de regular os afetos é através do pleno conhecimento desses afetos e de suas causas; logo, é pela inteligência e não pela vontade que os homens exercem controle sobre suas afecções.

Spinoza refuta também da noção cartesiana, de vontade, afirmando que o filósofo francês se equivocou ao afirmar que vontade do corpo pode ser controlada pela vontade da mente.

Em As Paixões da Alma, art. 18, Descartes afirma que temos dois tipos de vontades: umas são ações da alma e outras são ações do corpo, e que são as ações da alma que determinam as ações do corpo. 

O percurso para o homem alcançar a Beatitude é traçado na Ética numa ordenação geométrica que tem como base o conhecimento de Deus, do homem e de seus afetos até conquistar a liberdade. Contudo é importante ressaltar que liberdade não pode ser encarada em Spinoza como vontade, mas como autonomia, pois o sentido de liberdade para este pensador diverge completamente do sentido de liberdade para grande parte da tradição filosófica.

Spinoza rechaça qualquer possibilidade de atos volitivos. Segundo este autor não é possível ao homem deliberar sobre absolutamente nada, pois tudo é sempre determinado a agir de acordo com sua própria natureza. O homem não tem a opção de escolher, pois suas ações seguem necessariamente a ordem natural. Portanto, não pode arbitrar sobre aquilo que quer, mas pode desenvolver a capacidade de buscar aquilo que mais favorece sua felicidade. Somente pelo conhecimento das causas podemos favorecer nossa autonomia, buscando sempre aquilo que aumenta nossa potência, porém jamais escolher uma determinada coisa como puro ato de vontade que se impõe como ação deliberada da racionalidade humana. Em Spinoza liberdade ganha outro contorno muito diverso, pois longe de ser uma afirmação da vontade é uma determinação da necessidade da natureza.  (Lima, 2009, p. 17).

A suprema alegria que o sábio desfruta em comparação à eterna insatisfação do ignorante é colocada pelo autor como estímulo fundamental e como algo a ser almejado por todos os homens. O caminho apontado para atingir a verdadeira beatitude é também nomeado como o caminho da salvação ou da liberdade: “[...] Torna-se, com isso, evidente o quanto vale o sábio e o quanto ele é superior ao ignorante, que se deixa levar apenas pelo apetite lúbrico [...]” .(EV P 42 D S)(Lima, 2009, p. 18)


Summa mentis virtus est Deum cognoscere [...], sive res tertio cognitionis genere intelligere [...]; quae quidem virtus eo maior est, quo mens hoc cognitionis genere magis res cognoscit [...]. Adeoque qui res hoc cognitionis genere cognoscit, is ad summam humanam perfectionem transit, et consequenter [...] summa laetitia afficitur, idque [...] concomitante idea sui suaeque virtutis [...]. (EV P 27 D).


Somos conscientes de nuestras acciones, pero ignorantes de sus causas.(...) Todos Somos como uma sola Mente y um solo Cuerpo. Nada es más útil a um ser humano que outro ser humano. Paul Wienpahl. Por um Spinoza Radical, p. 139 (Tradução nossa). Este comentador defende ainda que é à nossa cegueira para enxergarmo-nos como parte integrante de uma natureza única que Spinoza se referia, pois tendo corpo e pensamento herdados de outros seres humanos, não podemos olvidar que somos causadores e ao mesmo tempo somos também causa. Portanto, mente e corpo para Spinoza, segundo a visão de Wienpahl fundem-se numa só mente e num só corpo numa rede causal de relações que são estabelecidas no decorrer de toda existência humana13 .


Na proposição 29 da Parte III da Ética, Spinoza defende a idéia de que o homem é irremediavelmente influenciado pelo meio em que está inserido e que age de acordo com os padrões caracterizados como aceitáveis. “Nós nos esforçaremos, igualmente, por fazer tudo aquilo que imaginamos que os homens [...] vêem com alegria e, contrariamente, abominaremos fazer aquilo que imaginamos que os homens abominam” (EIII P 29)14.


Uma tentativa de responder a essas interrogações se dá na parte V da Ética, quando Spinoza salienta que a ignorância é a responsável pelos nossos equívocos e sofrimentos e que só nos sentimos coagidos a agir contra nossa natureza porque ainda desconhecemos o que engendra nossas emoções. Em outras palavras, o conflito de interesses existe porque ainda somos incapazes de agir orientados pela razão, pois são as paixões que motivam nossa forma de conduzir a vida, por isso é necessário a regra moral, a norma, a lei para conseguirmos nos relacionar uns com os outros. Essa autoridade seria desnecessária se não nos movimentássemos quase que exclusivamente no círculo das paixões. São essas paixões que impedem o homem de ascender a esferas mais altas do conhecimento. Contudo, como ainda não nos movemos no terreno seguro da razão e sofremos a influência das paixões, Spinoza adverte que ainda necessitamos eleger um sistema de leis e de normas para nos guiarmos ou para refrearmos nossos impulsos. Conforme a razão não chega, que chegue o dever normativo ou imperativo moral.




[...] Optimum igitur, quod efficere possumus, quandiu nostrorum affectuum perfectam cognitionem non habemus, est rectam vivendi rationem seu certa vitae dogmata concipere, eaque memoriae mandare, et rebus particularibus in vita frequenter obviis continuo applicare, ut sic nostra imaginatio late iisdem afficiatur, et nobis in promptu sint semper. [...] (EV P X S)




[...] Portanto, o melhor que podemos fazer, enquanto não temos um conhecimento perfeito de nossos afetos, é conceber um princípio correto de viver, ou seja, regras seguras de vida, confiá-las à memória, e aplicálas continuamente aos casos particulares que, com freqüência, se apresentam na vida, para que nossa imaginação seja, assim, profundamente afetada por elas, de maneira que estejam sempre à nossa disposição16 [...]. (EV P 10 S)






Spinoza afirma que é pelo conhecimento das causas que o homem tornase livre, reporta-se ao conhecimento da ordem inteira do universo ou da causa primeira. Quando compreendemos a verdadeira ordenação e necessidade de tudo que existe somos capazes de deduzir o efeito. A base de sustentação epistêmica que Spinoza defende se funda no conhecimento com uma inequívoca defesa da cognoscibilidade do real. Neste sentido, conhecimento do homem é conhecimento integral da natureza ou de Deus. Os três gêneros de conhecimentos que Spinoza especifica na Ética podem coexistir simultaneamente, cada um deles tem uma função específica e não são excludentes entre si. Como a epistemologia e a metafísica são vertentes de um mesmo percurso é importante observar como se desenvolve e qual o alcance do conhecimento em sua gênese e, principalmente, por que conhecer a realidade como um todo permite ao homem ultrapassar suas limitações e descobrir a gama de potencial que há em sua natureza. É nesta perspectiva que conseguimos trilhar o percurso que nos proporciona à mais profunda felicidade, ou seja, à beatitude. (Lima, 2009, p. 25)


Colocando o conhecimento como pressuposto fundamental para o desenvolvimento do potencial humano, Spinoza demonstra que só pela via da cognição ou pela exegese intelectual chegamos ao mais alto grau do conhecimento e ao pleno gozo da existência. (Lima, 2009, p. 26).


Ferreira (24) explica que conhecimento é a espinha dorsal do sistema spinozista ou ainda o único meio para a salvação. O homem, ao se livrar da ignorância – que engendra as armadilhas que o aprisionam -, consegue enxergar a totalidade e refletir sobre a necessidade da ordem da razão e de todas as coisas que existem. Com base nisso, analisaremos a seguir como se ordena esta estrutura gnosiológica em nossa mente. (Lima, 2009, p. 26).

O conhecimento das coisas externas não é um conhecimento das coisas externas, mas do modo como somos afetados por ela. O que quer dizer que o conhecimento sensível é sempre muito relativo, na medida em que a mente fica sujeita a confundir a natureza do corpo afectante com a da afecção causada por ele: não passa duma percepção de nível imaginário, por isso, sujeita ao erro26 .


25 Mens humana ipsum humanum corpus non cognoscit, nec ipsum existere scit, nisi per ideas affectionum, quibus corpus afficitur. (EII P XIX).






O primeiro gênero se dá pela via da imaginação, que é um conhecimento baseado em idéias inadequadas, logo, superficial e mutilado. Ora, como já mencionado, o corpo pode deduzir o que se passa na mente, pois esta é idéia do próprio corpo e, portanto, quando os corpos são afetados de diversas maneiras por coisas exteriores, a mente capta essas afecções também de várias formas. Em outras palavras, a mente é formada por um conglomerado de idéias que têm como base central a união substancial, enquanto uma união de partes ínfimas de idéias. Essas idéias refletem exatamente o que se passa no corpo, eis por que a natureza empírica do corpo não lhe escapa. Assim, o conhecimento sensível presente nos corpos afeta diretamente a mente; quando esta não separa o corpo afetante do próprio afeto, o conhecimento se dá apenas de forma imaginária, na esfera meramente hipotética e, logo, sujeita a equívocos. Como a mente é definida pelo ato de conhecer corpos pelas afecções que são causadas neste corpo por corpos externos, ele é sempre suscetível a enganos. “A mente não conhece o próprio corpo humano e não sabe que ele existe senão por meio das idéias das afecções pelas quais o corpo é afetado” 25. (EII P 19) (Lima, 2009, p. 26-27).


Em Spinoza, é necessário que o homem ultrapasse este conflito ou está fadado a se movimentar exclusivamente na esfera do sensível. À medida que conseguimos transpor essa esfera puramente imaginativa, e como temos a tendência a conhecer, nos afirmamos como seres que têm a potência de conhecer, não somente os efeitos, mas principalmente as causas. Esse poder que temos se sobrepõe à imaginação ao perceber o modo como um corpo é afetado. Como essa atividade indica movimento do intelecto, é designado como poder (potentia) e não mais como o padecimento (passio) do conhecimento por imagens; e nesse processo, o homem manifesta sua capacidade de atuar, de agir, e não de ser apenas passivo:


Isso é evidente. Pois quando dizemos que uma idéia se segue, na mente humana, de idéias que nela são adequadas não dizemos senão que (pelo corol. Da prop. 11) existe, no próprio intelecto divino, uma idéia da qual Deus é a causa, não enquanto é infinito, nem enquanto é afetado das idéias de muitas coisas singulares, mas enquanto constitui unicamente a essência da mente humana (27). (EII P 40 D).(Lima, 2009, p. 28).

27 Patet. Nam cum dicimus, in mente humana ideam sequi ex ideis, quae in ipsa sunt adaequatae, nihil aliud dicimus (per coroll. Prop. 11 huius) quam quod in ipso divino intellectu detur idea, cuius Deus est causa, non quatenus infinitus est, nec quatenus plurimarum rerum singularium ideis affectus est; sed quatenus tantum humanae mentis essentiam constituit. (EII P XXXVI D)

No primeiro gênero de conhecimento, o homem é levado a imaginar e a acreditar que suas idéias são fruto do entendimento, quando na verdade são resultados de sua imaginação.




No primeiro gênero de conhecimento, o homem é levado a imaginar e a acreditar que suas idéias são fruto do entendimento, quando na verdade são resultados de sua imaginação. Para Jordão, esta forma de conhecimento é necessária: apesar de não possuir os pressupostos de uma verdade constituída, é através dele que nós entramos em contato com o mundo exterior. Essa forma de conhecimento é a via que conduz o homem ao segundo gênero de conhecimento ou conhecimento do segundo grau. Na condição que ainda nos encontramos, a de atribuirmos entendimento ou idéias que são apenas fruto da imaginação, necessitamos nos esforçar muito para controlar a imaginação, para permitir que o nosso intelecto a regule e se afirme como potência cognoscitiva. Essa dificuldade se dá pelo fato de ainda imperar o domínio de forças externas sobre nosso poder mental; nesse sentido, a imaginação já se configura um vício da mente. (Lima, 2009, p. 28).


A mente só amplia sua capacidade de conhecer quando começa a dominar a complexidade do corpo. Pela compreensão de que percebemos nosso corpo pelas afecções sofridas. Essa é a forma de aperfeiçoamento da mente humana. À medida em que o corpo passa a se adaptar melhor aos corpos externos, exerce maior controle sobre as afecções que esses outros corpos provocam; nesta perspectiva, ocorre uma gradual diminuição da dependência exterior, possibilitando o aperfeiçoamento da razão, que controla a imaginação, ou ainda, um meio de progresso intelectual. Este processo que se dá no interior da mente, Spinoza o chamou de segundo gênero de conhecimento, pois já não estamos à mercê de nossas percepções pela via exclusivamente de corpos externos, mas já temos capacidade de elaborar mentalmente a maneira como somos afetados por outros corpos. A união da mente à idéia que este tipo de conhecimento proporciona é que leva também à união da mente e corpo em Deus, de forma simultânea. O processo gnosiológico da mente humana, que possibilita ao homem enxergar além das imagens exteriores é condição imprescindível para que o homem obtenha a felicidade. “O conhecimento de segundo e de terceiro gênero, e não o de primeiro, nos ensina a distinguir o verdadeiro do falso” 28. (EII P 42) É no ato de conhecerse e de conhecer os outros modos com os quais se relaciona, que o homem também chega ao conhecimento de Deus e, portanto, a beatitude. Nessa perspectiva, o conhecimento racional é o paradigma da própria felicidade, pois quando, em vista do todo, nós suplantamos a mera representação que fazemos de nós mesmos e dos outros corpos que nos afetam, conseguimos superar nossa ignorância que nos leva a conhecer apenas pelos sentidos ou imagens. Segundo Lívio Teixeira, Spinoza chama de razão (ratio) este tipo de conhecimento:


O segundo gênero de conhecimento a que também chama razão, Espinosa declara que ele diz respeito às “noções comuns e às idéias adequadas das propriedades das coisas” [E II, P XL, esc. II]. Que são essas noções comuns, essas idéias adequadas das propriedades das coisas? Qual é o plano metafísico que lhes é próprio? Qual é seu lugar no conhecimento teórico da moral propriamente? Tais são as questões que se apresentam a propósito desse assunto. É evidente que se trata de noções gerais, mas de noções gerais que diferem dos “transcendentais” e dos universais que constituem idéias próprias do primeiro gênero de conhecimento, porque estas, como se viu, são de sua natureza inadequada e confusa no mais alto grau [...]29 .


29 TEIXEIRA, Lívio. A Doutrina dos Modos de Percepção e o Conceito de Abstração na Filosofia de Espinosa, São Paulo: UNESP, 2001, p. 165. Jordão corrobora com essa tese de Teixeira e afirma que o sentido de noções comuns em Spinoza diverge da concepção escolástica dos universais: “As ‘noções comuns’ são essencialmente diferentes dos universais, dos escolásticos. Estes são simples ‘construções imaginárias’ ou ‘representações vagas’, sem verdadeira correspondência na realidade, pois não são um produto genuíno da atividade da razão, mas produto duma combinação fortuita de impressões vindas do exterior. O conhecimento pelos universais corresponde a um nível ínfimo de conhecimento – o da simples opinião”. Op. cit., 1993, p. 51. (Lima, 2009, p. 29).

“Não há nenhuma afecção do corpo da qual não possamos formar algum conceito claro e distinto” 31. (EV P 4).
31 Nulla est corporis affectio, cuius aliquem clarum et distinctum non possumus formare conceptum. (EV P IV).


Espinosa defende, no entanto, que uma mente existente em união com um corpo pode elevar-se a um estado de conhecimento adequado, perfeito ou verdadeiro. A condição imprescindível para isso é o uso correto da razão como faculdade de relacionamento, confronto e dedução. A razão é, para o homem, o único pedagogo capaz de guiar através do caminho que conduz à verdade.




Spinoza afirma que temos a potência de desenvolver o conhecimento adequado bastando que a razão seja o meio de reflexão, contato e dedução, ou ainda, a razão é segundo Spinoza, uma das instâncias capazes de guiar o homem para além do conhecimento meramente imaginativo. Sendo o homem um ser composto de corpo e mente33, parte do intelecto infinito, tem todas as condições de apreender o sentido de totalidade. (Lima, 2009, p. 31).


As noções comuns, a que Spinoza classificou de segundo gênero de conhecimento, estão acima da transitoriedade e das idéias mutiladas às quais estamos sujeitos quando pensamos confusamente e influenciados apenas por fatores externos. Pelas noções comuns aprimoramos nossa percepção do mundo e dos outros, pois ao confrontarmos e relacionarmos as singularidades presentes em outros corpos deduzimos que, em suas essências, todos fazem parte da substância única e que estão interligados uns aos outros irremediavelmente. Portanto, o que há de comum entre todas as coisas que existem é que todas possuem propriedades semelhantes e pela razão podemos formar idéias adequadas capazes de distinguir entre as noções comuns e as idéias imaginadas. O conhecimento do segundo gênero é racional, compreende a necessidade da natureza e deduz o encadeamento lógico das causas que há entre todas as coisas a partir de suas propriedades comuns. Os corpos têm muito em comum uns com os outros, e são por estas características que geramos as idéias adequadas e captamos os nexos que ligam as idéias entre si. Isso se dá pela atividade reflexiva que estimula a confrontação e a comparação, extraindo daí os pressupostos indispensáveis para a fundamentação das idéias e para conseguir distinguir uma noção comum de uma idéia imaginária.


A própria imaginação já possui o germe latente do pensamento racional, basta a atividade reflexiva para esse germe eclodir. Somente a atividade cognitiva é para Spinoza, capaz de despertar na mente as noções comuns que ali já estão presentes na forma de potência imanente ao próprio intelecto do homem. A imaginação é, portanto, a gênese do conhecimento humano, que, enquanto tal, só consegue perceber as coisas pelas imagens formadas dessas coisas. Mas como modos finitos da Substância, estamos sujeitos às leis da natureza e à necessidade absoluta. Como modos, somos um conglomerado de idéias sejam elas adequadas ou inadequadas, como confirma o próprio Spinoza:


Todas as idéias existem em Deus (pela prop. 15 da P.1) e, enquanto estão referidas a Deus, são verdadeiras (pela prep. 32) e (pelo corol. da prop. 7) adequadas. Portanto, nenhuma idéia é inadequada e confusa senão enquanto esta referida à mente singular de alguém (vejam-se as prop. 24 e 28). Logo, todas as idéias, tanto as adequadas, quanto as inadequadas, seguem-se umas das outras com a mesma necessidade (pelo corol. Da prop. 6) C.Q.D.34( EII P 36 D).


Para Spinoza, só pelas noções comuns é que o homem é capaz de apreender as verdadeiras propriedades das coisas, logo, um conhecimento racional que está para além das contingências e vicissitudes do mundo singularizado. Contudo, mesmo tratando-se de um conhecimento adequado, Spinoza não afirma que o conhecimento pelas noções comuns é chave para a beatitude, mas apenas um dos trechos desse percurso que conduz o homem à forma mais pura de conhecimento que há. Esta forma é designada como terceiro gênero de conhecimento.




Spinoza defende que há uma forma de conhecimento que possibilita de fato ao homem “fruir da eterna e contínua alegria” 35; a esse conhecimento Spinoza denominou de beatitude suprema: “[...] Assim, essa doutrina além de tornar nosso espírito inteiramente tranqüilo, também nos ensina em que consiste nossa suprema felicidade, ou seja, nossa beatitude [...]” 36. (EII P 49 S) Na proposição 25 da parte V, Spinoza afirma ainda: “O esforço supremo da mente e sua virtude suprema consistem em compreender as coisas por meio do terceiro gênero de conhecimento” 37. (EV P 25)




34 Ideae omnes in Deo sunt (per prop.15 P.1) et quatenus ad Deus referuntur, sunt verae (per prop. 32 huius) et (per coroll. prop. 7 huius) adaequatae; adeoque nullae inadaequatae nec confusae sunt, nisi quatenus ad singularem alicuius mentem referuntur (qua de re vide prop. 24 et 28 huius). Adeoque omnes tam adaequatae, quam inadaequatae eadem necessitate (per coroll. prop. 6 huius) consequuntur. Q.E.D. (EII P. XXXVI D)


35 TIE . p. 22.


36 [...] Haec ergo doctrina, praeterquam quod animum omnimode quietum reddit, hoc etim habet, quod nos docet, in quo nostra summa felicitas sive beatitudo [...]. (EII P XLIX S).


37 Summus mentis conatus summaque virtus est res intelligere tertio cognitionis genere. (EV P XXV)




Considera ainda que o ápice da potência humana está em compreender de forma intuitiva, as coisas pela sua essência. Somente a ciência intuitiva proporciona ao homem o pleno conhecimento de si e da natureza. A dinâmica que atua nesse gênero de conhecimento é completamente intuitiva, ou seja, é o processo que se dá quando a razão, já livre das percepções imaginativas, se eleva até a visão de Deus como totalidade e como causa imanente a tudo que existe na natureza. Essa visão intuitiva é, porém, desenvolvida à base de princípios racionais e denominada por Spinoza como a maior satisfação que existe. Ainda segundo Jordão:


A apreensão da necessidade como propriedade comum de todas as coisas só é possível na “ciência intuitiva”. Pela atividade da razão, a mente é conduzida apenas ao limiar do conhecimento intuitivo. A esfera de ação, própria da razão, é a da “comunidade de ser” em todas as coisas. Mas é pela atividade racional que a mente desperta para a “visão de todas as coisas na causalidade divina”.


A intérprete Ferreira salienta que Spinoza considera possível a todo homem ascender ao terceiro gênero do conhecimento, embora necessite de muito empenho e desde que empreenda grande esforço intelectual: A todo homem é dada a possibilidade de conhecer as causas objectivas, impessoais, que o fazem agir. Mas só o sábio se empenha nessa descoberta, enveredando por um ‘modus vivendi’ que o demarca do homem comum39 .


No conhecimento racional (segundo gênero) deduzimos os efeitos pelas causas e compreendemos que há um princípio comum a todas as coisas, designado por Spinoza de noções comuns; ou seja, há um fio condutor que guia o pensamento e que pode ser apreendido pelo intelecto.
Já no terceiro gênero de conhecimento é a intuição que nos remete à idéia de Deus, mostrando que esta idéia está acima do plano dos princípios racionais, pois já se percebe partícipe do plano das propriedades essenciais da Natureza Divina. Pelas noções comuns percebemos as coisas necessárias, pelas propriedades comuns que estas possuem, seguindo a ordem dedutiva. Todavia, o que existe em comum entre as coisas não constitui a sua essência singular, dado que a essência não pode ser inferida pelo mecanismo racional que é a base do segundo gênero de conhecimento. A essência singular é apreendida pela intuição, donde esta é precedida por idéias adequadas da essência de Deus. Pela intuição percebemos nossa íntima relação com Deus, daí resulta nossa salvação ou beatitude.


Spinoza define o terceiro gênero de conhecimento como o único que exprime a idéia de Deus. Francisco Vieira Jordão admite: “Sabemos que o homem é um ser que pensa, por isso, é uma idéia duma ‘coisa singular existente em acto’. Esta idéia ‘tem Deus como sua causa’[...]” 40. A mente humana é capaz de formar uma idéia adequada quando tem Deus como pressuposto, mas isso independe de sua vontade, pois a vontade para Spinoza não tem poder nenhum e tudo obedece uma ordem causal e determinada pela necessidade da natureza. Para Jordão, o conhecimento intuitivo engloba o racional, mas não é a manifestação da racionalidade humana:


O conhecimento intuitivo, sendo luz que, por si mesma, se manifesta na mente humana, não é um resultado do conhecimento racional, mas o que, em ultima análise, o possibilita e está como seu complemento. Não nasce no momento em que nos apercebemos de que estamos na sua posse: quando desabrocha em nós, logo nos apercebemos de que não pode ser senão eterno, embora só desperte na mente após um longo percurso reflexivo41 .


É através do conhecimento intuitivo que o homem percebe-se partícipe da natureza de Deus. A trajetória árdua que nos leva ao terceiro gênero do conhecimento passa necessariamente pela razão. No entanto, a intuição encontra-se em esfera mais elevada, dado que já repousa num nível de compreensão muito acima das propriedades constitutivas da razão humana. Possui no seu cerne o sentido de totalidade e da realidade sem mistérios. Realidade centrada na idéia de Deus e na radicalidade absoluta de um pensar ético. Este tipo de conhecimento não sofre nenhum tipo de coação ou pressão externa. Como a eternidade de Deus estende-se a tudo, nós, por sermos expressões da divindade, também somos infinitos. O conhecimento intuitivo é uma conquista do homem sábio e não é passível de influência de causas finitas, pois é eterno. Só pode ser despertado com grande esforço intelectivo. Todavia, o comentador salienta que esta forma de conhecimento não é uma fusão entre o finito e o infinito, entre efeito e causa, nem a elaboração do singular pela dimensão infinita42. Não há misticismo no sistema spinozista, segundo Jordão, pois não há mistério incognoscível em sua filosofia, muito longe disso, pois é exatamente o mistério que Spinoza combate.
Neste sentido, o conhecimento intuitivo não é diluição do princípio de identidade do homem em Deus, pois nossa individualidade não se perde, mas é preservada; portanto, essa forma de conhecimento consiste na mais alta expressão da intuição humana, intuição essa que leva a essência singular do homem a captar a essência incondicionada e incausada de Deus.

40 JORDÃO, op. cit., 1993, p. 40.

A relação direta entre gnosiologia e metafísica no sistema spinozista influencia diretamente o campo ético, demonstrando que investigar as causas do agir humano sempre foi uma de suas maiores preocupações. Ora, o homem ao sentir-se parte da natureza divina torna seu espírito mais tranqüilo e sereno, age melhor com seus semelhantes. É espontaneamente generoso e justo, pois enxerga muito além do horizonte limitado da imaginação e encara todos os modos existentes na natureza como parte necessária da Substância. Sem estar condicionado às injunções do acaso e da sorte, o homem pode usufruir a forma mais elevada da felicidade, a beatitude. Spinoza atesta que somente é destinado aquele homem que por profundo esforço cognitivo atingiu essa mais alta esfera de sabedoria humana que é a própria virtude. Afirmar que virtude e beatitude são a mesma coisa significa rechaçar as teses dos gregos de que a felicidade era um prêmio conquistado pelos virtuosos. Spinoza refuta essa noção e considera que a beatitude é a virtude e não um prêmio da mesma:


A beatitude não é um prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não a desfrutamos porque refreamos os apetites lúbricos, mas, em vez disso, podemos refrear os apetites lúbricos porque a desfrutamos43. (EV P 42).
43 Beatitudo non est virtutis praemium, sed ipsa virtus; nec eadem gaudemus, quia libidines coercemus; sed contra quia eadem gaudemus, ideo libidines coercere possumus. (EV P XLII).




No escólio da Proposição 42, o filósofo afirma que a superioridade do sábio em relação ao ignorante é justamente porque o sábio já controla seus apetites e o ignorante ainda se move no terreno da imaginação e, portanto, vive agitado; ao contrário, o sábio já desfruta da felicidade por inteiro porque já intui Deus em toda sua plenitude e compreende que é parte dessa divindade. O ignorante vive à mercê dos afetos, depende ainda de forças exteriores para se movimentar, já o sábio movimenta-se na esfera da intuição e prescinde de interferências externas. Spinoza adverte da dificuldade de se chegar à sabedoria, pois esta é rara e preciosa, mas não algo impossível, exigindo daqueles que a almejam muito esforço e dedicação.


Para o comentador Paolo Cristofolini a felicidade em Spinoza ganha um contorno muito diverso do que é comumente atribuído:


[...] A palavra latina correspondente (felicitas) não tem relevante emprego na Ética de Spinoza, porque no latino dos clássicos que é o seu, tal palavra indica antes de tudo sucesso e o bom êxito de operações determinadas do que o escopo geral ao qual tendemos. Aquela que é felicidade é, em Spinoza, ora um bem (bonum), ora a alegria (laetitia), e ora a beatitude (beatitudo) [...]44 .


44 CRINTOFOLINI, Paolo. A Última Sabedoria e a Felicidade. In: Cadernos Espinosanos VI, S. Paulo, Nov. de 2000. Trad. Stella Penido. Rev. Tec. Maurício Rocha. p. 5. 45 Este projeto refere-se, segundo Cristofoloni ao modelo racional de natureza humana.




Ora, o bem para Spinoza tem sentido puramente relativo e depende exclusivamente do fato de nos aproximar da perfeição, ou seja, da realização de um projeto de vida ou ainda do modelo de natureza a que nos propomos. Todo o resto que nos afasta deste modelo é um mal. O projeto do ser humano é tudo aquilo que pertence a sua natureza. Todavia, é importante frisar que o filósofo rechaça qualquer possibilidade de uma concepção de projeto com viés finalista. Finalismo este, que é fortemente evocado pelos homens que acreditam que tudo que existe no universo é obra da onipotência e benevolência de uma divindade criadora que está à sua disposição, o que denuncia o absurdo da presunção humana. Portanto, o projeto45 de ser humano é o que dá sentido geral à sua existência e tudo aquilo que distancia o homem de chegar a essa perfeição é considerado um mal, o que aproxima é um bem. Conhecer a natureza deste projeto e seguir fielmente a seu formato é o que proporciona felicidade ao homem. O bem como felicidade está relacionado também à esfera social. Ao vincular-se em sociedade com outros pares, os homens percebem que podem ajudar-se mutuamente. Dessa troca nasce a compreensão da utilidade que há nas agregações humanas no sentido de que precisamos uns dos outros para nossa proteção, conservação e divisão de trabalho. Isto é uma prova da necessidade de interação e demonstra a rede causal que sustenta todas as relações. A soma das atividades desempenhadas em conjunto possibilita o desenvolvimento do potencial individual de cada um proporcionando o bem comum que é o primeiro sentido de felicidade para o sábio holandês.


A segunda face da felicidade é a alegria. O significado de alegria está diretamente relacionado à passagem de uma perfeição menor a uma maior perfeição. Esta alegria não coincide com a sensação agradável ou de bem-estar em que costumamos classificá-la. A alegria encarada como felicidade vincula-se à idéia de amor. Amor é uma alegria acompanhada de uma causa exterior que é sempre passagem a um grau de perfeição mais elevado. Na concepção spinozista amor é a plena compreensão da existência de algo externo a nós que reconhecidamente nos torna melhor ou mais potentes. Pode ser uma coisa ou pessoa, ou ainda, um saber, algo que nos ajuda a desenvolver toda nossa potência.


O amor é sempre alegria e o objeto desse amor é a idéia de que há algo externo a nós que eleva nossa potência. Logo, o amor é uma alegria que potencializa nossa força de existir e difere do desejo (cupiditas) 46 que é a essência mesma do homem e está associado à ordem dos impulsos e apetite (appetitus) humano. O amor, ao contrário, é efeito da alegria de enxergarmos fora de nós motivação para nossa própria existência.


O terceiro sentido de felicidade em Spinoza é a beatitude, o ponto mais alto de ascendência de um homem em direção à sabedoria. A beatitude é algo que o homem só consegue atingir pela terceira via do conhecimento, em seu mais profundo nível de intuição. Ao perceber-se irremediavelmente como parte de uma ordem necessária e perfeita em que está imerso e longe do plano meramente contingente, o homem é capaz de descobrir a sua eternidade e de compreender os elos necessários que o unem a todas as coisas existentes, libertando-se da incômoda e aterrorizante idéia de finitude. Eternidade em Spinoza refere-se à verdade eterna da lei da natureza e diverge do sentido judaico-cristão, quando defende que não há nenhuma forma de sobrevivência da alma, alertando que a individualidade não sobrevive à morte do corpo, pois precisa dele para se expressar.


46 Desejo (cupiditas) é a estrutura dinâmica que constitui o conatus, ou todo esforço de perseverar na existência e aumentar a nossa potência, quando este esforço vem acompanhado da consciência de si, no caso específico dos seres humanos, chama-se apetite (appetitus).


Em momento algum, o filósofo faz referência à imortalidade da alma, considerando ainda que: “A mente não pode imaginar nada, nem se recordar das coisas passadas, senão enquanto dura o corpo” 47. (EV P 21).

47 Mens nihil imaginari potest, neque rerum praeteritarum recordari. Nisi durante corpore. (EV P 21)


A serenidade da aceitação de que pertencemos à ordem natural e imutável das coisas eternas nos dá a sabedoria de saber lidar com a nossa própria morte e destruição, encarando-a como algo inevitável para a sobrevivência do todo; isto é parte da conquista do homem sábio. No entanto, Spinoza afirma que:


“não há nada em que o homem livre pense menos que na morte, e sua sabedoria não consiste na meditação da morte, mas da vida” 48. (EIV P 67).

48 Homo líber de nulla re minus, quam de morte cogitat, et eius sapiencia non mortis, sed vitae meditatio est. (EIV P LXVII)


Nessa concepção, a felicidade é algo que só pode ser conquistada pela via árdua do conhecimento e da sabedoria. Portanto, é no terceiro gênero de conhecimento que o homem descobre sua eternidade personalizada, atendendo à positividade existente em si mesmo. Quando adquirimos a plena consciência de nossa intima ligação com o Todo ou Deus, tanto em relação à essência como à existência descobrimos a felicidade. A exata compreensão de nossa eternidade nos ajuda a entender nossa condição no mundo e aprendemos a agir melhor sem depender do acaso ou da sorte. Essa forma de encarar a vida nos leva a enxergar a essência divina e desfrutamos a mais verdadeira e plena felicidade que Spinoza classificou como salvação (salus) ou beatitude (beatitudo).


O grau máximo de conhecimento permite ao homem descobrir-se eterno e necessariamente ligado a todas as coisas que existem. Encarando o tempo não como obstáculo, mas como uma condição para a própria felicidade, o homem transcende do plano perecível da finitude humana e descobre as leis inexoráveis da natureza e do infinito eterno de que faz parte. Para o filósofo holandês, o conceito de felicidade não difere de virtude. Ambos estão intimamente ligados, pois o homem virtuoso, por isso mesmo, é verdadeiramente feliz. A beatitude é uma experiência subjetiva capaz de levar o homem à salvação, que só pode ser encontrada na íntima compreensão de si como parte de Deus, distante de qualquer contingência, logo, como absolutamente necessário. (Lima, 2009, p. 39).


Deleuze esclarece uma diferença entre affectio e affectus: “Quando emprego a palavra afeto isso remete ao affectus de Spinoza, quando digo a palavra afecção, esta remete a affectio” - Curso 24/01/78. Cf in: Deleuze: Spinoza – Cursos de 24/01/78. Trad. de Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso e Hélio Rebello Cardoso Jr. Esta não é uma diferença estabelecida por Deleuze, mas da própria língua latina. Com efeito, affectus significa afeto (resultado ou modo de uma afecção) e affectio significa afecção (ação de algo de afetar outro algo). O affectus indica a paixão (a passividade) de quem sofre a ação do outro; já a affectio indica a ação de afetar, ação desse outro sobre algo/alguém. 51 Spinoza emprega tanto afeto quanto paixão para designar a mesma coisa. Na tradução da parte III da Ética, por Joaquim Ferreira Gomes (Os Pensadores, 5ª Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1991) o termo afeto é traduzido também como afecção. A intérprete Marilena Chauí também usa o termo paixão para se referir à afeto na Vida e Obra do livro mencionado acima.


Todos os afetos estão relacionados ao desejo, à alegria ou à tristeza, como mostram as definições que deles foram dadas. Ora, o desejo é a própria natureza ou essência de cada um [...]. Portanto, o desejo de um indivíduo discrepa do desejo de um outro, tanto quanto a natureza ou essência de um difere da essência do outro. Além disso, a alegria e a tristeza são paixões pelas quais a potência de cada um – ou seja, seu esforço por perseverar no ser – é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada63. (EIII P 57 D)


Omnes affectus ad cupiditatem, laetitiam vel tristitiam referuntur, ut eorum quas dedimus definitiones ostendunt. At cupiditas est ipsa uniuscuiusque [...] ergo uniuscuiusque individui cuipiditas a cupiditate alterius tantum discrepat, quantum natura seu essentia unius ab essentia alterius differt. Laetitia deinde et tristitia passiones sunt, quibus uniuscuiusque pontentia seu conatus in suo esse perseverandi augetur vel minuitur, iuvatur vel coercetur. (EIII P LVII D)





Bibliografia


http://www.filosofia.com.br/vi_prova.php?id=6

https://en.wikipedia.org/wiki/Zeno_of_Citium

https://pt.wikipedia.org/wiki/Zen%C3%A3o_de_C%C3%ADtio

https://en.wikipedia.org/wiki/Arcesilaus

https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-verdade

https://en.wikipedia.org/wiki/Post-truth_politics

https://maputofastforward.com/a-industria-da-desinformacao-5-livros-para-reflectir-sobre-a-era-da-pos-verdade/

https://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/opiniao/2018/10/17/3444483/pos-verdade-e-neofascismo.shtml

https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/89356/busato_sl_dr_bauru.pdf?sequence=1

http://www.uece.br/cmaf/dmdocuments/Dissertacoes2009_trajetoria_beatitude_Spinoza.pdf




FAMÍLIA PAIM


Escudo modificado da família Paim

Heráldica família Paim
Armas 
Um escudo franchado de prata e negro, com um leão entrecambado, armado e lampassado de vermelho.
Timbre
um leão de negro, armado e lampassado de vermelho, ou o leão do escudo.

História

D. João I, o Grande, rei de Portugal (1385-1433) fortaleceu sua aliança com a Inglaterra casando-se com Philippa de Lancaster. De acordo com a Enciclopédia de Armorial Lusitano, Paim é de origem inglesa da qual veio a Portugal em 1387 com a Rainha D. Philippa de Lancaster, irmã de Henrique IV, rei da Inglaterra e esposa do rei de Portugal, no serviço de secretário, Chomaly Payn, que teve foro de fidalgo na casa de D.João I, rei de Portugal.

Como tesoureiro-mor e secretário imediato de Philippa, Sir Thomas Payne coordenou a comitiva que a acompanhou, a qual contou, ainda, com a presença de seu irmão Robert Payne e de seu filho Vallentine Payne. (1)

Em Portugal seu irmão tornou-se cônego da Sé de Lisboa e foi o responsável pela tradução do Cónfessio Amantis de Gower. Seu filho Vallentine, casou-se com Brites de Vaz Badilho, e foram os pais de Isabel Paim e de Duarte Paim. Em Portugal, Sir Thomas Payne teve um novo filho chamado “N. de Pinto Payn”, este, se casou com a sobrinha Isabel Paim, com quem teve Rui Lopes Paim, que nasceu em Lisboa em 1440. Rui Lopes Paim, neto de Sir Thomas Payne, teve o filho “Cristovão Paim”, que nasceu em 1480. (1)

Cristóvão Pinto de Paim, que teve Carta de brasão de armas dada a 30 de Maio de 1533. 

Origem da família Paim no Brasil e no mundo
(Fonte: Alameda Paim)

Duarte Paim sucedeu na casa paterna, serviu D. Afonso V, foi comendador da Ordem de Sant'Iago e recebeu-se com Antônia Dias de Arce, Filha herdeira de Jácome de Bruges, fidalgo flamengo, capitão da ilha Terceira e primeiro povoador dela, e de sua mulher Sancha Rodrigues Arce, por cujo motivo serviu durante cinco anos de capitão da referida ilha, da qual, depois, lhe tiraram o governo. Deste casamento deixou geração, que, assim como a de sua irmã, continuou o sobrenome Paim. O neto Diogo Paim, que veio servir no Brasil, retornando a Portugal.


Ramo dos Paim no Brasil

Rio de Janeiro / Bahia

No Rio de Janeiro, registra-se a família de Jacques Paim (c.1801-1839), que deixou geração de seu casamento com Josephine Paim. Ainda no Rio de Janeiro, há a família de João da Câmara Paim marido de Sebastiana de Bittencourt (c.1735). Na Bahia registra-se a família de Honorato Antonio de Lacerda Paim, Cachoeira/Ba 1831 e Antonio e Luiz Barros Paim, 1º conferente da Alfândega em Salvador, 1881.


Barões de Lacerda Paim

Honorato Antonio de Lacerda Paim
Primeiro Barão de Lacerda Paim


Título criado por D. Pedro II, Imperador do Brasil


Honorato Antonio de Lacerda Paim, nascido a 04.02.1831, em Cachoeira/Ba, agraciado com o título (Dec 08.08.1888) de Barão de Lacerda Paim. Título de origem antroponímica, tomado do nome de família. Estabelecido na Bahia, Doutor em medicina, militou na política, foi deputado à Constituinte da Bahia em 1891 e deputado estadual no mesmo estado. Casou duas vezes, sendo em segundas núpcias com Maria Isabel Madureira, falecida em 02.08.1913 em Conceição da Feira/BA, Baronesa de Lacerda Paim.


ORIGENS

Suas origens mais remotas surgiram com os Vikings, com a grafia Payn, ocorrendo também as variações Payne, Paine, Paynell, Pane. Com as invasões vikings na Inglaterra, a partir do ano 800, a família deslocou-se para lá, enraizando-se e prosperando. E o tempo alterando grafias, mesmo sabendo-se tratar da mesma família, até chegarmos aos Paim de Portugal. Os ramos dos Paim assim como na Inglaterra, se mesclaram em sua nova pátria, e prosperaram. Alguns foram para as Ilhas Açorianas e outros se aventuraram além-mar.






Bibliografia