A LUZ COMO METÁFORA PARA O CONHECIMENTO
I. ONDE LUZ, QUANDO CONHECIMENTO
Antonio Carlos Paim MSc, BSc
A ausência da evidência não significa evidência da ausência.
Carl Sagan
Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já a anoitecer, é quando uma manifestação de vida está prestes a findar. Não vem a filosofia para a rejuvenescer, mas apenas reconhecê-la. Quando as sombras da noite começaram a cair é que levanta voo o pássaro de Minerva.
Hegel
Dizer que aquilo que é não é, ou que aquilo que não é é, é falso, ao passo que dizer que aquilo que é é, ou que aquilo que não é não é, é verdadeiro.
(Aristóteles, Metafísica)
Eu já fui o que você é agora e o que eu sou, você ainda será.
Luz
O estudo da luz tem sido um tópico importante no estudo da matemática e da física dos antigos gregos até os dias de hoje. Esses estudos, em certa ocasião, foram de natureza altamente matemática, e em outros momentos, tiveram sua relevância para outras disciplinas. Neste artigo, tentou-se dar uma olhada geral no caminho do conhecimento que levou ao surgimento da câmara fotográfica, baseada nos estudos da luz e da química da fixação da imagem (luz) sobre o papel e como essa técnica auxiliou e moldou a nossa percepção do mundo e do conhecimento sobretudo da arte. Além disso continua a nos influenciar até hoje sobre como interpretamos o mundo físico e as realidades sociais.
Uma luz sobre a palavra
Leila Maria de Jesus da Silva (2021) (
Da Silva, 2021), em seu maravilhoso estudo da luz em Marsilio Ficino, luz, afirma que, considerando a convergência dos diferentes estudos etimológicos sobre o termo “luz”, encontramos as seguintes propostas quanto à sua origem:
a) do sânscrito: luk, luc = luz, voltar os olhos à luz, olhar, ser luminoso, iluminar, originário de ruc [ru+c] = brilhar, iluminar;
b) do grego: λευκός, leukós = brilhante, branco;
c) do latim: lūx, lūcis = luz114; a luz do dia se diz lux (oposta ao termo nox) 115;
d) do indo-europeu: *leuk = brilhar 116 ; *leuk-e-men > *lousmen > lūmen.117
De acordo com Ferrater Mora, o termo λύχη, utilizado por Macróbio uma única vez, aponta para uma possível contração de λϋκηγενής, associado a Apolo118.
Interessante observar que se atribui ainda uma associação da luz com o grego φῶς (phaos/phōs), da raiz pha-, da qual descende o verbo phainō = mostrar, tornar manifesto, que dará origem ao termo diáfano, referindo-se ao transparente; ao que permite a passagem da luz. Além de compor a plavra fenômeno, do grego φαινόμενον, phaenomĕnon, fenômeno, aparição, ou coisa que aparece.
Em relação a tal fenômeno, Fontanier alerta para um duplo sentido, em que o termo fai, nen (= brilhar, aparecer) envolveria não apenas a recepção da luz, mas ainda abarcaria um sentido de transformação no seu portador e re-emissor. Esse posicionamento foi expresso através das palavras do teólogo Joseph de Tonquédec:
"
Porque a diafaneidade não consiste simplesmente em deixar passar, em
transmitir a luz, mas em recebê-la primeiro para si, em se deixar penetrar por
ela, para tornar a si mesmo luminoso. Os outros objetos só podem ser vistos
através do diáfano se ele próprio estiver cheio de luz. Por si só, a
diafaneidade é, portanto, um "poder" receptivo, do qual a luz é o ato". (
Da Silva, 2021)
Deuses egípcios, como Serafis e Ísis, são chamados de phōs, numa evidente analogia
com o sol e a luz. Na sua função de iluminar e, com isso, de nos fazer ver, a luz
desempenha um papel duplo: o que possibilita a visão externa do mundo e aquele relacionado
a uma fabricação interna de imagens
122, através da fantasia: o reflexo da luz externa na luz
interior da alma, como diante de um espelho (speculo).
Percebe-se, então, que em sua definição, o vocábulo luz abrange tanto o fenômeno
físico, quanto os aspectos místicos, teológicos e metafísicos 123.
Sendo assim, podemos
entendê-lo cientificamente enquanto “radiação que, emitida por um corpo, incide na retina,
provocando a sensação de visão [...]”
124, fonte de luz; iluminação artificial; corrente ou
energia elétrica, como ainda associá-lo ao saber e à verdade, tornando-o sinônimo de elucidação, esclarecimento, partindo desde o grau mais ínfimo até o mais elevado (da própria
divindade).
De uma conceituação bifurcada decorre um amplo campo lexical
125, expresso em
substantivos (raio, clarão, lampejo, claridade, lucidez, lume, fulgor, esplendor,
deslumbramento, centelha), adjetivos (brilhante, luminoso, chamejante, esplendente,
ofuscante, cintilante, lúcido, vívido, nítido, solar), verbos (alumiar, brilhar, aclarar, arder,
chamejar, iluminar, irradiar, resplandecer, deslumbrar, espelhar) e advérbios (brilhantemente,
luminosamente, lustrosamente, nitidamente, lucidamente), para citar apenas alguns exemplos.
Também é farto o uso corriqueiro de expressões associadas ao fenômeno luminoso, nem
sempre de modo consciente: “à luz de”; “no apagar das luzes”; “dar à luz”; “trazer a lume”;
“vir à luz”; “lançar luz a”; ou, ainda, quando exclamamos: “é claro!”; “é fenomenal!”; “é
espetacular!”. O ato de lançar luz sobre determinado assunto ou fato torna-se evidente ainda
no uso de expressões, tais como: “sob tal ponto de vista”; “por diferentes ângulos”; “sob
determinada ótica”.(
Da Silva, 2021)
Em relação às classificações atribuídas à luz no decorrer da tradição filosófica,
destacam-se, de um lado, a sua diferenciação entre interna ou externa; de outro, o seu caráter
natural ou divino; alguns consideram ainda o aspecto inferior ou superior. Temos, assim, a luz
natural da razão, equivalente à luz do intelecto, sinônimo da própria razão ou da luz que
esclarece (o Verbo) 126
, expressão da faculdade cognoscitiva humana, denominada lumen
naturale mentis humanae, também conhecida como lumen naturalis [ou naturale] rationis;
por outro lado, há a luz em seu estado imaterial, da fonte ou próxima a ela, tratando-se da luz
angélica, revelada127 ou divina, tratada pelas expressões lumen angelicum, lumen gratiae,
lumen fidei 128, lumen increatum, lumen divinae revelationis, lumen infusium, lumen
intelligibile/intellectuale ou, ainda, divina lux, lux intelligibile ou lux gratiae.
Tal diferenciação aponta para o uso de dois termos de suma importância na
metafísica da luz:
lux e
lumen, assim definidos por Fontanier: “A mesma raiz produziu dois
nomes: um feminino, lux, que designa uma força luminosa difusa; o outro neutro, lumen, que
designa na origem, mais concretamente, uma luz particular ou um objeto que ilumina”129 (
Da Silva, 2021).
O mesmo autor faz menção ao registro efetuado, no século VII, pelo enciclopedista Isidoro de
Sevilha, em que são apontados os significados bem específicos desses dois termos: “A lux é a
substância em si mesma (ipsa substantia)”; enquanto lumen é “o que escoa da lux (quod a
luce manat)”
130
.
Do mesmo modo, Silvia Magnavacca, assinala que lux, em linhas gerais, significa a
“fonte luminosa (in eo quod lucet) e lumen a luz produzida por tal fonte (in eo quod
relucet)”
131
.
O próprio sufixo latino -men significa, aponta ela, “resultado, instrumento ou
meio”, o que revela a sua condição como segundo ato, oriundo da fonte ou lux. Outra
associação muito recorrente, segundo a autora, diz respeito à luz enquanto conhecimento, o
que decorreria de uma tendência a se atribuir ao termo lux um sentido mais místico,
metafísico e físico, cabendo a lumen um aspecto gnosiológico e, por vezes, teológico, quando
relacionado ao primeiro132.
Na mesma linha, Ferrater Mora, ocupa-se, em um extenso artigo sobre o verbete luz,
em percorrer o “conceito de luz em várias doutrinas e correntes, destacando, segundo o caso,
um ou vários aspectos – mítico, teológico, metafísico, científico”
133 e, após evidenciar
sobremaneira a influência na teologia cristã da associação entre a luz e o conhecimento,
também destaca o recorrente emprego dos termos lux e lumen como manifestações lumínicas
diferenciadas, sendo a primeira geralmente associada à fonte, enquanto a segunda aos raios
dela emanados.
Alessandra Tarabochia Canavero, ao discorrer sobre a natureza da luz segundo
Tomás de Aquino134
, aponta para esse emprego pelo filósofo do termo lux para o que
concerne ao ser em ato e lumen para aquilo que não é luminoso por si, mas por um outro.
Partilhando da abordagem aristotélica, Tomás defende a natureza física da luz. Sendo assim,
“nada que seja por si sensível pode convir à realidade espiritual, senão metaforicamente”
135.
Canavero, então, assinala que, através desse uso metafórico, eventualmente, o filósofo
interrelaciona os dois termos: “na primeira questão da Suma Teológica, encontramos: lumen naturale intellectus (a. 2, resp.) e naturale lumen rationis humanae (a. 5, resp.); mas ainda
divinum lumen (a. 4, resp.), lumen divinae scientiae (a. 5, resp.)”
136.
Se na língua latina a existência de dois vocábulos facilita a distinção entre eles, o
mesmo processo não ocorre em línguas em que existe apenas uma palavra para expressar essa
ambivalência de sentidos. Em vista disso, Alejandro Jiménez, em sua tradução dos opúsculos
ficinianos De Sole e De Lumine, contando apenas com o vocábulo luz para descrever o duplo
fenômeno, resolveu diferenciá-los grafando de modo cursivo a sua referência à lux. Declara o
tradutor.
No entanto, devemos ter em conta que o termo lux, traduzido por luz, é o ato
primeiro do corpo lúcido, pelo qual, no sentido estrito, não se deve confundir
com a fonte ou o agente, seja este Deus ou o próprio Sol, já que, desse modo,
poderiam ser geradas confusões. 137 (
Da Silva, 2021)
Durante a leitura da obra ficiniana, percebemos a menção a este duplo ato: de luzir
internamente, mais próximo ao que se entende por lux, e o de iluminar, ação externa, e que
pode ser associada a lumen. (
Da Silva, 2021)
A luz
Decomposição da luz branca natural
Decomposição da luz branca natural nas cores do arco-íris
A representação da natureza
Desde o surgimento da espécie humana (Homo sapiens sapiens L.) que representamos a realidade ou o que chamamos de realidade ao nosso redor como forma de apreendê-la e nos apropriar de seus poderes. Não temos uma ponto preciso no tempo quando a representação iniciou como uma atividade humana, mas podemos imaginar que tenha sido no paleolítico.
Essa forma orgânica de apreender o mundo (representação) perdurou por milênios e é responsável por um vasto conhecimento sobre materiais e suportes que vemos ao longo da história da arte e do conhecimento humano. As explicações para fenômenos naturais se valiam de "forças sobrenaturais", que estavam além da compreensão humana como a conhecemos hoje.
Nas últimas décadas, os estudiosos têm prestado cada vez mais atenção aos diagramas, ilustrações e representações (científicos ou não), sejam em livros antigos ou representações em cavernas pré-históricas.
Com isto temos uma ideia melhor das funções sinóticas, mnemônicas e explicativas das ilustrações científicas, dos diagramas e representações de povos ancestrais. (sinóptico: do latim synoptĭcus e este do grego συνοπτικός, συνοπτικός: synoptikós, "vendo o todo junto ou de relance", de σύνοψις (synopsis, "uma visão geral, sinopse"), de σύν: syn, "com, junto" + ὄψις: ópsis, "ver". (Que tem forma de sinopse, resumido, que permite ver um conjunto de uma só vez e em que é dada uma visão geral do todo).
Por isso a importância de se analisar exaustivamente essas representações e compará-las com outras de mesmo período entre povos e em tempos distintos, pois nenhuma conclusão definitiva pode ser alcançada apenas com as figuras, ou representações, porque tais representações e diagramas embora semelhantes podem ter sido criados e usados para fins diferentes.
Segundo Flores (2007) a representação a partir de uma experiência visual regida por concepções filosóficas e epistemológicas, imbricada à ideia da cópia do mundo real, faz presente aquilo que esta ausente.
No caso da técnica da perspectiva instaurada no Renascimento italiano, produz-se como teoria e prática que possibilita esta representação realista do objeto ou do espaço de maneira neutra, objetiva e ilusionista. Isto supõe a epistemologia na qual a relação entre o sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento está pautada na crença na existência de um mundo exterior possível de ser apreendido por um sujeito ativo que o faz em representação. É necessário portanto que eu atue sobre o mundo, e que eu acredite que possa apreender esse universo através de uma representação onde eu coloco ali elementos da minha própria existência e do modo como minha mente apreende esse mundo ou objeto.
(A perspectiva instaurada no Renascimento italiano, mas de conhedimento de Euclides que nos apresenta em sua obra chamada Óptica. Essa obra de Euclides, datada do século III aC, é o mais antigo tratado sobre percepção visual que sobreviveu até hoje. Para Euclides a percepção visual é representada geometricamente por meio de raios visuais que saem do olho e atingem os objetos vistos. Euclides representa o olho como um ponto e as grandezas vistas como segmentos, que ele chama de linhas retas. Portanto, a magnitude aparente dos objetos vistos pelo olho será determinada pelo ângulo formado pelos dois raios visuais que atingem os extremos da magnitude vista.)
Geometrização da percepção visual na Óotica de Euclides
Não se trata(ria) de mostrar que a representação (pintura) é uma certa maneira de significar ou de
“dizer”, que teria a particularidade de dispensar palavras. Seria preciso mostrar que,
em pelo menos uma de suas dimensões, ela é uma prática discursiva que toma corpo
em técnicas e efeitos”. (Foulcault, 2000).
E continua Foulcault (2013), o conhecimento, no fundo, não faz parte da natureza humana. É a luta, o combate,
o resultado do combate e consequentemente o risco e o acaso que vão dar lugar ao
conhecimento. O conhecimento não é instintivo, é contra instintivo, assim como ele
não é natural, é contranatural.
O conhecimento esquematiza, ignora as diferenças, assimila as coisas entre si, e isto
sem nenhum fundamento em verdade. (...). Por outro lado, é sempre algo que visa,
maldosa, insidiosa e agressivamente, indivíduos, coisas, situações (Foulcault, 2013).
Segundo Flores (2016), as imagens são (...) como “lugares de
exercícios do pensamento”, onde um olhar matemático, por
exemplo, é o efeito de práticas visuais, e o conhecimento (...) o suporte para a
elaboração de verdades em torno de como se representa, e se olha.
A imagem então leva consigo como o artista vê o mundo e também como o expectador apreende o mundo. Segundo Samain (2012), toda imagem “nos oferece algo para pensar: ora um
pedaço de real para roer, ora uma faísca de imaginário para sonhar”.

Exemplo de um sinal em forma de spray da caverna Chauvet-Pont dArc em comparação com as mais antigas representações conhecidas de erupções vulcânicas. (A) Mapa da caverna Chauvet-Pont dArc. (B) Vista geral do painel Megaloceros. O ponto verde marca a localização da data 14C AMS [8] (crédito da imagem D. Genty). (C) Detalhe da sucessão cronológica do painel Megaloceros [8] (crédito das fotos V. Feruglio-D. Baffier). (D) Petróglifos representando a erupção do vulcão Porak e datados do 5º milênio AC na região Syunik da Armênia [3]. A figura é semelhante a [3], mas não idêntica à imagem original, sendo, portanto, apenas para fins ilustrativos. (E) Pintura mural de Catalhoyuk (Turquia) considerada a mais antiga representação de uma erupção vulcânica datada do
Como exemplo mais bem acabado dessa atividade de representação do mundo, e na tentativa de dominá-lo, podemos citar os grafismos parietais em cavernas como Chauvet – Pont d'Arc, caverna pintada no sudeste da França considerada um dos maiores santuários paleolíticos já descobertos no final do sec. XX.
Este sítio é conhecido tanto pela originalidade e qualidade de suas representações de animais quanto por sua grande idade. Chauvet – Pont d'Arc tem espantosos 30 mil anos de indade; Lascaux também na França tem 17 mil anos de idade, Altamira, na Espanha, 11 a 16 mil anos, Serrania de La Lindosa, na Colômbia 12.500 anos, e no Brasil, o Arco do Covão de idade entre 12 e 14 mil anos e Cuevas de las manos na Argentina de 9 mil anos.
Desenhos de leões caçando bisões,
cavalos pretos e brancos e ursos,
nas Câmaras de Chauvet Pont d'Arc, Ardèche, França.
(Foto de Jean Clottes. Enciclopédia Britanica)
Detalhes das pinturas da caverna de Lascaux
Grande cerva, caverna de Altamira, Espanha
Bisão fêmea, caverna de Altamira, Espanha
Associação de animais no grande painel da Caverna de Altamira (Espanha), segundo o paradigma de Leroi-Gourhan: o animal central é o bisão (a mulher), com alguns cavalos complementares (o homem); sendo acompanhados de animais periféricos, neste caso javalis e cervos.
Desenhos rupestres da Serrania de La Lindosa, Colômbia.
Grafismos da Gruta do Covão, Brasil.
Grafismos da Serra da Capivara, Brasil (25 a 15 mil anos atrás)
Cueva de las manos na Argentina, 9 a 10 mil anos.
Não temos informações acuradas sobre a distante época do início de nossa civilização no paleolítico (antes de 40 mil anos atrás), todavia, os estudiosos acreditam que os primeiros "filósofos" teriam começado a indagar qual seria a explicação para o funcionamento do mundo, no paleolítico.
Gravura de um mamute em uma placa feito com marfim de mamute do Paleolítico superior. Depósito de Mal'ta no lago Baikal, Sibéria.
Um vasto período, de 40 mil anos até as primeiras cidades há 3.500 anos antes de Cristo, na mesopotâmia, portanto na era do bronze, houve uma acumulação de conhecimento sem precedentes. Aí iniciou-se o questionamento dos fenômenos naturais, entre eles por exemplo, o fenômeno da luz, sobre a visão e o olho.
Talvez eles formulassem perguntas do tipo: por que as estrelas brilham? Como vemos as estrelas e tudo ao nosso redor? por que o sol se põe? Por que não vemos as estrelas durante o dia? O que é necessário para que possamos enxergar?
O que pensamos sobre o mundo vem do mundo ou de dentro de nós mesmos? Enxergamos porque temos olhos, mas do que depende a visão (formação das imagens)?
Não enxergamos numa noite nublada sem estrelas e sem lua, logo, ver depende da luz. Mas o que é a luz e qual sua relação com os olhos? E mais, como a imagem é formada em nossos olhos?
No início da sistematização do conhecimento que certamente ocorreu no oriente médio, e mesmo antes em Çatalhüyük ou Çatal Hüyük, Çatalhöyük, grande assentamento neolítico na Anatólia ou península anatoliana (atual Turquia), estão na raiz das antigas ideias gregas sobre filosofia natural.
Os gregos que beberam de diversas fontes orientais mais antigas que eles próprios, iniciaram a se questionar sobre a natureza do mundo, da physis (Φύσις, Physis) ou Prôtogéneia (Πρωτογένεια, primordial), tema central da filosofia greta. Já no início suas indagações sobre a natureza da luz e da natureza (universo) influenciaram o pensamento ocidental por dois mil anos.
Paleolítico
No registro arqueológico do Paleolítico Superior, os objetos móveis são documentados com várias representações que foram interpretadas como evidências arqueológicas dos primeiros métodos de contagem do tempo, i.e., dos primeiros calendários usados pela humanidade. (
Paleorama).
Essas peças arqueológicas não apenas sugerem conhecimentos importantes da astronomia desde tempos muito antigos, mas também seriam evidências do desenvolvimento e uso habitual de notações numéricas e o início do pensamento matemático, distorcendo aquela imagem popular do ser humano paleolítico como homens e mulheres selvagens, ingênuo e sem conhecimento da natureza e do mundo que o cerca. Para sobrevivermos no mundo necessitamos interpretarmos o mundo, construindo um saber sobre o que vemos e sentimos.
Os registros mais antigos têm cerca de 30.000 anos. Para analisar estes objetos e testar a sua interpretação, como calendários e notações numéricas, os investigadores baseiam-se na análise rigorosa das marcas, concluindo que estas unidades gráficas podem ser isoladas por grupos com base nas suas características técnicas; direção e profundidade da linha ou por análise microscópica dos traços deixados pelo instrumento na hora da confecção, determinando a ferramenta utilizada.
Na pré-história processos de contagem eram necessariamente orais, os numerais somente surgiram no fim do Neolítico, com a invenção da escrita (c.3.400-3.000 a.C.) (Almeira, 2013), a qual permitiu registrar concretamente os seus resultados.
A Etnografia mostra que o emprego de talhas numéricas como processo de contagem foi, e ainda é, recurso material amplamente usado por povos ancestrais em todo mundo. Talhas inscritas em ossos, ocres, pedras, etc., podem resistir à ação do tempo, restando como praticamente os únicos testemunhos concretos de processos primitivos de contagem passíveis de descobertas arqueológicas.
Mal'ta (Irkutskaya Oblast, Rússia)
Mal’ta trata-se de um sítio (assentamento humano) siberiano bem documentado e localizado perto do Lago Baikal, no qual uma importante coleção de representações paleolíticas móveis (18.000 a 15.000 atrás) foram registradas (
Pászitor, 2014).
O registro arqueológico desse sítio forneceu uma placa de marfim que o arqueólogo soviético Boris Frolov interpretou como um calendário lunar. Trata-se de uma placa retangular com bordas arredondadas, de marfim de mamute na qual uma espiral central de pequenas depressões semi-circulares por meio da incisão de orifícios com sete voltas crescentes, ao redor de um orificio que a atravessa. O conjunto é fechado com dois grupos de espirais menores nas laterais da placa.
Placa de marfim de mamute com uma espiral
que leva a crer que se trate de um antigo calendário. (
Paleorama)
Na espiral central existem 243 buracos, enquanto a soma do resto das espirais equivale outros 122 buracos. Um cálculo fácil do total de furos nos dá a soma de 365, exatamente a duração de um ano.
Por outro lado, na região siberiana de Mal'ta, a duração do inverno se prolonga precisamente por 243 dias, e o verão possui 122 dias. Um aspecto importante a considerar e que reforça a consistência da interpretação calendárica da placa de Mal'ta é o ciclo de gestação da rena, fundamental na dieta dos caçadores da região devido ao seu importante aporte calórico que ajuda a suportar as baixas temperaturas do inverno, sendo 243 dias.
Na republica Tcheca, próximo a aldeia Dolni-Vêstonice, na Moravia, foi descoberto, em 1924 um sítio excepcional nomeado de sitio Dolni-Vêstonice, e estudado pelo arqueólogo Karel Absolon.
Este sitio é famoso pelo grupo de esculturas de Vênus documentado em seus estratos com uma cronologia de 28.000 anos de idade. Dois fragmentos da mesma pedra que podem ser assimilados a um calendário lunar foram encontrados. Neles pode-se perceber uma série de incisões que representariam cada um, os dias que compõem o mês lunar.
As incisões na pedra representam a lua nos ciclos crescente e decrescente. Muito significativo para a interpretação da pedra como calendário lunar é o fato de a marca que compõe o número 30 ter a metade do comprimento das demais, destacando assim sua importância: o fim do ciclo lunar e o subsequente inicio de outro.
Vênus de Doli-Vêstonice, Republica Tcheca
Do ano 500 a.C a 500 d.C: as primeiras observações escritas
Conhecido desde a mais remota antiguidade, dado que que é referido no século V e IV, pelo filósofo chinês Mozi. Esse registro escrito mais antigo conhecido sobre a camara obscura é encontrado nos textos do filósofo chinês chamado Mozi ou Mo Tzu (墨子: metre Mo) fundador da Escola Mohista de Lógica ou Mohismo.
Esse filósofo teria vivido de 470 – c. 391 a.C durante o período conhecido como Hundreds schools of Tought que esteve em atividade do sec. VI ao ano 221 a.C.
Latinizado com Micius, deixou inúmeros trabalhos sobre Ética, sobre o Amor, e sobre Lógica datado do século IV a.C. Essas obras foram tradicionalmente atribuídas a Mozi e nomeadas de Mozi. Por isso, tanto o autor como a obra são chamadas de Mozi. Esta antologia filosófica foi escrita e compilada pelos seguidores de Mo Tzu.
O texto foi se constituindo por um processo de acréscimo que ocorreu ao longo de um período de centenas de anos, começando durante ou logo após a vida de Mozi, e durando talvez até o início da dinastia Han.
Mo Tzu 470 – c. 391 a.C
Em uma parte desses escritos dedicados à luz ele explica como a imagem em um "ponto de coleta, anteparo" ou "locked treasure room" "cofre totalmente fechado" é invertida por um ponto de intersecção (um orifício, stenopo ou pinhole) que coleta os (raios de) luz:
"Light coming from the foot of an illuminated person would partly be hidden below (i.e., strike below the pinhole) and partly form the top part of the image. Rays from the head would partly be hidden above (i.e., strike above the pinhole) and partly form the lower part of the image".
A luz proveniente do pé de uma pessoa iluminada ficaria parcialmente oculta abaixo (ou seja, atingiria abaixo do orifício) e formaria parcialmente a parte superior da imagem. Os raios da cabeça seriam parcialmente ocultos acima (ou seja, batidos acima do orifício) e parcialmente formariam a parte inferior da imagem. (
IEP)
Esta é uma descrição notavelmente correta e precisa da formação da imagem em uma câmera obscura; não há outros exemplos conhecidos que sejam anteriores ao século XI.
O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C), ou possivelmente um seguidor de suas ideias, tocou no assunto no livro entitulado: Problemas - Livro XV, perguntando:
Por que é que quando o sol passa por quadrilaterais, como por exemplo em vime, ele não produz uma figura de forma retangular, mas circular?
e mais adiante:
"Por que é que um eclipse do sol, se alguém olha para ele através de uma peneira ou através de folhas, como um plátano ou outra árvore de folha larga, ou se alguém une os dedos de uma mão sobre os dedos da outra, os raios têm a forma de meia-lua onde alcançam a terra? É pela mesma razão que quando a luz brilha através de um olho mágico retangular, ela parece circular na forma de um cone? "
Muitos filósofos e cientistas do mundo ocidental ponderaram sobre essa questão antes que fosse aceito que as formas circulares e crescentes descritas neste “problema” eram, na verdade, projeções de imagens do sol produzidas quando a luz que vem da estrela (Sol) passa por um orifício ou “pinhole” ou stenopo e é coletada num anteparo (pavimento por exemplo).
Embora, uma imagem projetada tenha o formato da abertura por onde passam os raios de luz quando a abertura e o plano de projeção (fonte de luz) estiverem próximos, a imagem projetada terá o formato da fonte de luz, quando a abertura, (orificio ou pinhole), e a fonte de luz estiverem mais distantes.
Em seu livro Ὀπτικά, Óptica escrito por volta de 300 a.C., a cópia mais antiga desse manuscrito data do séc. X d.C., por volta do ano 1000 AD, Euclides propôs uma descrição matemáticas da visão com “linhas desenhadas diretamente do olho que passam por um espaço de grande extensão” e “a forma do espaço incluída em nossa visão é um cone, com seu ápice no olho e sua base nos limites de nossa visão.”
Versões posteriores do texto de Euclides, como a tradução anotada de Egnazio Danti em 1573, acrescentaram uma descrição do princípio da câmera obscura para demonstrar as ideias de Euclides.
Euclides postulou que os raios visuais procedem dos olhos para os objetos (figura acima) e que as diferentes propriedades visuais dos objetos eram determinadas pelo modo como os raios visuais os atingiam. Aqui, o quadrado vermelho é um objeto real, enquanto o plano amarelo mostra como o objeto é percebido.
A Luz
O filósofo Leucipo de Mileto (Λεύκιππος) que viveu na primeira metade do século V a.C, foi um atomista responsável, juntamente com Demócrito de Abdera (c.460 - 370 a.C.). Pertenceu à mesma escola jônica de filosofia naturalista que Thales, Anaximandro e Anaxímenes. Apolodoro e Epicuro asseguram que Leucipo foi mestre de Demócrito. Corre uma anedota que Demócrito teria inventado Leucipo como seu mestre para ganhar prestígio e para que respaldassem sua teoria, já que se suporia que Leucipo era um grande físico, interessado especialmente no que hoje denominamos física da natureza e que Leucipo teria sido discípulo de Parmênides, de Zenon de Eléia ou de Pitágoras de Samos.
A teoria atômica ou atomismo de Demócrito (Demócrito de Adbera, na Trácia, (Δημόκριτος Άβδηρα c. 460 a. C. a c. 370 a. C.) e de Leucipo de Mileto, afirmava que tudo o que existe é composto por elementos indivisíveis chamados átomos (do grego, ἄτομος: "a", negação e "τέμνω” = (temnō = tomo: eu corto, divido), átomo, portanto é o indivisível.
Eles acreditavam que todas as coisas emitiam partículas muito pequenas, as eidola (do grego: Εἴδωλα = eidola: imagem) que chegavam aos nossos olhos resultando na percepção desses objetos, através da visão. É a primeira teoria da luz que se tem notícia. Demócrito é considerado por muitos como o pai da ciencia moderna.
Empédocles de Agrigento Εμπεδοκλής ο Ακραγαντίνος (Ακράγαντας, 495 – 435 a. C.), possuía um conhecimento profundo da natureza e dos seres vivos, propondo inclusive o pensamento evolutivo, é reverenciado como o primeiro sanitarista da história, acreditava, como Leucipo, que a visão era o resultado de raios que saíam dos olhos e encontravam os eflúvios dos objetos. No pensamento dos pré-socráticos, a teoria dos eflúvios (emanação) afirmava que a percepção se dava graças à emissão de partículas (eidola ou padrões dos objetos físicos) que, encontrando um eflúvio correspondente do nosso corpo, resultava na percepção daquele objeto particular.
Euclides Ευκλείδης από την Αλεξάνδρεια (floresceu em 300 a.C.; que literalmente significa "boa glória, renomado"), além dos Elementos (do grego: Στοιχεῖα = Elementos) tratado de matemática e geometria em 13 livros, estudou detalhadamente a luz em sua Óptica (295 a.C.). Euclides também escreveu obras sobre perspectiva, seções cônicas, geometria esférica, teoria dos números e rigor matemático. onde relata seus achados sobre a óptica da visão, e onde descreve as leis da reflexão, questionou a doutrina dos raios que partiam dos olhos em direção aos objetos proporcionando a visão.
Euclides de Alexandria
Para os antigos filósofos gregos não havia diferença entre a luz e a visão. Eles não as concebiam como duas realidades distintas e separadas.
Observando os olhos de cães, de pessoas e de outros animais, à noite, que estivessem próximas ao fogo, os gregos notaram que havia uma luz dentro dos olhos desses animais. E se eu consigo ver essa luz dentro dos olhos é porque luz esta "saindo de lá". Como sabiam que a luz somente provém de fontes luminosas, e as única fontes conhecidas eram o fogo, o sol, a lua e as estrelas, concluíram que "os seres vivos têm uma tênue chama dentro dos olhos".
Para esses primeiros pensadores a faculdade da visão era explicada com uma teoria, segundo a qual a visão estava intimamente ligada ao tato. Acreditavam que de dentro dos olhos projetavam-se raios de luminosos que tateavam os objetos e retornavam aos olhos trazendo consigo informações que, ao serem interpretadas, geravam a sensação visual. Acreditavam ainda que cães enxergavam melhor à noite comparados aos homens, pois a chama de seus olhos era mais intensa que a dos humanos. (Boschetti).
De acordo com Brann (1991), os nomes que utilizamos para as funções imaginativas agrupam-se em torno de duas palavras:
fantasia, termo de origem grega, e
imaginação, palavra de origem latina. A palavra imaginação é formada pela palavra “imagem” (
imago), e significa, originalmente, a capacidade de se ter ou de se construir e manipular imagens mentais. Este termo também está associado à palavra latina
imitatio. Desse modo, fica evidente o aspecto
mimético da imaginação, com relação aos dados advindos dos sentidos, pelo menos no que concerne à origem etimológica do termo. (
Santos, 2011).
Por essa mesma época, o filósofo Aristóteles de Estagira (sec. IV a.C.), refletiu e estudou o que chamamos imaginação (phantasia) e imagem (
eidola) e sua percepção sensível (
aisthêsis) no
De anima (
DAIII). Ao mesmo tempo referia-se à “câmara obscura” como um quarto ou mesmo uma caixa dotada de um orifício (Στενοπο =
stenopo = orifício) por onde entravam os raios luminosos e, na superfície onde batiam, produziam uma imagem real e invertida. (A luz é refletida em todas as direções, por algum objeto externo, parte dessa luz refletida entra pelo orifício (
stenopo) da caixa, atravessa a caixa e atinge a superfície interna oposta (anteparo), onde se forma uma imagem real e invertida daquele objeto, mantendo sua forma, seu colorido e seu brilho). (
A)
Aristóteles de Estagira (384-322)
Aristóteles ensinando Alexandre, o Grande
(Gravura de Charles Laplante)
Câmara obscura
Geometria da câmara obscura
Diagrama que descreve as observações de Ibn al-Haytham
(Alhazem ou Alhacem) sobre o comportamento da luz através de um orifício.
O físico árabe Ibn al-Haytham, conhecido no ocidente pelo nome latinizado Alhazen, que viveu de 965–1039, estudou extensivamente o fenômeno da câmera obscura no início do século XI.
Em seu tratado "Sobre a forma da eclipse", ele forneceu a primeira análise experimental e matemática do fenômeno. Ele entendeu a relação entre o ponto focal e o orifício. Em seu Livro de Óptica (escrito por volta de 1027), Ibn al-Haytham explicou que os raios de luz viajam em linhas retas e são distinguidos pelo corpo que os refletia, e então escreveu:
"A evidência de que a luz e a cor não se misturam no ar ou em outros corpos transparentes é (encontrada) no fato de que, quando várias velas estão em vários locais distintos na mesma área, e quando todas estão voltadas para uma janela que se abre para um escuro recesso, e quando há uma parede branca ou (outro branco) corpo opaco no recesso escuro voltado para essa janela, as luzes (individuais) dessas velas aparecem individualmente sobre esse corpo ou parede de acordo com o número dessas velas; e cada uma dessas luzes (pontos de luz) aparece diretamente oposta a uma (particular) vela ao longo de uma linha reta que passa por aquela janela. Além disso, se uma vela for protegida, apenas a luz oposta a essa vela será apagada, mas se o objeto de proteção for levantado, a luz retornará."
Ele descreveu uma "câmara escura" e fez vários experimentos com pequenos orifícios permitindo que a luz passando por eles. Um destes experimentos consistiu em três velas em uma fileira e ver os efeitos na parede após colocar um recorte entre as velas e a parede. A imagem do sol no momento do eclipse, a menos que seja total, demonstra que quando sua luz passa por um buraco estreito e redondo e é projetada em um plano oposto ao buraco, ela assume a forma de uma foice lunar. A imagem do sol mostra essa peculiaridade apenas quando o buraco é muito pequeno. Quando o furo é ampliado, a imagem muda e a mudança aumenta com a largura adicionada. Quando a abertura é muito larga, a imagem em forma de foice desaparecerá e a luz aparecerá redonda quando o furo for redondo, quadrado se o furo for quadrado e se o formato da abertura for irregular, a luz na parede assume esta forma, desde que o buraco seja largo e o plano em que é lançado seja paralelo a ele.
Ibn al-Haytham também analisou os raios de sol e concluiu que eles fazem uma forma cônica onde se encontram no orifício, formando outra forma cônica reversa à primeira do buraco para a parede oposta na sala escura. Os escritos de Ibn al-Haytham sobre óptica tornaram-se muito influentes na Europa por meio de traduções para o latim desde cerca de 1200. Entre os que inspirou estavam Witelo, John Peckham, Roger Bacon, Leonardo Da Vinci, René Descartes e Johannes Kepler. (
4,
5,
6).
Segundo Martins (2015), os antigos atomistas, de Leucipo e Demócrito até Lucretius, supunham que todos os objetos
luminosos ou iluminados emitiam continuamente películas muito finas, constituídas por átomos,
que se espalhavam para todos os lados, mantendo as características do objeto de onde tinham saído, por ex. a cor, forma, brilho etc. Quando penetravam no olho, este percebia as características do objeto
observado, já que estava em contato direto com esta réplica. Tal interpretação tinha problemas
graves. Como a enorme película de uma montanha conseguiria penetrar em um olho?
Outra proposta, dos pitagóricos e de Empédocles, era que o olho emitiria um tipo de “fogo” que iria
até os objetos, para produzir a visão, ou seja, uma teoria de emissão.
Esta teoria foi posteriormente modificada por
Platão, afirmava que o olho emite um tipo de luz ou fogo visual; quando o ambiente em volta da
pessoa está iluminado, tal fogo visual se combina com essa luz externa e forma raios que vão até os
objetos externos, transmitindo suas características ao observador. É como se pudéssemos esticar
dedos invisíveis até os objetos, tocá-los e perceber como eles são.
Aristóteles rejeitou todas teorias anteriores sobre a visão inclusive a de seu professor Platão. Considerou que não era razoável aceitar
que saísse alguma coisa dos olhos que fosse capaz de atingir até mesmo as estrelas. Também
considerou que se a visão fosse um tipo de contato, poderíamos enxergar os objetos encostando-os
ao olho; mas isso não acontece.
Segundo Aristóteles, precisa existir um meio transparente entre o olho e o objeto; e é ele que
atua sobre o olho e produz a visão. Os objetos visíveis produzem um efeito sobre o ar que está
encostado neles e esse efeito (não material) pode passar instantaneamente até o olho do observador,
onde é captado, teoria também atualmente não aceita.

Projeção da imagem do disco do Sol no pavimento da Catedral de Florença,
(Basílica de Santa Maria del Fiore, projetada por Filippo Brunelleschi).
Ao tocar o pavimento em épocas do ano diferentes é possível traçar a linha meridiana do local.
Projeção da imagem do disco do Sol no piso da Basílica de Santa Maria Novella, Firenze. A catedral como um todo funciona com uma câmara obscura para a projeção do disco do Sol que forma ao longo do ano a Linha Meridiana (
1).
Quando a luz é tempo
Desde o paleolítico há 30 mil anos atrás passando pela antiguidade clássica o homem percebeu as dificuldades para a criação de um calendário que informasse com precisão o tempo. Essa dificuldade esta baseada na própria duração do ano, uma vez que o ano (duração da revolução aparente do Sol em torno da Terra) não é um múltiplo exato da duração do dia ou da duração do mês. Os Babilônios, Egípcios, Gregos e Maias já tinham determinado essa diferença. (
Astro)
É importante distinguir dois tipos de anos:
Ano sideral
É o período de revolução do planeta Terra em torno do Sol com relação às estrelas. Seu comprimento é de 365,2564 dias solares médios, ou 365d 6h 9m 10s.
Ano tropical
É o período de revolução da Terra em torno do Sol com relação ao Equinócio Vernal, isto é, com relação ao início da estações. Seu comprimento é 365,2422 dias solares médios, ou 365d 5h 48m 46s.
Devido ao movimento de precessão da Terra, isto é, do deslocamento lento dos polos em relação às estrelas fixas, o ano tropical é levemente menor do que o ano sideral.
O calendário se baseia no ano tropical. Precessão e nutação são componentes da resposta global da Terra, oblata, elástica e em rotação, aos torques gravitacionais da Lua, Sol e demais planetas do sistema solar.
Os egípcios, cujos trabalhos no calendário remontam a 4 milênios antes de Cristo, utilizaram inicialmente um ano de 360 dias começando com a enchente anual do Nilo, que acontecia quando a estrela Sirius, a mais brilhante estrela do céu, nascia logo antes do nascer do Sol.
Mais tarde, quando o desvio na posição do Sol se tornou notável, 5 dias foram adicionados. Mas ainda havia um lento deslocamento, que somava 1 dia a cada 4 anos. Então os egípcios deduziram que o comprimento do ano era de 365,25 dias.
Já no ano 238 a.C., o rei (faraó) Ptolomeu III, o Euergetes, que reinou o Egito de 246 a 222 a.C., ordenou que um dia extra fosse adicionado ao calendário a cada 4 anos, como no ano bissexto atual.
Nosso calendário atual está baseado no antigo calendário romano, que era lunar. Como o período sinódico (aparente, das fases) da Lua é de 29,5 dias, um mês tinha 29 dias e o outro 30 dias, o que totalizava 354 dias. Então a cada três anos era introduzido um mês a mais para completar os 365,25 dias por ano em média.
Os anos no calendário romano eram chamados de A.U.C. (ab urbe condita), "a partir da fundação da cidade de Roma". Neste sistema, o dia 11 de janeiro de 2000 marcou o ano novo do 2753 a.u.c.
A maneira de introduzir o 13o mês se tornou muito irregular, de forma que no ano 46 a.C. Júlio César (Gaius Julius Cæsar, 102-44 a.C.), orientado pelo astrônomo alexandrino Sosígenes de Alexandria (90-? a.C.), reformou o calendário, introduzindo o Calendário Juliano, de doze meses, no qual a cada três anos de 365 dias seguia outro de 366 dias (ano bissexto). Assim, o ano juliano tem em média 365,25 dias. Para acertar o calendário com a primavera, foram adicionados 67 dias àquele ano e o primeiro dia do mês de março de 45 a.C., no calendário romano, foi chamado de 1 de janeiro no calendário Juliano. Este ano é chamado de Ano da Confusão. O ano juliano vigorou por 1600 anos, como veremos a seguir.
Embora, como disse Agostinho de Tagaste (Santo Agostinho, Bispo de Hipona) não saibamos o que é o Tempo, encontramos formas de medi-lo. Contamos nosso tempo de vida em anos, o que, se pensarmos bem, não deixa de ser outra forma de dizer "órbitas", pois isso é o que significa um "ano" na Terra: o tempo que nosso planeta demora para completar uma órbita ao redor de nossa estrela, o Sol, em relação às estrelas. Para os antigos o tempo que o Sol leva para, saindo de uma posição na eclíptica retornar a essa mesma posição.
Bem antes dos faraós e dos textos e calendários inscritos no templo de Karnak e nas Pirâmides, os Sumérios, a primeira civilização conhecida pelo homem, possuía uma cosmogonia avançada, há seis mil anos atrás.
Essa cosmogonia detalhada estava escrito em cuneiforme em tabletes que chegaram até os dias de hoje. Um texto escrito em sete tábuas, em sua versão babilônica, chamado de Epopéia da Criação e conhecido por suas palavras iniciais, Enuma Elish:
"Enuma elish la nabu shamamu
Shaplitu amatum shuma la zacrat..."
Quando nas alturas o céu ainda não recebera um nome
E abaixo, a terra firme ainda não fora chamada...
Esse texto era lido publicamente durante as festividades do ano novo, que se iniciavam no primeiro dia do mês de Nissan, o qual coincidia com o primeiro dia da primavera. Para medir o tempo eles empregaram observações meticulosas das fases da lua.
Além da Suméria, calendários lunares datados de cerca de 8.000 a. C foram encontrados em Warren Field, na Escócia, durante o período mesolítico. Alguns estudiosos afirmam que calendários lunares ainda mais antigos, em pinturas rupestres em cavernas com 17.000 anos como em Lascaux.
Os estudiosos argumentaram que os antigos caçadores-coletores realizaram observações astronômicas regulares da Lua pelo menos já Paleolítico Superior. Alguns pesquisadores datam o uso da Lua como um dispositivo de medição do tempo por volta de 28.000 a 30.000 anos atrás, no paleolítico.
Linha do tempo do Paleolítico, pré-história aos dias atuais
Hoje sabemos que os primeiros calendários surgiram na Mesopotâmia, por volta de 2700 a.C., provavelmente entre os sumérios (primeiros povos a habitar a Mesopotâmia), e foi aprimorado pelos caldeus (povo semita do sul da Mesopotâmia). Esse calendário era baseado nos ciclos mensais das fases da Lua (meses sinódicos) e cada mês iniciava pela lua nova.
Nos calendários puramente lunares, como ainda acontece com os muçulmanos, os feriados recuam cerca de um mês a cada três anos. O calendário de Nipur ou nipuriano, tendo sido projetado para manter um ciclo de feriados relacionados com as estações, não podia permitir tais deslizes: o Ano Novo, por exemplo, tinha de começar no primeiro dia de primavera. Isso exigia, desde o início da civilização suméria, um conhecimento preciso dos movimentos da Terra e da Lua, e sua correlação com o Sol, dessa forma chegando aos segredos da intercalação. Também era necessária uma compreensão de como as estações aconteciam.
Atualmente sabemos que o movimento anual da Terra ao redor do Sol e a inclinação de seu eixo NS resulta nas estações do ano.
Sabemos que o eixo do nosso planeta esta inclinado (inclinação axial do eixo) em relação ao plano da eclíptica e essa inclinação equivale a 23,5 graus. (
Astronoo)
A descoberta dos solstícios também foi atribuída a Meton e seu colega, o astrônomo ateniense Euctemon. Solstício do latim, sol + stitium, parada; já os antigos gregos usavam a palavra ηλιοστάσιο: heliostāsio, que significa: hélios + stasio, sol estático, ou parada do sol, quando ele inverte seu percurso e inicia a volta para o hemisfério sul.
Um calendário baseado unicamente nas fases da lua se distingue de um calendário lunisolar, cujos meses lunares são alinhados com o ano solar por meio de processos de intercalação. Os detalhes de quando os meses começam varia de calendário para calendário (lunar), alguns usando luas novas, cheias ou crescentes e outros empregando cálculos detalhados para determinar o início de cada mês.
Uma vez que cada lunação dura aproximadamente 29 1/2 dias (29 dias, 12 horas, 44 minutos, 3 segundos ou 29,530588 dias), é comum que os meses de um calendário lunar possuam 29 e 30 dias. Como o período de 12 lunações, um ano lunar, é de apenas 354 dias, 8 horas, 48 minutos, 34 segundos (354,367056 dias), os calendários puramente lunares perdem cerca de 11 a 12 dias por ano em relação ao calendário solar (ou calendário gregoriano).
Em calendários puramente lunares, que não fazem uso de intercalação, como o calendário islâmico, os meses lunares percorrem todas as estações de um ano solar ao longo de um ciclo de 33 anos lunares.
Um exemplo de calendário atualmente em vigor que segue o modelo mais simples de calendário lunar é o calendário islâmico, um calendário lunar simples, com um ano de 12 meses, e que não segue as estações do sol. O mês começa quando o primeiro crescente visível da Lua aparece pela primeira vez após o pôr-do-sol.
O calendário islâmico é composto por doze meses de 29 ou 30 dias, ao longo de um ano com 354 ou 355 dias. Como o calendário lunar puro tem cerca de 11 dias a menos que o calendário solar, o ciclo dos anos lunares leva 33 anos para voltar à posição original da Terra em relação ao Sol.
O calendário possuía 12 meses lunares , de 29 ou 30 dias, e serviu de base para o adoptado pelos judeus. Como cada mês começava na Lua nova, o ano tinha 354 dias, ficando desfasado em relação ao calendário solar. Para resolver o problema, os caldeus acrescentavam um mês a cada três anos. O primeiro calendário solar terá sido criado pelos egípcios, em meados do terceiro milénio antes de Cristo. São, portanto, o dia, o mês lunar ou lunação e o ano os períodos astronómicos naturais utilizados em qualquer calendário. Os calendários primitivos do velho Continente, de que a História tem uma informação concreta, são por isso o hebreu e o egípcio. Ambos tinham um ano civil de 360 dias, curto para representar o ciclo das estações, mas grande para corresponder ao chamado "ano lunar", que se define como um período de tempo igual a 12 lunações completas existentes no ano trópico, ainda desconhecido.
Nos primitivos calendários romanos, por exemplo, o ano tinha 304 dias distribuídos por 10 meses. Os 4 primeiros tinham nomes próprios dedicados aos deuses da mitologia romana e provinham de tempos mais remotos, em que, provavelmente, se aplicaram às 4 estações. Os 6 restantes eram designados por números ordinais, indicativos da ordem que ocupavam no calendário.
O calendário de Rómulo, então em uso, foi reformulado por Numa Pompílius (753 a. C. - 673 a. C.), homem sábio e religioso, segundo rei de Roma, o qual, seguindo o exemplo dos gregos, estabeleceu o ano de 12 meses dedicados aos principais deuses pagãos, mas introduzindo em primeiro lugar o mês de Januarius, dedicado a Jano, e em último lugar o mês de Februarius, dedicado a Februa, ao qual os romanos ofereciam sacrifícios para expiar as suas faltas de todo o ano. Este foi o motivo por que o mês de Februarius fosse colocado no fim.
Até o ano 46 a. C., vigorava em Roma um calendário dividido em 355 dias, distribuídos em 12 meses. Essa estrutura do ano civil sofria um sério desajuste com as estações do ano, ao longo do tempo. Assim, as estações do ano passavam a ocorrer em datas diferentes, porque o calendário não correspondia ao ano solar.
As calendas, no antigo calendário romano, eram o primeiro dia de cada mês quando ocorria a Lua Nova. Havia três dias fixos: as calendas, as nonas (quinto ou sétimo dia, de acordo com o mês) e idos (13.º ou 15.º dia, conforme o mês). Dos idos é que provém a expressão "nos idos de setembro", expressando uma data para a segunda metade do mês.
Ad kalendas græcas é uma expressão latina que indica algo que jamais ocorrerá, um evento que nunca acontecerá pois as calendas eram inexistentes no calendário grego. Em português utiliza-se esta expressão já traduzida: "isto vai ficar para as calendas gregas". O termo técnico para tais expressões é "adínato", do grego ἀδύνατον (adunaton), "incapaz, impossível" (a-, "não", "sem" + dynasthai, "possibilidade")(AKG).
O calendário juliano, entrou em vigor em 1 ° de janeiro AUC 709 (45 a. C), por decreto do Imperador Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.) em AUC 708 (46 a.C). O novo calendário foi projetado com a ajuda de matemáticos e astrônomos gregos, liderados por Sosígenes de Alexandria. Sosígenes estabeleceu o chamado ano comum, com 365 dias divididos em 12 meses, alguns com 30 dias e outros com 31, de forma que em cada mês pudessem ser observadas as 4 fases da Lua.
Além disso, acrescentou 1 dia a cada 3 anos, após 25 de fevereiro, criando assim o ano bissexto. O erro da inserção de anos bissextos a cada três anos em vez de quatro foi detectado cerca de trinta anos mais tarde desse calendário ter entrado em vigor. Acredita-se que este erro tenha sido corrigido pela supressão de anos bissextos no período entre 12 a. C. e 3 d. C.
Em 8 d.C., Augusto, que sucedeu Júlio César, fez algumas mudanças no calendário e a partir deste ano o dia extra era acrescentado após o dia 24 de fevereiro, de quatro em quatro anos, como um duplo dia 24. Por isso, eventualmente o calendário Juliano, também é chamado de Juliano-Agostiniano.
Calendário hebreu egípcio
Embora a aproximação de 365 1⁄4 dias para o ano tropical fosse conhecida há muito tempo, os calendários solares antigos usavam períodos menos precisos, resultando em desalinhamento gradual do calendário civil com as estações do ano.
O octaeteris, um ciclo de oito anos lunares popularizado por Cleostratus (e também comumente atribuído a Eudoxus) que foi usado em alguns dos primeiros calendários gregos, notadamente em Atenas, é 1,53 dias mais longo do que oito anos julianos médios. A duração de dezenove anos no ciclo de Meton (ciclo metônico) foi de 6.940 dias, seis horas a mais do que o ano juliano médio. O ano juliano médio foi a base do ciclo de 76 anos planejado por Calipo (um aluno de Eudoxus) para melhorar o ciclo metônico.
No ano 46 a.C., o imperador Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.), ditador da República Romana, na qualidade de pontífice máximo do Império, decidiu reformar o calendário para readequá-lo ao tempo natural (solar). Júlio César, percebendo que as festas romanas marcadas para março (que era então o primeiro mês do ano), estavam a ocorrer em pleno Inverno.
Nome dos meses no calendário Juliano
Segundo Lucano, em uma festa no Egito, na companhia de Cleópatra, Júlio César entrou em contato com um certo sábio chamado Acoreus, ainda segundo Lucano este sábio mostrou intenção de criar um calendário melhor que o calendário de Eudoxus (Eudoxus foi popularmente considerado o melhor calendário até então em uso por ter determinado a duração do ano em 365 1⁄4 dias) .
Ao voltar a Roma Júlio César em 46 a.C. e, de acordo com Plutarco, chamou os melhores filósofos e matemáticos para resolver o problema do calendário. Gaius Plinius Secundus, conhecido como Plínio, o Velho (23 - 79 AD), em sua Naturalis historia, diz que César fora auxiliado em sua reforma do calendário pelo astrônomo Sosígenes de Alexandria (Σωσιγένης ὁ Ἀλεξανδρεύς), que geralmente é considerado o principal projetista da reforma.
Plinio escreve:
“... Havia três escolas principais, a caldeia, a egípcia e a grega; e a estas uma quarta foi acrescentada em nosso país por Júlio César durante sua ditadura, que com a ajuda do erudito astrônomo Sosígenes (Sosígene perito scientiae eius adhibito) trouxe os anos separados de volta à conformidade com o curso do sol. "
No Livro 2, capítulo 6, Sosígenes é creditado com o trabalho sobre a órbita de Mercúrio:
"A estrela próxima a Vênus é Mercúrio, por alguns chamados de Apolo; ela tem uma órbita semelhante, mas não é de forma alguma semelhante em magnitude ou potência. Viaja em um círculo inferior, com uma revolução nove dias mais rápida, brilhando às vezes antes do nascer do sol e às vezes após o pôr do sol, mas de acordo com Cidenas e Sosígenes nunca mais do que 22 graus de distância do sol."
Sosígenes também pode ter sido o autor do almanaque astronômico publicado por César para facilitar a reforma. Por fim, decidiu-se estabelecer um calendário que seria uma combinação entre os antigos meses romanos, o comprimento fixo do calendário egípcio e os 365 dias 1⁄4 do calendário grego.
Segundo o autor de
Histórias com história, os nomes dos meses também receberam uma "repaginada" na reforma do calendário por Júlio César. Ficando como os conhecemos hoje.
Janeiro
Jano, deus romano de duas faces, considerado deus das portas, um "porteiro celestial", das passagens, inícios e fins. Daí justamente a entrada e início do ano.
Fevereiro
Febraio, Fébruo, deus etrusco da morte; Februarius (mensis), "Mês da purificação" em latim, parece ser uma palavra de origem Sabina (tibo da região da Península Itálica) e o último mês do calendário romano anterior a 45 a.C. Relacionado com a palavra "febre".
Março
Marte, deus romano da guerra. Neste mês começa a primavera no Hemisfério Norte, que era considerada uma ótima época para iniciar campanhas militares.
Abril
O seu nome deriva do latim April, que significa abrir, numa referência à germinação das culturas. Outra hipótese sugere que seja derivado de Apro, o nome etrusco de Vénus, deusa do amor e da paixão. Além de ser o único mês que termina com "L" ao invés de "O"
Maio
Maia Maiestas e Flora, deusas romanas que se acreditavam ser responsáveis pela primavera o crescimento e o desenvolvimento das flores.
Junho
Juno (Hera), deusa romana, esposa do deus Júpiter. Considerada a protetora da família e dos partos.
Julho
Julius Caesar, (Júlio Cesar), general romano. O mês era anteriormente chamado Quíncio, ou quintilius, o quinto mês do calendário de Rómulo. Séculos depois foi rebatizado em homenagem ao imperador Julius Caesar que tinha sido assassinado.
Agosto
Augustus, (Augusto), primeiro imperador romano. O mês era anteriormente chamado Sêxtil ou sextilis, o sexto mês do calendário de Rómulo. Também foi rebatizado em homenagem ao imperador Augustus.
Setembro
Septem, "sete" em latim; o sétimo mês do calendário de Rómulo. Foi mantido nos calendários posteriores.
Outubro
Octo, "oito" em latim; era o oitavo mês do calendário de Rómulo. Mantido nos calendários posteriores.
Novembro
Novem, "nove" em latim; o nono mês do calendário de Rómulo. Mantido nos calendários posteriores.
Dezembro
Decem, "dez" em latim; o décimo mês do calendário de Rómulo. Mantido nos calendários posteriores. (
Histórias com história).
Os dias da semana
"Que no venerável dia do sol "dies Solis" "dia do Sol" em honra da divindade romana Sol Invictus, os magistrados e as pessoas residentes nas cidades descansem, e que todas as oficinas, estejam fechadas. No campo que as pessoas ocupadas na agricultura possam livremente continuar seus afazeres pois pode acontecer que qualquer outro dia não seja propício para a plantação de vinhas ou de sementes..."
Contudo, o culto ao Sol Invicto ainda permaneceria em Roma (assim como o uso da denominação dies Solis), até a promulgação do célebre Édito de Tessalônica, de 27 de fevereiro de 380, quando o imperador Teodósio I, determinou que a única religião de Estado seria o Cristianismo de Niceia (Credo Nicênico) e baniu qualquer outro culto existente.
Assim, em 3 de novembro de 383, o dies Solis passou a ser denominado oficialmente Dies dominica (Dia do Senhor) em todo o Império Romano. Nessa mesma compreensão, o Dies dominica existe em castelhano (domingo), italiano (domenica), francês (dimanche) e em todas as línguas românicas.
No entanto, a denominação pagã, alusiva ao Sol, foi preservada por alguns como no inglês (Sunday), no alemão (Sonntag) e demais línguas germânicas, significando Dia do Sol.
Ainda segundo o autor de Histórias com história, também os dias
da semana mereceram uma especial referência, sobretudo na língua portuguesa, devido à influencia católica na região que no futuro faria parte de Portugal.
Martinus Bracarensis (Panônia c 520 d.C. - Braga 579-80 d.C.)
Foi responsavel por renomear os nomes dos dias da semana substituindo os antigos nomes tradicionais peles nomes que conhecemos hoje.
Martinus Bracarensis representado em um manuscrito do séc. X AD
Por iniciativa de Martinho de Dume (Panônia c 520 d.C. - Braga 579-80 d.C.), arcebispo de Bracara Augusta e Dumium, na Gallaecia também conhecido por Martinus Dumiensis ou Martinus Bracariensis ficou conhecido por entre outros feitos por renomear os dias da semana na língua portuguesa.
Bracara, do latím bracara, topónimo procedente dos brácaros, que habitavan no convento bracarense (divisão administrativa de vários povos indígenas que assessoravam o governador). Bracara é um nome que faz alusão as brācae, bragas ou calças que as pessoas desse povoado vestiam. Posteriormente, à conquista romana foi denominada de Bracara Augusta, sendo elevada a categora de civitas.
Martinho de Braga considerava indigno de bons cristãos que se continuasse a chamar os dias da semana santa pelos nomes latinos tradicionais, pagãos de Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, homenageando os deuses antigos e pagãos, sobretudo na semana santa.
Em suas instruções, Martinho de Braga se opõe a esse costume "astrológico" de nomear os dias da semana em honra aos deuses (planetas).
Assim, no Primeiro Concílio da Igreja Católica da cidade de Bracara Augusta (atual Braga), realizado em 563, e por determinação desse Concílio, renomeou-se os dias da Semana Santa, devendo valer imediatamente para o povo daquela localidade.
Martinho de Braga, por ser muito influente na corte, ser abade do mosteiro de Dume e arcebispo de Braga e por falar a língua local (língua da Gallaecia e o proto-português) na região de Bracara Augusta que, na época, eram uma única língua; propôs novos nomes para os dias da semana que indicavam a ordem desses dias, sendo o primeiro o domingo (Prima feria) que já era conhecido por Dominica Dies (Dia do Senhor), seguido pela segunda (secondus feria), o terceiro (tértius feria) em vez de divindades pagãs ou astros. A palavra “feira” vem de féria, que, em latim, significa “dia de descanso”. O termo "feria" junto com o novo nome do dia da semana, passou a ser empregado para designar os nomes dos dias da Semana Santa.
Esses "novos nomes" deveriam valer apenas para a semana santa (semana que antecede o domingo de Páscoa) quando todo bom cristão deveria descansar, e atender aos rituais católicos que se desenrolavam nessa semana. Todavia surpreendentemente eles continuaram valeindo e sendo usados para designar os dias de todas as semanas do ano.
Os dois outros dias que não tinham uma regra foram o sábado e domingo (Prima Feria, na Semana Santa), que derivam, respectivamente, do hebreu shabbat, o dia de descanso dos judeus, e do latim Dies Dominicus, o “Dia do Senhor” (que ja havia sido instituído por Theodósio I, substituindo o dia do Sol Invictus, pelo dia do Senhor).
Na nomenclatura pagã para os dias da semana, cada dia era dedicado a um astro ou a um deus que variava de acordo com a mitologia local de cada cultura e que foram conservados em outros idiomas, como por exemplo no inglês, francês, espanhol, até à atualidade.
Heptagrama dos sete corpos celestiais que homenageados nos dias da semana
Bracelete Italiano de camafeu representando os dias da semana. Cada dia corresponde a um planetas, e como Deuses romanos: Diana como a Lua, para segunda-feira, Marte para a terça-feira, Mercúrio para a quarta-feira, Júpiter para quinta-feira, Vênus para sexta-feira, Saturno para sábado e Apollo como o Sol para o domingo.
Dias da semana
Com isso, os dias da semana ficaram assim nomeados
Segunda-feira
Dia da Lua. Lune dies, moon day. Logo depois do Sol e sempre no céu, era a Lua a impressão mais forte recebida pelo homem. Influía nas marés, no plantio, no corte das madeiras, e os antigos acreditavam que influenciava até mesmo no nascimento das crianças segundo alguns. Daí a atribuir-lhe um dia da semana em sua homenagem.
Terça-feira
Dia de Marte. Tuesday é baseado no nome Dies Martis, do Latim, "Dia de Marte" ("Day of Mars"), o deus da guerra Romano. Na escala dos poderes que governavam os céus, as trevas e os seres humanos, Marte preponderava.
Era considerado o senhor da guerra e, portanto, dos destinos dos povos a das nações. A sua influência era tão grande que, inclusive, no calendário romano lhe foi destinado um mês (Março). Vem de Tiwesdæg, palavra do Inglês arcaico que significa "Dia do Tiw" (Tiu's day). Tiw, também conhecido como Tew, Tyr ou Tywar, foi um deus da guerra e da glória na mitologia norueguesa e no paganismo germânico e por sincretismo passou a ser associado com marte.
Quarta-feira
Dia de Mercúrio. Dies Mercurii. Era considerado o deus do comércio, dos viajantes e até ladrões. Mensageiro e arauto de Júpiter, protegia os comerciantes e os seus negócios, dada a importância que estas criaturas tiveram em todos os tempos e em todos os lugares, alcançaram para o seu deus a consagração de um dia da semana. O nome Wednesday vem de Wōdnesdæg, palavra do Inglês Arcaico que significa o dia do deus Germânico Woden, mais conhecido como Odin, que era o deus de maior hierarquia e mais poderoso na mitologia norueguesa, era pai de Thor e marido de Freya, e um deus proeminente até o século XVII. Wednesday é baseado no nome Dies Mercurii, do Latim, "Dia de Mercúrio" (Woden's day, em Inglês).
Quinta-feira
Dia de Júpiter. Honra conferida ao pai dos deuses pagãos, comandante dos ventos, dos raios e tempestades. Daí a ideia de lhe atribuir um dia da semana, talvez para acalmar a sua fúria. O nome Thursday vem de Þūnresdæg, palavra do Inglês Arcaico que significa dia do Þunor, conhecido como Thor no Inlgês moderno (Modern English). Thor é o deus dos trovões na mitologia norueguesa e no paganismo germânico. Thursday é baseado no nome Dies Iovis, do Latim, "Dia de Júpter" (Thor's day). No panteão Romano, templo dedicado aos deuses na Roma antiga, Júpter era o deus mais importante e mantinha seu poder por causa dos seus raios.
Sexta-feira
Dia de Vénus. Nascida da espuma do mar para distribuir belezas pelo mundo, a deusa Vénus representava para os povos pré-cristãos os ideais da formosura, beleza, harmonia e amor. Daí a razão de merecer a homenagem de um dia da semana. O nome Friday vem de Frigedæg, palavra do Inglês antigo que significa "Dia de Frige" (Freya's day), a deusa germânicia da beleza. É a mãe de Thor e esposa de Odin, Freya é a Deusa da Cura e uma guerreira muito poderosa, que antes de se tornar esposa de Odin, era uma das Valquírias que levava os guerreiros mortos em batalha para Valhalla, porém, Odin arrancou suas asas e a desposou. Na verdade, trata-se de uma adaptação do latim Dies Veneris (Dia de Vênus). Frige ou Frigg era a deusa nórdica do amor, correspondente a Vênus da mitologia romana, deusa da formosura, do amor e dos prazeres.
Sábado
Dia de Saturno. Saturno, deus especialmente querido dos romanos, foi despojado, pelo uso e pelo tempo, da homenagem consistente em dar nome a um dia da semana. No Império Romano eram celebrados grandes festejos em sua honra as designadas Saturnalias, realizadas em dezembro e que se prolongavam por vários dias. Mas a homenagem a Saturno, correspondente a um dia da semana, perdeu-se nas línguas latinas, em que se deu preferência ao termo hebraico Shabbath, que significa repouso, indicado na velha lei judaica como sendo o dia dedicado ao descanso e às orações. Mas a língua inglesa permaneceu fiel ao velho Saturno. A tradução Anglo-saxã original de Saturday era Sæturnesdæg, que em Latim significava Dies Saturni, "Dia de Saturno" (Saturn's day). Saturday é o único dia da semana que possui origem Romana, vem de Saturn. Provavelmente os Anglo-Saxões adotaram esse nome porque não havia nenhum deus norueguês que correspondesse ao "deus Romano da agricultura".
Domingo
Domenica dies, Dia do Senhor. Anteriormente era o dia dedicado ao Sol invictus: Dies Solis , dia do Sol, o astro-rei que era emblema da divindade mais poderosa do Panteão Romano, Sabino e Etruscos. O Sol afastava as trevas, aquecia os corpos, amadurecia as colheitas. O Sol era como se simbolizasse o próprio Deus, daí a designação de Dia do Senhor entre os latinos. O nome Sunday vem de Sunnandæg, palavra do Inglês arcaico. Como a palavra Sun significa sol e Day significa dia, Sunday quer dizer "Dia do Sol" ("Day of the Sun"). A expressão "Day of the Sun" originou-se do Latim Dies Solis.
Tempo: luz e sombra
Instrumentos como o gnomon da Basílica Santa Maria Novella e da Basílica de Santa Maria del Fiori, em Florença, e de tantas outras espalhadas pela Europa, foram importantíssimos para a reforma do calendário Juliano, que era baseado na ideia de que o ano solar era constituído exatamente de 365 dias e seis horas apenas.
A questão da contínua regressão do equinócio era debatida desde o Concílio de Nicéa ocorrido em 325, mas nunca tinha sido realmente resolvida.
Durante o Concílio foi estabelecido que a Páscoa seria celebrada no domingo seguinte a primeira noite de lua cheia após o equinócio de primavera. Assim, determinar o dia do equinócio se transformou em um grande problema religioso, uma vez que celebrar a Páscoa fora da data oficial era cometer um grande pecado passível da danação eterna.
Ao utilizar os dados propostos pela teoria de Nicolau Copérnico, Egnazio Danti e os frades de Santa Maria Novella ficaram surpresos quando a Esfera Armilar da fachada da basílica determinou que o equinócio caia no dia 1º de abril e não no dia 21 de março.
Isto aconteceu porque ainda estava em vigor o calendário Juliano, criado por Júlio César em 46 a.C. Um calendário muito preciso para sua época e que já previa o “ano bissexto”, mas que sofreu diversas modificações e que com o passar do tempo acumulou em média um atraso de 11 minutos por ano, totalizando um atraso de mais de 10 dias no calendário.
Concílio de Trento
Em 1545, o Concílio de Trento determinou a realização de alterações no calendário da Igreja. Para isso foi reunido um grupo de especialistas, formando uma comissão de reforma, para estudar e corrigir o calendário Juliano (
Histórias com história).
A Comissão preparou um documento, o Compendium, em 1577, enviado no ano seguinte aos Príncipes e matemáticos para darem o seu parecer.
O objetivo da mudança era fazer regressar o equinócio da Primavera para o dia 21 de março e desfazer o erro de 10 dias existente na época. Neste grupo, constituído por astrónomos e matemáticos, entre eles teve um papel preponderante o célebre sábio e matemático e padre jesuíta Christophoro Clavius (1538 - 1612), que estudou matemática em Coimbra com o português Pedro Nunes (1502 - 1578).
Após 5 anos de estudos e cálculos astronómicos, o papa Gregório XIII (1502 - 1585), instituiu o novo calendário em 1582, mediante a bula "Inter Gravissimas", a fim de adequar a data da Páscoa ao equinócio da primavera no Hemisfério Norte.
Gregorius XIII (7/I/1502 - 10/IV/1585), nascido Ugo Boncompagni, foi chefe da Igreja Católica e governante dos Estados Papais de 13 de maio de 1572 até sua morte em 1585. Ele é mais conhecido por comissionar e ser o homônimo do calendário gregoriano, que permanece o calendário civil internacionalmente aceito até hoje. Retrato pintado por Lavinia Fontana (1552-1614)
Assim, a partir dos estudos do Cristóphoro Clavio, do astrônomo Giuseppe Scala e do monge agostiniano Egnazio Dante, utilizando também os estudos feitos por Nicolau Copérnico publicados anos antes no livro Revolutionibus orbium coelestium libri sex, foi possível determinar com precisão a duração do ano solar de 365 dias, 06 horas, 09 minutos e 10 segundos.
Em 1582, o Papa Gregório XIII, aconselhado pelos astrónomos, decretou pela bula Inter gravissimas que quinta-feira, 4 de Outubro de 1582 seria imediatamente seguido de sexta-feira 15 de Outubro para compensar a diferença acumulada ao longo de séculos entre o calendário juliano e as efemérides astronómicas.
Bula papal "Inter gravissimas..." (entre os mais sérios...)
estabelece entre outros dispositivos o novo calendário.
Essa bula é a culminação dos estudos baseados na observação meticulosa do Sol e da duração dos dias.
Christpher Clavius (canto inferior esquerdo)
e duas efigies do Papa Gregorio XIII
A bula pontifícia dava providência a outros assuntos como as regras para impressão dos calendários, com o objetivo de que eles fossem mantidos íntegros e livres de falhas ou erros. Era proibido a todas as gráficas, publicar ou imprimir, sem a autorização expressa da Santa Igreja Romana, o calendário ou o martirológico em conjunto ou separadamente, ou ainda de tirar proveito de qualquer forma a partir dele, sob pena de perda de contratos e de uma multa de 100 ducados de ouro a ser paga à Sé Apostólica Romana. O não cumprimento desta lei punia ainda o infrator com a pena de excomunhão, designada de
latae sententiae e a outras tristezas, como consta na mesma bula. (
Histórias com história)
Oficialmente o primeiro dia deste novo calendário foi a 15 de outubro de 1582. Este ajuste implicou a supressão de 10 dias do mês de outubro daquele ano, ou seja, do dia 5 de outubro de 1582, quinta feira, saltou-se para o dia 15 de outubro, sexta feira. Além disso, os dias bissextos que caíssem nos anos centenários (aqueles terminados em 00, como 1700, por exemplo) passariam a ser ignorados, a menos que fossem divisíveis de modo exato por 400 (como 1600 e 2000). Essa regra suprimia três anos bissextos a cada quatro séculos, deixando o calendário Gregoriano suficientemente preciso e eliminando o atraso de três dias a cada 400 anos, que ocorria no calendário Juliano.
Apesar do ajuste nos anos bissextos, o ano do calendário Gregoriano ainda tem cerca de 26 segundos a mais que o período orbital da Terra. Esta falha, no entanto, só acumula um dia a mais a cada 3.323 anos. O calendário Gregoriano apresenta alguns defeitos, tanto sob o ponto de vista astronómico (estrutura interna), como no seu aspecto prático (estrutura externa). Por exemplo, o número de dias de cada mês é irregular (28 a 31 dias), para além disso a semana, adoptada quase universalmente como unidade laboral de tempo, não se encontra integrada nos meses e muitas vezes fica repartida por dois meses diferentes, prejudicando a distribuição racional do trabalho e dos salários. Outro problema é a mobilidade da data da Páscoa, que oscila entre os dias 22 de março e 25 de abril, perturbando a duração dos trimestres escolares e de numerosas outras atividades económicas e sociais.
Com a bula Inter gravíssimas de 24 de fevereiro de 1582, Gregório XIII decretou a reforma do calendário Juliano, então em vigor, não sem provocar oposição do mundo, segundo tradições religiosas vinculadas a uma cronologia já canonizada pelo uso, bem como a aprovação dos estudiosos e das gerações futuras.
O calendário Juliano, em homenagem a Júlio César, que o estabeleceu em 46 AC, estruturou o ano civil em 365 dias, adicionando 1 dia a cada 4 anos (ano bissexto), necessário para equilibrar a descompensação de aproximadamente 6 horas entre o ano civil e o ano solar.
De acordo com os cálculos do calendário Juliano, que então parecia correto, havia sido estabelecido o equinócio da primavera no dia 25 Março e o solstício de inverno em 25 de dezembro. Ao longo dos séculos, percebeu-se um erro de cálculo no calendário juliano que resultou na adição de um dia a cada 128 anos, e consequentemente, fez com que as datas do equinócio e do solstício fossem atrasadas cada vez mais com o passar do tempo.
O “Lunário Novo segundo a nova reforma” é sem dúvida uma dos
primeiras cópias de calendários impressos em Roma após a reforma gregoriana; agora se
encontrado encadernado em um dos diversos volumes de papéis do Papa Boncompagni
composta em 1627 pelo citado Giovanni Battista Confalonieri, oficial do Arquivo de Castel
Sant’Angelo. Deve ser anotado no calendário, entre outros detalhes curiosos, a falta de dias 5 a 14
no mês de outubro e a autorização pontifícia para impressão.
Lunário novo segundo a nova reforma (
6)
O monge dominicano Egnazio Danti (Perugia de 1536 – Alatri, 1586), nascido Carlo Pellegrino, foi um cientista, astrônomo, engenheiro e cartógrafo, entre os homens mais versáteis e brilhantes da ciência do seu tempo. De 1562-1576 é matemático e cosmógrafo da corte do Grão-Duque Cosimo I, para o qual fabrica os mapas geográficos das portas dos armários da Sala dos Mapas do Palazzo Vecchio.
Egnazio Danti (Perugia de 1536 – Alatri, 1586)
Retrato pintado por Bartolomeo Passerotti (1529-15920
Em Florença, Danti também revela toda a sua habilidade de fabricante de instrumentos científicos, criando um belo astrolábio de latão e um par de instrumentos astronômicos colocados na fachada da igreja de Santa Maria Novella. Além dos instrumentos astronômicos da fachada de Santa Maria Novella, Danti construiu em torno de 1570 um grande astrolábio, hoje conservado no Museu Galileo.
Esquema da esfera armilar equinocial de Egnazio Danti.
Uma esfera armilar equinocial feita por E. Danti foi colocada na fachada da Basílica. (Desenho da esfera armilar equinocial de Egnazio Danti colocado na fachada de Santa Maria Novella em Florença, em E. Danti, "Uso et fabbrica dell'astrolabio et del planisferio", Florença, 1578, vol. I, p. 317
Esfera armilar equinocial de Egnazio Danti, colocada
na fachada da Catedral de Santa Maria Novella, Firenze.
Danti também desempenha um papel importante na evolução do cientista italiano do século XVI, tanto teórico quanto técnico-prático. Em Florença Danti publicou duas obras importantes: a tradução em língua italiana da Prospectiva de Euclides (1573) e o Dell’uso et fabbrica dell’astrolabio (1578), um dos primeiros exemplos de manual técnico dedicado a um instrumento científico em língua italiana.
Cosimo I morre no mês de abril de 1574 e seu filho Francesco I assume o governo da Toscana. No final do verão de 1575, Danti entre em conflito com Francesco I e infelizmente é convidado a deixar a Toscana em 24 horas. Assim Danti vai para Bologna onde continua os seus estudos, e torna-se professor de matemática e bispo de Alatri na Capagna.
A câmara escura
Existem teorias de que ocorrências de efeitos de câmera obscura (através de minúsculos orifícios em tendas ou em telas de pele animal) inspiraram pinturas rupestres paleolíticas.
Distorções nas formas de animais em muitas obras de arte em cavernas paleolíticas podem ser inspiradas por distorções vistas quando a superfície na qual uma imagem foi projetada não era reta ou não estava no ângulo certo. Também tem sido sugerido que as projeções da câmera obscura podem ter desempenhado um papel nas estruturas neolíticas.
Gnomons perfurados projetando uma imagem do sol por um orifício foram descritos em obras chinesas como o Zhoubi Suanjing (1046 aC-256 a.C., com material adicionado até cerca de 220 AD). A localização do círculo brilhante pode ser medida para indicar a hora do dia e do ano.
O Zhoubi Suanjing (chinês: 周 髀 算 經; Chou Bi Suan Ching) é um dos mais antigos textos matemáticos chineses. "Zhou" refere-se à antiga dinastia Zhou (1046–256 a.C); "Bi" significa haste (de um gnomon) e, de acordo com o livro, refere-se ao gnômon do relógio de sol. O livro é dedicado à observação e cálculo astronômico. "Suan Jing" ou "clássico da aritmética" foram acrescentados posteriormente para homenagear a realização do livro em matemática. Este livro data do período da dinastia Zhou, mas sua compilação e adição de materiais continuaram na dinastia Han (202 a. C - 220 d. C). É uma coleção anônima de 246 problemas encontrados pelo Duque de Zhou e seu astrônomo e matemático Shang Gao.
Diagrama adicionado por Zhao Shuang ao Zhoubi Suanjing
que pode ser usado para provar o Teorema de Pitágoras
Zhao Shuang foi um matemático chinês que viveu no século III d.C. Ele passou sua vida estudando o livro chamado “Ling Xian” do famoso cientista chinês Zhang Heng e o antigo livro de aritmética chamado “Zhou bi”. A principal conquista de Zhao Shuang foi resumir as antigas conquistas matemáticas sobre a "matemática Gou gu" da dinastia Han. Enquanto isso, ele redescobriu o “Gou gu therorem”, que na verdade é a versão chinesa do “teorema de Pitágoras” (Πυθαγόρας ὁ Σάμιος, 570 - 495 a.C).
Ele escreveu centenas de artigos sobre “figuras geométricas de Gou gu”, que são os primeiros registros do uso de várias proposições para provar as relações de soma-diferença entre os três lados de um triângulo. Além disso, ele explorou as raízes da equação quadrática e até apresentou algumas conclusões, que são semelhantes à fórmula de Vieta. Em matemática, as fórmulas de Vieta são fórmulas que relacionam os coeficientes de um polinômio a somas e produtos de suas raízes. Nomeado em homenagem a François Viète (mais comumente referido pela forma latinizada de seu nome, "Franciscus Vieta"), as fórmulas são usadas especificamente em álgebra.(
3010Triangles)
Nas culturas árabes e europeias, sua invenção foi muito mais tarde atribuída ao astrônomo e matemático egípcio Ibn Yunus por volta de 1000 AD.
Acredita-se que alguns avistamentos antigos de deuses e espíritos, especialmente na adoração no templo, foram possivelmente evocados por meio de projeções de câmera obscura, a pessoas desavisadas do fenômeno.
Feixe de luz que entra na Catedral pelo furo da fachada
feito acima da rosácea central (
3)
Projeção do gnomon no pavimento da Catedral de Florença (Basílica de Santa Maria del Fiore) durante o solstício em 21 de junho.(
3)
Um pouco de Firenze
Perambulando por Florença me deparo com uma igrega que sempre quis conhecer, uma entre tantas: Santa Maria Novella. Por tudo é arte, por todo lado meus olhos se afogam na história e no tempo que esta cristalizado nas obras de arte pelas mãos dos grandes mestres artesãos-artistas do passado.
É sabido que Florença é uma cidade com fortes conexões com os temas de arte e história, hospedando algumas das obras de arte mais conhecidas mundialmente em seus museus e recebendo milhares de visitantes todos os dias na esperança de absorver tanto conhecimento histórico quanto eles pode em sua curta estada. O passado dá vida à cidade e a todos os que aqui se aventuram. No entanto, existem alguns aspectos menos conhecidos de Florença que retêm sua própria magia, especificamente no campo da ciência.
A própria cúpula da Cattedrale di Santa Maria del Fiore é uma realização tecnológica e científica extraordinário, mas talvez algo ainda mais maravilhoso alojado na cúpula, seja o Gnomon. Este dispositivo é basicamente um orifício circular localizado no topo da cúpula que, no passado, permitia aos cientistas observar a passagem do sol no meridiano e sua projeção no piso da capela da Cruz, durante todos os dias do ano, assim determinando e demarcando o ano solar.
Com a tecnologia que temos hoje, a necessidade prática de tais instrumentos foi eliminada, mas o gnômon ainda é uma grande atração. Este ano, durante o solstício de verão, você será capaz de testemunhar o fenômeno do disco de luz do sol penetrar pelo orificio e cair no chão da catedral para coincidir com sua contraparte de mármore no chão abaixo. As oportunidades para ver isso serão nos dias 12, 20 e 25 de junho, entre 12h30 e 13h30.
O show de luzes decorre na capela da cruz, à esquerda do altar principal. A entrada regular na catedral, como de costume, é gratuita.
O gnômon está em uso na cúpula desde 1475, quando foi projetado e instalado pelo matemático florentino chamado Paolo Dal Pozzo Toscanelli. Foi construído a 90 metros do chão, com uma pequena abertura no meio de uma placa circular de bronze, e é o maior do gênero no mundo.
Existem outros dispositivos semelhantes localizados em igrejas por toda a Itália e França, mas nenhum tão alto quanto o de Florença. Sua extrema altura é a razão de os raios de luz atingirem o solo apenas por um curto período de tempo a cada ano. Quando os raios do Sol atravessam o orificio, ele se move através da linha do meridiano no chão do templo, marcando o solstício quando ele corresponde ao círculo de mármore específico.
O dispositivo foi usado em todo o seu potencial por cerca de 300 anos após sua instalação, no entanto, devido a inconstâncias científicas, como o movimento do eixo da Terra ou da altitude do Sol no céu, o gnômon perdeu sua credibilidade, isso porque se desenvolveu instrumentos mais precisos com o passar do tempo.
Agora ele pode ser usado para ajudar a determinar a estabilidade da estrutura da catedral, fazendo as medições todos os anos e procurando por quaisquer diferenças de luz combinando com o círculo de mármore no chão.
Este é um acontecimento que só pode ser testemunhado nestes poucos dias, e uma realização histórica e científica verdadeiramente magnífica. A engenhosidade do famoso povo florentino mantém o passado vivo e inspira uma nova inspiração em nossas próprias vidas.
O frade dominicano Egnazio Danti (Perugia de 1536 – Alatri, 1586), nascido Carlo Pellegrino, foi um cientista, astrônomo, engenheiro e cartógrafo, entre os homens mais versáteis e brilhantes da ciência do seu tempo. De 1562-1576 é matemático e cosmógrafo da corte do Grão-Duque Cosimo I, para o qual fabrica os mapas geográficos das portas dos armários da Sala dos Mapas do Palazzo Vecchio.
Em Florença, Danti também revela toda a sua habilidade de fabricante de instrumentos científicos, criando um belo astrolábio de latão e um par de instrumentos astronômicos colocados na fachada da igreja de Santa Maria Novella.
Além dos instrumentos astronômicos da fachada de Santa Maria Novella, Danti construiu em torno de 1570 um grande astrolabio, hoje conservado no Museu Galileo.
Danti também desempenha um papel importante na evolução do cientista italiano do século XVI, tanto teórico quanto técnico-prático. Em Florença Danti publicou duas obras importantes: a tradução em língua italiana da Prospectiva de Euclides (1573) e o Dell’uso et fabbrica dell’astrolabio (1578), um dos primeiros exemplos de manual técnico dedicado a um instrumento científico em língua italiana.
Cosimo I morre no mês de abril de 1574 e seu filho Francesco I assume o governo da Toscana. No final do verão de 1575, Danti entra em conflito com Francesco I e infelizmente é convidado a deixar a Toscana em 24 horas. Assim, Egnazio Danti vai para Bologna onde continua os seus estudos.
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ALHAZEN ou Alhacen (Abu 'Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham, 965-c.1040, publicou seus achados sobre a ideia da câmara obscura em seu Livro de óptica de 1021 A.D. Através dessa obra, sabemos que ele forneceu uma descrição clara para a construção de uma câmera obscura depois de perceber que, quanto menor o orifício (pinhole= stenopo), mais nítida era a imagem formada, na superfície onde os raios batiam. Sua contribuição no campo da ótica é bem documentada ele ainda fez inúmeros comentários às obras de Aristóteles, Ptolomeu e Euclides.
Abu Ali Haçane ou Ibne Haitan ou Alhazen ou Alhacen
(Abu 'Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham, 965-c.1040)
Considerado o pai da óptica
No Renascimento, Leonardo da Vinci, sec. XVI, investiga o funcionamento da câmera obscura e compara ao funcionamento do olho humano, relatando em um de seus códices. Jérôme Cardan (1501- 1576) teve a ideia de adicionar uma lente ao orifício (provavelmente uma lente convergente) e um de seus discípulos, Jean Baptista Della Porta, em uma obra de 1553, chamada “Magia Naturalis”, descreve uma câmera obscura de escala humana na qual se podia entrar e observar a imagem invertida formada em seu interior. Todavia, foi Daniel Bárbaro que, em 1568, teve a ideia de empregar um diafragma para regular a abertura por onde os raios luminosos entravam, reduzindo ou aumentando o orifício por onde entra a luz; dessa forma, podia-se aumentar a nitidez da imagem formada.
Leonardo da Vinci (1452-1519)
Câmeras obscuras portáteis montadas com lente, diafragma e um espelho inclinado em 45º para redirecionar a imagem formada para um plano horizontal apareceram em 1665 e são descritas pela primeira vez na obra de Johannes Zahn Oculus artificialis teledipticus sive telescopium, bem como na obra do padre Athanasius Kircher De ars magna et lucis umbrae.
Desta forma, eruditos e pesquisadores usaram a câmara obscura como Johannes Kepler (1571- 1630) em suas observações astronômicas e Johannes Vermeer (1632- 1675) para suas pinturas que mais parecem fotografias, apresentando até as mesmas distorções da luz das câmaras fotográficas atuais.
A câmara obscura é o aparelho ancestral de toda câmara fotográfica e, ao longo de sua existência, a câmara obscura serviu ao propósito de descrever o mundo, possibilitando ao homem curioso investigar melhor os fenômenos tanto terrestres como celestes, além de ser usada na arte especialmente no desenho e pintura.
A luz e a química
Entretanto, foi necessário um longo tempo e pesquisa diligente na área da óptica e da química para que a imagem efêmera, projetada em uma tela na câmara obscura, pudesse ser fixada sobre um suporte e assim pudesse ser apreciada inúmeras vezes.
Ora, foi necessário então um cruzamento da química (alquimia) com a óptica (física) para que a câmara fotográfica viesse à luz literalmente. No âmbito da química-alquímica, Albert Le Grand (Albertus Magnus) (1193- 1280) relata o escurecimento dos sais de prata expostos a luz.
Já em 1604, o físico-químico italiano Ângelo Sala estudou o escurecimento de alguns compostos de prata pela exposição à luz do Sol e publica seus resultados mostrando que o escurecimento era devido à luz do sol e não ao calor. O que foi comprovado magistralmente em 1725 por Heinrich Schulze, médico alemão. Schulze conseguiu fotogramas de letras recortadas aplicadas sobre frascos de calcário impregnados de sais de cloreto de prata e ácido nítrico e chama esses produtos de “escotofóricos”, i.e., que trazem as trevas em oposição aos produtos “fotofóricos”, que trazem a luz. Todavia não obteve sucesso em manter as imagens fixas, pois estas, à medida que o tempo passava, escureciam lentamente.
Mas foi Thomas Wedgwood (1771-1805), cuja irmã casaria com Charles Darwin mais tarde, que fundou o “Lunatic club”, e nesse clube conhece Humphry Davy (1778-1829); ambos resolvem investigar as propriedades fotoquímicas dos sais de prata. Publica seu trabalho no Journal of the Royal institution no ano de 1802, intitulado Ensaio de um método para copiar os quadros de vidro e para fazer perfis pela ação da luz sobre o nitrato de prata, inventado por Thomas Wedgwood com observações de Humphrey Davy. Mais tarde Sir John Herschel demonstra as propriedades do hipossulfito de sódio (Tiossulfito de sódio = Na2S3O4, que é o sal sódico do ácido hipossulfuroso (H2S3O4)) como solvente da prata. Assim, todas as peças desse quebra-cabeça incrível estavam prontas, bastando apenas agrupá-las.
No entanto a pesquisa da formação e fixação da imagem tomou outro caminho com Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) e Louis-Jacques Mande Daguerre (1787-1851): esses dois homens foram responsáveis pela invenção da fotografia ou mais precisamente o “daguerreótipo”.
Vista da janela em Le Gras (View from the Window at Le Gras), a primeira fotografia da história capturada entre 1826 e 1827, a imagem foi feita através de um processo ancestral da câmera fotográfica, a camâra obscura.
Em 19 de agosto de 1839, Francois Arago revela às Academias das Ciências e de Belas-Artes reunidas o método do daguerreótipo e o processo torna-se público. Entretanto, na Inglaterra, Henri Fox Talbot (1800- 1877), desconhecendo as investigações de Wedgwood, Niepce e Daguerre, experimenta, desde 1834, com papéis impregnados de nitrato de prata (AgNO3) fixados com sal de cozinha (NaCl), e obtêm negativos chamados desenhos fotogênicos. Emprega, assim, pela primeira vez, a palavra “fotografia” aconselhado por Herschel. Em 1840, realiza a revelação da imagem latente e chama seu processo de “calótipo” (do grego: καλός = kalos = beleza e τύπος = Typos = impressão). Basicamente o calótipo consiste expor à luz, através da câmara escura, um negativo em papel sensibilizado com nitrato de prata e ácido gálico. Posteriormente esta imagem negativa em papel é fixada numa solução de hipossulfito (tiossulfito) de sódio. Quando pronto e seco, positiva-se por contato direto num papel identicamente sensibilizado, o qual passa pela revelação para a obtenção da imagem positiva e fixação em tiossulfito de sódio.
A invenção da fotografia deve-se primariamente a cinco grandes mentes do século XIX: Joseph Nicéphore Niépce, Louis-Jacques Mande Daguerre, Henri Fox Talbot, Hippolyte Bayard e Hercule Florence (francês radicado no Brasil), este último teria, segundo Cossoy, cunhado o termo: Photografia (do grego: φωτός = phōtos, genitivo de φῶς (phōs) = luz e γραφή (graphé) = representação pelo uso de linhas ou desenho, desenho com luz).
Desde então, a fotografia tem sido usada para comunicar ideias, registrar fatos e acontecimentos de todo tipo, simbolizar ideias e pensamentos e fazer pensar, cada um que contemple uma foto, sobre um ato que foi encenado ou pensado anteriormente. O primeiro livro a fazer uso de fotografias foi precisamente para difusão do conhecimento botânico; sua autora, Anna Atkins (Anna Childrens), usa a técnica inventada em 1842 por Sir John Herschel, chamada cianotipia (que usa citrato de ferro amoniacal, ácido oxálico e ferricianeto de potássio e não necessita de fixador, apenas a lavagem em água por alguns minutos). A obra de Anna Atkins intitulava-se: “Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions”, de 1843.
Anna Atkins (1799 - 1891
Alaria esculenta
Alga forografada por Anna Atkins
Ulva latissima
Chordaria flagelliformis, por Anna Atkins
(Reprodução/Livraria Pública de Nova York)
Assim, a fotografia, desde o seu surgimento, tem sido usada para difundir o conhecimento, tornando-o acessível a muitas pessoas ao mesmo tempo. É importante notar que a primeira obra tenha sido escrita e fotografada por uma mulher especialista em algas. Posteriormente muitos fotógrafos, artistas e pesquisadores fizeram e fazem uso da imagem mecanicamente capturada.
Thomas Wedgwood cerca de 1800
William H. Fox Talbot e Thomas Wedgwood
Segundo Ourique et alii (
2010), estudar o céu por meio de fotografia é uma boa forma de identificar não apenas o desenho das constelações "conhecidas" hoje em dia, mas, sobretudo, é uma excelente oportunidade de colocar nossos conhecimentos dentro de seus contextos de origem: acontecimentos sociais e históricos que levaram os mais diversos povos à criação destas diferentes representações. Por exemplo, embora saibamos que muitas das imagens representativas das constelações foram criadas pelos gregos, será que outros povos não produziram suas próprias representações?
Será que os povos nativos da América não possuíam um mundo tão interessante quanto os mitos gregos e um céu cheio de imagens?
Fotos do céu podem nos levar ao mundo da astrofísica. Os estudantes invariavelmente ficam surpresos quando descobrem que as estrelas não são todas "brancas". Elas têm cor. "Histórias", como a da descoberta do gás hélio, feita primeiro "no céu" (para ser mais exato, no Sol), para, só depois, ser concretizada na Terra, fazem com que esta fascinação pelo Cosmos cresça ainda mais.
A primeira fotografia de uma estrela foi um daguerreótipo da estrela Vega feita pelo astrônomo William Cranch Bond e o fotógrafo e experimentador de daguerreótipos John Adams Whipple, em 16 e 17 de julho de 1850 com o telescópio grande refrator de 15 polegadas do Harvard College Observatory. (Ré, 201
Henry Draper: primeira fotografia feita da nebulosa de Órion, em 1880.
Henry Draper ao lado da primeira imagem da nebulosa de Órion (M 42)
Nebulosa de Órion mostrando que o tempo de exposição maior revela mais informações e objetos que não são visíveis ao olho humano.
Acima fotografia de Andrew Ainslie Common, feita em 1883 da nebulosa de Órion, a primeira a mostrar que uma longa exposição poderia registrar estrelas e nebulosas invisíveis ao olho humano.
Imagens da estrela Mizar e Alcor. Colódio húmido obtido em 8 de Maio de 1857 com o refrator de 38 cm do observatório de Harvard.
Fotografia lunar obtida por Lewis M. Rutherford em 6 de Março 1865.
A Lua foi fotografada pela primeira vez com o refrator de 38 cm do observatório de Harvard por George Phillips Bond (1825-1865), filho de W.C. Bond, auxiliado por John Adams Whipple que efetuou uma série de imagens experimentais em 1850. As imagens lunares obtidas tinham um diâmetro de 125 mm. Estas imagens lunares foram expostas em 9 de Maio de 1950 numa das reuniões da Royal Astronomical Society tendo sido atribuída a Bond uma medalha de reconhecimento pelo grande feito.

Johann Julius Friedrich Berkowski em 28 de julho de 1851, no Royal Observatory em Königsberg (agora Kaliningrado), na Prússia. As primeiras imagens fotográficas (daguerreótipos) de um eclipse solar total obtidas por Berkowski em Konigsbert (28 de Julho de 1851). Em 1860 Warren de la Rue e Angelo Secchi fotografam as proeminências e a coroa solar durante o eclipse de 18 de Julho de 1860 em Espanha. Estas imagens registaram claramente a coroa solar e as proeminências ou protuberâncias provando que estas eram de origem solar e não lunar como se pensava na época.
A coroa solar do Sol foi fotografada com sucesso pela primeira vez durante o eclipse solar de 28 de julho de 1851. Dr. August Ludwig Busch, o Diretor do Observatório de Königsberg deu instruções para um daguerreotipista local chamado Johann Julius Friedrich Berkowski para fazer a imagem do eclipse.
O próprio Busch não estava presente em Königsberg (agora Kaliningrado, Rússia), mas preferiu observar o eclipse da vizinha Rixhoft. O telescópio usado por Berkowski foi acoplado a um heliômetro Königsberg de 17,00 cm e tinha uma abertura de apenas 6,10 cm e uma distância focal de 81 cm. Começando imediatamente após o início da totalidade, Berkowski expôs uma placa de daguerreótipo por 84 segundos no foco do telescópio, e ao revelar uma imagem da coroa foi obtida. Ele também expôs uma segunda placa por cerca de 40 a 45 segundos, mas estragou quando o sol apareceu por trás da lua. Estudos fotográficos mais detalhados do Sol foram feitos pelo astrônomo britânico Warren De la Rue a partir de 1861. Por esses poucos exemplos podemos perceber que os nossos sentidos formam em muito ampliados com o auxilio da fotografia desde sua invenção até os dias atuais.
Nebulosa de Órion
Uma das fotografias de 1883 de Andrew Ainslie Common da mesma nebulosa, a primeira a mostrar que uma longa exposição poderia registrar estrelas e nebulosas invisíveis ao olho humano.
Em 1863, o químico inglês William Allen Miller e o astrônomo amador inglês Sir William Huggins usaram o processo de placa de colódio úmido para obter o primeiro espectrograma fotográfico de uma estrela, Sirius e Capella. Em 1872, o médico americano
Henry Draper, filho de John William Draper, registrou o primeiro espectrograma de uma estrela (Vega) para mostrar linhas de absorção.
A luz é radiação eletromagnética e outras formas de "luz" podem ser usadas para ver. A luz ilumina a escuridão da ignorância e outras formas de "luz" nos fazem enxergar cada vez mais longe. Com o microscópio eletronico de varredura (SEM) podemos ver mais nitidamente o mundo e talvez mais longe do que nossos antepassados.
Dryas iulia alcionea, ovo: 1, vista látero-dorsal; 2, região micropilar; 3, células inferiores; 4, células superiores; 5, aerópila com abertura encoberta; 6, aerópila com tampa decumbente (Ac, abertura da aerópila; Ap, pólo anterior; Hr, carena horizontal; Mp, micrópilas; Pr, peritrema; Ta, tampa da aerópila; Vr, carena vertical; setas indicam posição das aerópilas). Barras: fig. 1, 200 µm;
figs. 2, 3, 50 µm; fig. 4, 5 µm; fig. 5, 10 µm; fig. 6, 3 µm.
O que vemos hoje nunca ninguem viu antes, pois temos mais luz ou tipos de luz que nossos antepassados não sonhavam que poderiam existir. Como por exemplo a radiação eletromagnetica que me possibilitou produzir essas imagens de um ovo de Dryas iulia alcionea Cramer 1779 (Lepidoptera, Nymphalidae, Heliconinae)
Essas imagens servem a diversos propósitos e o mais nobre é a transmissão do conhecimento acumulado pela humanidade baseada na máxima milenar de que uma imagem vale mais do que mil palavras.
Uma imagem fotográfica pode ser imitação, vestígios de um real (índice), símbolo de alguma coisa, e pode até mesmo ser totalmente fantasiosa e falsa, encenada, mas também pode ser uma verdadeira imagem de algo que foi... Uma selfie foi, como a selfie de Robert Cornelius (EUA) e Huppolyte Bayard em 1839 (França) "autoretrato afogado" na qual Bayard falseava a ralidade. Uma foto fake porem real, verdadeira.
Robert Cornelius, primeira selfie, 1839
Hyppolyte Bayard, 1840
Autorretrato afogado
Enfim pode ser tudo. Contudo o que uma imagem nos traz é uma indagação sobre o que estamos vendo ali na sua bidimensionalidade, ela questiona, desequilibra, nos faz pensar. E por isso se presta muito bem para transmitir e mostrar algo, ilustrar, salientar, lembrar, rememorar, ampliando nosso conhecimento, alargando nosso saber sobre o mundo.
(Projeto de 2012, escrito e publicado 2020).
Linha do tempo da Fotografia
Camera Obscura: 500 BCE - 1600 CE.
Mo Tzu (Mozi) sec. VI a.C. Descrição da camera obscura.
Aristóteles de Stagira sec. III a.C. observação de um eclipse solar com a camera obscura.
Alhazen (Al Haythan; Abū ʿAlī al-Ḥasan ibn al-Ḥasan ibn al-Haytham) sec. XI. Descrição da camera escura.
Albert Le Grand (1193-1280) observa o escurecimento dos sais de prata quando exposto a luz
Roger Bacon (1214-1294) sec. XIII descrição da camera escura.
Leonardo da Vinci sec. XV compara a camara obscura ao olho humano.
Inícios da Optica: 1400s - 1700s.
Jerome Cardan (1501-1576) substitui o orificio por um disco de vidro.
Georges Fabricius (1516-1571) descobre o descobre o Cloreto de prata e suas propriedades.
Jeam Baptiste Della Porta (1538-1615) descreve a camera obscura do tamanho humano.
Daniel Barbaro (1513-1570) propõe o eprego de um diafragma para regular do diâmetro do orifico por onde entra a luz, aumentando a nitidez da imagem.
Sec. XVII cameras obscuras portáteis.
Johannes Kepler, o astrônomo utilizou em 1620 uma câmara escura para desenhos topográficos.
O jesuita Athanasius Kircher, em 1646, erudito, professor de Roma, descreveu e ilustrou uma Câmara Escura que possibilitava desenhar em vários locais, transportada como uma liteira.
Johannes Zahn 1685, melhora a camera obscura utilizando um espelho, para redirecionar a imagem ao plano horizontal, facilitando assim o desenho nas câmaras portáteis.
Thomas Wedgwood (1771-1805) e Hunphrey Davy (1778-1829).
"An Account of a method of copying Paintings upon Glass, and of making Profiles, by the agency of Light upon Nitrate of Silver." Invented by T. Wedgwood, ESQ. With Observations by H. Davy"
William Wollaston (1766-1826) em 1804 inventa a câmara clara para desenhar.
(Thomas Wedgwood (1771-1805), 1800
Primeira fotografia: Nicephore Nièpce: 1827.
Daguerreotype: 1839. Louis Jacques Mandé Daguerre inventa o Dagrreoptico em processo em placas de cobre.
Aparece a Câmera: 1841.
Fotojornalismo: 1848 - 1865.
Bibliografia
FLORES, C R. Olhar, saber representar: sobre a representação em perspectiva. São Paulo: Musa, 2007.
AMAR, Pierre-Jean. História da Fotografia. Lisboa, Portugal. Edições 70 Ltda. 2011.(primeira edição 1997)
Novaes, Adauto e cols. O Olhar. São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
Breve história da fotografia: Um guia de bolso para os principais gêneros, obras, temas e técnicas, Haydn Smith (2018).
https://amzn.to/36jWnM0
Holffleit, D. (1950). Some firsts in astronomical photography. Harvard College Observatory, Cambridge Massachusetts: 39pp.
Holffleit, D. (1950). The first stellar photograph. Sky and Telescope, July issue: 207-210.
FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nau, 2013.
ARISTOTLE. De anima: books II and III with passages from book 1. Transl. D. W. Hamlyn. Oxford; New York: Clarendon Press; Oxford University Press, 1993. (Clarendon Aristotle series).
SAMAIN, E. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN, E.
(org.). Como pensam as imagens. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2012.
Timeline da fotografia
https://youtu.be/gvzpu0Q9RTU
Geometria
Biologia
ESCÓLIOS
Por volta de 1427, Tommaso di Ser Giovanni di Simone, conhecido como Masaccio, ganhou uma prestigiosa comissão para produzir uma representação da Santíssima Trindade para a igreja dominicana de Santa Maria Novella, em Florença. O nome Masaccio é uma versão humorística de Maso (abreviação de Tommaso), que significa Tom "desajeitado" ou "desarrumado". O nome pode ter sido criado para distingui-lo de seu principal colaborador, também chamado Maso, que veio a ser conhecido como Masolino ("pequeno Tom /delicado Tom").
Nenhum documento contemporâneo registra o patrono do afresco, mas recentemente referências à propriedade de uma tumba ao pé do afresco foram encontradas nos registros da família Berti do Bairro Santa Maria Novella de Florença; esta família da classe trabalhadora expressou uma devoção de longa data à Santíssima Trindade, e pode muito bem ter encomendado a pintura de Masaccio. Provavelmente é o patrono masculino que está representado à esquerda da Virgem na pintura, enquanto sua esposa está à direita de São João Evangelista.
O afresco, considerado por muitos como a obra-prima de Masaccio, é a mais antiga pintura sobrevivente a usar perspectiva linear sistemática, possivelmente inventada por Masaccio com a ajuda de Brunelleschi.
De acordo com a reconstrução Masaccio começou por produzir um desenho grosseiro da composição e linhas de perspectiva na parede. O desenho foi coberto com gesso fresco para fazer o afresco. Para garantir a transferência precisa das linhas de perspectiva do esboço para o gesso, Masaccio inseriu um prego no ponto de fuga sob a base da cruz e prendeu cordas a ele, que ele pressionou (ou esculpiu) no gesso. As marcas dos trabalhos preparatórios ainda são visíveis.
As figuras sagradas e os doadores estão representados acima de uma imagem de um esqueleto deitado em um sarcófago. Uma inscrição aparentemente esculpida na parede acima do esqueleto diz: "Io fui gia quel che voi siete e quel ch'io sono voi anco sarete" (Eu já fui o que você é agora e o que eu sou, você ainda será).
Esse esqueleto é ao mesmo tempo uma referência a Adão, cujo pecado levou os humanos à morte e um lembrete aos espectadores de que seu tempo na Terra é transitório. É somente pela fé na Santíssima Trindade, sugere o afresco, que se supera essa morte. O Espírito Santo é visto em forma de pomba, acima de Jesus. A combinação de trindade, morte e decadência "pode ser interpretada como uma transposição da capela do Gólgota" na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém.
Perspectiva linear ou Cônica (Ponto de fuga)
Persperctiva instaurada no Renascimento
Técnica de representação do espaço tridimensional numa superfície plana, de modo que a imagem obtida se aproxime daquela que se apresenta à visão. Na história da arte, o termo é empregado de modo geral para designar os mais variados tipos de representação da profundidade espacial. Os desenvolvimentos da ótica acompanham a Antigüidade e a Idade Média, ainda que eles não se apliquem, nesses contextos, à representação artística. É no renascimento que a pesquisa científica da visão dá lugar a uma ciência da representação, alterando de modo radical o desenho, a pintura e a arquitetura. As conquistas da geometria e da ótica ensinam a projetar objetos em profundidade pela convergência de linhas aparentemente paralelas em um único ponto de fuga.
Masaccio: Trindade. Santa Maria Novella, Florença.
(Fonte: )
A perspectiva, matematicamente fundamentada, desenvolve-se na Itália dos séculos XV e XVI, a partir das investigações de Filippo Brunelleschi (1377-1446), arquiteto e escultor florentino - pioneiro no uso da técnica - e descrita pelo mais importante teórico da Renascença, o pintor, escultor e arquiteto Leon Battista Alberti (1404-1472). Escrito originalmente em latim - De Pictura -, o tratado Della Pittura (1435) de Alberti é a primeira descrição sistemática de construção da perspectiva. A partir daí a nova ciência da perspectiva é colocada em prática por uma série de artistas. Masaccio (1401-1428) é considerado exímio na aplicação das conquistas científicas à arte da representação. A primeira obra a ele atribuída, o tríptico de San Giovenale (Uffizi, Florença, 1422), é exemplar de como conseguir criar um sentido coerente de terceira dimensão sobre a superfície bidimensional. Além dele, outros artistas importantes da época exercitam as potencialidades da nova técnica, dentro e fora da Itália: Piero della Francesca (ca.1415-1492), Leonardo da Vinci (1452-1519), Albrecht Dürer (1471-1528) etc. A perspectiva, magistralmente praticada pelos artistas do Renascimento, torna-se um dos fundamentos mais importantes da pintura européia até meados do século XIX.
A arte moderna - cujo trajeto no século XIX acompanha a curva definida pelo romantismo, realismo e impressionismo - se caracteriza por uma atitude crítica em relação às convenções artísticas, entre elas, a perspectiva. O emprego livre de cores vivas, as pinceladas expressivas e a nova concepção da luz recusam as normas da arte acadêmica, o que já se observa em artistas românticos como Eugène Delacroix (1798-1863). O questionamento com os temas clássicos, defendidos pelas academias de arte, vem acompanhado na arte moderna pelo abandono das tentativas de representar ilusionisticamente um espaço tridimensional sobre um suporte plano. A consciência da tela plana, de seus limites e possibilidades, inaugura o espaço moderno na pintura, o que se verifica decisivamente na obra de Éduard Manet (1832-1883). É com o impressionismo que a crise da perspectiva anunciada anteriormente se agudiza. (
enciclopedia)
Perugino: A Entrega das Chaves a São Pedro, Capela Sistina, 1481-82.(
arteculturas)
O sistema visual humano
Harley E. A. Bicas
O sistema visual é composto pelos olhos e pelos nervos, e as estruturas acessórias: pálpebras, supercílios, músculos e aparelho lacrimal.
A visão funciona através do processamento de dados eletroquímicos recebidos pelo encéfalo, por intermédio dos receptores sensoriais (células receptoras) ativados pela luz. O globo ocular pode apresentar
um diâmetro médio na ordem dos 24,5mm.
De fato, apesar de bem determinado em
seu órgão de recepção da luz (o olho) e de transdução
a sinais neurais (a retina), em suas vias “periféricas” de
transmissão (nervos ópticos, quiasma óptico, tratos ópticos,
corpos geniculados laterais e radiações ópticas) até o
local de recepção e decodificação desses sinais, então
transformados em “percepção” visual (o córtex
occipital), não se pode dizer que o processo da visão
aí termine (Bicas, 1997).
I - O ÓRGÃO DE RECEPÇÃO DO SINAL LUMINOSO
Pode ter parecido uma esquisitice a referência,
pouco acima, a “olho e retina”, continente e conteúdo,
em separado. Mas há quem entenda a retina como
uma expansão do sistema nervoso central para dentro
do olho e, pelo menos funcionalmente, essa consideração está justificada, como veremos.
De fato, o olho, como estrutura, é todo voltado
a alimentar a retina (coróide), dar-lhe sustentação e
forma (corpo vítreo, esclera) e ajudar seu desempenho, como sistema óptico (córnea e cristalino, como
lentes; íris, como diafragma para entrada da luz; esclera,
fechando uma câmara escura). Por si mesmo, não muda
substancialmente a natureza do estímulo (luz) que,
partindo de um objeto, atravessa o espaço e depois
seu interior até atingir a retina. Por isso é que se fala em estímulo distal (o objeto de onde provém a luz) e
estímulo proximal (a luz, eventualmente transformada, ao atingir a retina).
A - O sistema óptico
Requer quatro capacitações fundamentais: a de
transmissão fiel, não distorcida, das relações de intensidade (brilho), forma e cores dos estímulos, devendo,
por isso, ser transparente; a de formação da imagem sobre a retina (ou focalização), devendo, por isso,
ser refringente; a de mudança dessa focalização, com
a variação de distância do objeto estimulante (ou
acomodação), devendo, por isso, ser ajustável; e a
de regulação da quantidade de luz incidente que pode
estimular a retina. No que respeita à passagem de luz,
de anterior (ventral) para posterior (dorsal), as
estruturas são:
1 - Córnea
Estrutura transparente, abaulada, cobrindo o
sexto anterior do olho, macroscopicamente representada por uma face anterior, com raio de curvatura 7,7 mm e uma posterior, com raio de curvatura
6,8 mm. É, pois, um menisco divergente que, quando
isolado (no ar), tem um poder dióptrico -5.5 D, mas
que, “in situ”, separando o ar (índice de refração
n1 = 1,000) e o aquoso (n2 = 1,336) passa a exercer
um poder dióptrico de cerca de +43 D. Como calota,
tem, em sua base, um diâmetro de cerca de 12,5 mm.
A transição com a estrutura adjacente (esclera), chamada limbo esclerocorneal, limbo corneoescleral, ou
simplesmente limbo, não é brusca: a delicada e regular
distribuição das fibrilas colágenas em seu estroma, garantindo-lhe a transparência, desorganiza-se progressivamente para formar a esclera. Na verdade, as duas
estruturas são de formação embrionária diferente: a
córnea origina-se do ectoderma superficial (epitélio)
e do mesoderma (endotélio), com um estrato acelular
entre eles (estroma), enquanto a esclera vem do
ectoderma neural. Em seu centro, a espessura da
córnea é de cerca de 0,6 mm, ficando pouco maior
perto do limbo (cerca de 1 mm). Por outro lado, a
curvatura da córnea, fundamental em seu “centro”
(ápice) para a refringência dos raios luminosos, diminui em regiões mais periféricas. A córnea é estrutura avascular (sua nutrição se dá pelo humor aquoso,
por difusão) mas tem filetes nervosos, muito finos e
também transparentes (originados da divisão oftálmica
do trigêmeo, chegando ao olho pelos nervos ciliares), que lhe garantem uma enorme sensibilidade tátil e dolorosa, considerada a maior de todo o organismo. Tem,
em sua composição, cinco camadas:
a - Epitélio
Pavimentar, com várias camadas de células,
tanto mais achatadas quanto mais superficiais, tem
cerca de 50 a 100 µ de espessura. No limbo, continua-se com o epitélio da mucosa conjuntival. O epitélio
é recoberto por uma fina película de lágrima, que lhe
confere proteção contra o dessecamento. Aliás, é
sobre essa película líquida (e não sobre o epitélio) que
se assentam as lentes de contato.
b - Membrana de Bowman
Elástica, hialina, acelular, de uns 10 a 12 µ de
espessura. Muito resistente a traumatismos e invasões bacterianas.
c - Estroma ou parênquima
Formado por fibrilas laminares de colágeno,
regularmente dispostas, paralelas à superfície, transparentes, amalgamadas sobre uma matriz mucóide.
Corresponde a cerca de 90% de toda a espessura
corneal e, quando lesado, reorganiza-se de modo
irregular, formando cicatrizações esbranquiçadas
(leucomas).
d - Membrana basal ou de Descemet
Hialina, elástica, ainda mais resistente que a
membrana de Bowman, embora mais fina (5 a 7 µ),
mas que cresce incessantemente, passando de umas
2 a 3 µ, no nascimento, a cerca de dez vezes mais, no
velho. Essa membrana, pois, se regenera quando lesada, ao contrário da de Bowman (que, quando rompida, também deixa como cicatriz um processo fibrótico opaco).
e - Endotélio
Unicelular (5 µ) continua-se com o epitélio que
recobre a íris. Também se regenera, como o epitélio.
Em contato com o humor aquoso e a ele permeável, o
endotélio dá passagem a nutrientes às outras estruturas
da córnea. Como a membrana de Descemet, não recebe inervação.
2 - Câmara anterior
Entre a córnea (anteriormente, ou “acima”) e a
íris (no seu orifício, a pupila) mais o cristalino (posteriormente, ou “abaixo”), o espaço (0,25 ml) enche-se com o humor aquoso, um transudato do epitélio ciliar,
na câmara posterior (0,06 ml) (ver Figura 1) com composição semelhante à da linfa (mas com menos
albumina, não se coagulando) e índice de refração bem
próximo do da água (n = 1,336). O humor aquoso tem
não só a função de nutrir córnea e cristalino, como a
de manter uma pressão hidrostática conveniente para
o olho (valores normais em torno de 12 a 19 mmHg).
Constantemente produzido (2,1µl/min, cerca de 0,7%
de seu volume total), passa da câmara posterior à
anterior e daí sai pelo ângulo cameral (formado na
junção da córnea com a raiz da íris) filtrando-se por
uma estrutura porosa (o trabeculado) ao canal de
Schlemm (que circunda toda a córnea, sob o limbo),
em seguida drenado às veias “aquosas” de Ascher,
parte, já, da circulação sanguínea de retorno, coletada
pelas veias ciliares anteriores.
3 - Cristalino
Também estrutura transparente, sem vasos e
nervos, mas constituída por fibrilas celulares, formando
lamelas concêntricas. Essas fibrilas são transformações
das células epiteliais da região equatorial do cristalino,
que vão se sobrepondo continuamente, durante toda a
vida. Daí, como no tronco de uma árvore, poder ser
feito um histórico dessa estrutura viva: as camadas
mais internas são as mais antigas, distinguindo-se um
núcleo embrionário (formado entre o 1º e o 3º mês da
gestação), um fetal (entre o 3º e o 8º), um infantil (do
fim da gestação à puberdade) e um adulto (a partir
dessa época). Também a zona cortical, entre esse núcleo e o epitélio subcapsular cresce, ainda mais rapidamente, passando de 1/6 de toda a espessura do cristalino, num adolescente, a 1/3, num velho. Cobrindo o
epitélio (que existe apenas na face anterior do cristalino), estrutura unicelular, sem camada basal, acha-se
a cápsula, uma formação fina (4 a 23 µ), amorfa,
mas bem resistente e altamente elástica. O cristalino
é nutrido pelo humor aquoso, num processo de diálise,
realizado pela semipermeabilidade da cápsula.
No polo anterior, a curvatura é maior que na
posterior (raios de curvatura respectivamente 8,5 a
14 mm e 4,5 a 7,5 mm, com médias 10 e 6) e a espessura total do cristalino chega a uns 4 mm. O polo anterior fica a uns 3 a 4 mm atrás da córnea. O eixo
equatorial do cristalino (no encontro das faces anterior
e posterior) tem uns 9 a 10 mm, estendendo-se até
aproximadamente 0,5 mm do corpo ciliar. As faces
anterior e posterior do cristalino formam uma lente
biconvexa, com índices de refração de aproximadamente 1,386 na camada cortical e 1,406 no núcleo (tornado ainda mais denso na senilidade) que, no ar,
tem um poder dióptrico superior a 100 D, mas, quando
separando o humor aquoso do corpo vítreo, cujos
índices de refração (1,336) são muito próximos dos
de suas camadas externas, se reduz a um poder focal
de umas + 19 D. Preso ao corpo ciliar por finos ligamentos suspensores (que se estendem por uns 2,5 mm
de cada lado do equador) ou zônula , o cristalino pode
ter suas curvaturas aumentadas pela contração do músculo (esfíncter) ciliar, no processo chamado acomodação. Com isso, aumenta seu poder dióptrico, ajustando o ponto imagem do olho à posição da retina,
quando objetos mais próximos são apresentados para
discriminação visual.
Com o tempo, a flexibilidade do cristalino se
reduz e o processo de acomodação vai, progressivamente, perdendo sua capacidade (presbiopia). Além
disso, a transparência pode também se degradar por
alterações metabólicas naturais (catarata senil), por
distúrbios bioquímicos do plasma (e.g., catarata galactosêmica, diabética), por desagregações estruturais (cataratas por infravermelhos, por radiações
ionizantes), por embebição pelo humor aquoso, em
lesões capsulares (perfurações, ainda que pontiformes,
dando cataratas traumáticas), etc.
4 - Corpo vítreo
É uma estrutura gelificada , composta basicamente de água (99% de sua massa de cerca de 3,9 g),
de ácido hialurônico e fibrilas colágenas. Transparente,
mantém restos de vítreo embrionário e da artéria
hialóide, formando o canal de Cloquet, entre o cristalino e o disco óptico, visível como uma fina teia em
seu interior. Também células descamadas da retina e
úvea anterior podem ser aí achadas. São elas e
filamentos opacos do vítreo que dão as imagens de
“moscas volantes”, pequenas manchas que se movem com a rotação do olho.
B - O sistema óptico suplementar
Para regular a entrada de luz no olho e produzir
ajustamentos ópticos (acomodação) há estruturas oculares, compondo a úvea anterior (a íris e o corpo ciliar).
1 - Íris
Situada à frente do cristalino, separa a câmara
anterior e a posterior. Por sua forte pigmentação de
variadas combinações (embora de apenas dois tipos
de pigmentos, o dos cromócitos, de origem mesodérmica, amarelo-pardacentos; e o dos melanócitos, de origem ectodérmica, escuros) confere o que se conhece como “cor dos olhos” (azul, verde, castanha,
cinzenta, etc.). Tem um estroma, com duas camadas
mesodérmicas (a superficial e a profunda) na região
periférica, ou “raiz”; e apenas a camada profunda,
ectodérmica, na região pupilar. Mas esta é mais densa
do que aquela, razão pela qual podem ocorrer desinserções na zona ciliar (raiz) da íris. Na borda pupilar
possui um músculo liso, esfinctérico, de cuja contração
se faz a miose (o esfíncter da íris); e um de estrutura
mioepitelial, dispondo-se radialmente, e que ajuda a
produzir a dilatação da pupila (midríase), com o relaxamento do esfínter. A inervação motora da íris é autônoma, complexa, com fibras colinérgicas (parassimpáticas) e adrenérgicas (simpáticas) inervando tanto
o esfíncter quanto o músculo dilatador da pupila, embora se atribua ao primeiro a predominância de uma
inervação parassimpática e à manutenção da tonicidade do segundo uma inervação simpática. De qualquer modo, a miose é principalmente induzida pela
estimulação do sistema parassimpático (e menos pela
inibição do simpático), enquanto a midríase é principalmente produzida pela inibição do parassimpático (e
menos pela excitação do simpático). A sensibilidade
da íris é dada por nervos ciliares curtos e longos, ramos
do nervo nasociliar ou nasal, por sua vez originado da
divisão oftálmica do trigêmeo, o V nervo intracranial
(do qual, aliás, se origina a sensibilidade de todo o
olho, anexos e regiões circunjacentes).
A face posterior da íris é recoberta por um
epitélio que se continua com o da retina. Há vasos,
em grande número e diferentes planos, originados de
artérias ciliares posteriores longas e de ciliares anteriores (vindas pelos músculos oculares externos), formando o círculo arterial maior da íris.
2 - Corpo ciliar
É constituído por duas porções básicas: os processos ciliares, onde se produz o humor aquoso e o
músculo ciliar, responsável pelo processo de acomodação. O corpo ciliar corresponde, externamente, a
uma região que circunda o limbo por alguns milímetros. Aliás, quando esse anel perilímbico aparece
violáceo (por injeção sanguínea em vasos que se dilatam) diagnostica-se a inflamação do corpo ciliar (ciclite),
também reconhecida por ser muito dolorosa à palpação.
O músculo ciliar é a porção mais externa (periférica) do corpo ciliar, logo abaixo da esclera. As fibras são lisas, circulares e radiadas, mas há descrições
de disposições mais complexas. A contração esfinctérica (mediada indiscutivelmente pelo sistema parassimpático, embora exista uma controvérsia, de pouco
interesse, sobre se também o simpático teria alguma
ação sobre ela) dá um relaxamento da zônula com
decorrente abaulamento das cápsulas do cristalino
(principalmente a anterior) e, portanto, um aumento
do poder dióptrico do olho.
Os processos ciliares são pregas de tecido conjuntivo frouxo, ricas em novelos vasculares (principalmente venosos), dispostas como franjas radiais (umas
70). A eles estão presos os delicados filamentos que se
prendem ao cristalino.
C - O sistema de nutrição e proteção
1 - Coróide
Abaixo (ou atrás) da retina acha-se a coróide,
um novelo vascular com a função de nutri-la. Coróide,
corpo ciliar e íris possuem mesma origem embrionária
e constituem a úvea, uma estrutura suscetível a sofrer
inflamações (uveítes) que podem ser localizadas (irites
e, ou ciclites: uveítes anteriores; e uveítes posteriores,
ou coroidites, freqüentemente associadas a acometimentos da retina suprajacente, as coriorretinites).
A coróide é constituída de fora do olho (esclera)
para o seu interior (retina) por:
a - uma camada de tecido conjuntivo laminar, frouxo,
com grandes espaços linfáticos, por onde passam
vasos e nervos ciliares: a epicoróide, ou lâmina
supracoroidiana;
b - a camada de coriocapilares, vasos enrodilhados
(preponderantemente veias), entre fibras conjuntivas e elásticas, cromatóforos, fibras musculares
lisas, nervos e lamelas (colágenas, elásticas); o
sangue procede da artéria oftálmica (derivada da
carótida interna), entrando no olho pelas ciliares
posteriores curtas, saindo dele pelas veias vorticosas (ou ciliares posteriores) para as veias oftálmicas superior e inferior e daí ao seio cavernoso;
c - a membrana de Bruch, fina (2 µ), em contato com
a retina.
2 - Esclera ou esclerótica
Do grego: skleros, duro, é o envoltório protetor
do olho e que lhe dá sustentação. Formada por lamelas
fibrosas de fibras conjuntivas colágenas e elásticas
entrelaçadas irregularmente, em várias direções e densamente compactadas em feixes de uns 10 a 15 µ de
espessura e comprimento aproximadamente dez vezes
maior, é uma camada opaca (branca), resistente, com
cerca de 1 mm de espessura, praticamente avascular.
É nela que se inserem os músculos oculares externos.
Por ser quase inextensível, mantém o volume ocular
praticamente inalterado, tornando as alterações de equilíbrio hidrodinâmico do olho um fator condicionante
da pressão intra-ocular.
Na intimidade da esclera (substância própria,
ou estroma da esclera), aparecem alguns vasos e
nervos. Externamente, é recoberta por uma fina camada, elástica, delicada (episclera) e, internamente,
por uma outra, também elástica, pardacenta (pela presença de cromatóforos), a lâmina fosca, sobre a qual
existe uma camada de células endoteliais, já consideradas como parte da úvea. Há solução de continuidade da capa escleral em vários locais: no polo posterior, para a saída de axônios das células ganglionares
(fibras do nervo óptico) em múltiplos fascículos, formando como que uma peneira, a lâmina crivosa,
rodeada por outros pequenos orifícios para a entrada
de artérias ciliares posteriores e nervos ciliares. As
veias vorticosas saem do olho em trajetos oblíquos,
em outras regiões, próximas ao equador, constituindo
como que uns canalículos intraesclerais, que chegam
até a uns 3 mm de comprimento.

Figura 1 - Esquema de uma secção horizontal do olho (direito, vista de cima) com indicações das estruturas
principais (a) e de constituições microscópicas da córnea (b), da esclera e coróide (c) e retina (d). As proporções
não são rigorosamente mantidas. Em (e), referenciais externos, em vista frontal do olho.
II - A ESTRUTURA DE TRANSFORMAÇÃO DA LUZ
EM SINAL NEURAL
A retina é a estrutura fundamental do olho,
embora não possa subsistir sem as outras. Topograficamente, divide-se numa parte periférica, atrófica e
sem interesse, por ser insensível à luz, que vai desde a
chamada “ora serrata” (internamente, a uns 6 a 8 mm
atrás do limbo, e a uns 6 mm à frente do equador
ocular) à borda da pupila, recobrindo o corpo ciliar e a face posterior da íris, freqüentemente assumida como
um estrato da úvea anterior. A parte sensorial recobre todo o restante das camadas internas da úvea e
também se subdivide numa porção “periférica” (em
que predominam os fotorreceptores conhecidos como
bastonetes e uma arquitetura de campos receptivos
muito amplos) e numa “central” (em que são mais abundantes os cones).
Esses fotorreceptores representam o primeiro
neurônio da organização sensorial visual, contendo pigmentos sensíveis à luz (rodopsina nos bastonetes,
iodopsina nos cones) que ao se decomporem por ação
dela numa proteína (opsina) e num carotenóide (relacionado a aldeídos da vitamina A) desencadeiam alterações do potencial elétrico celular e que serão transmitidas por “ondas” de despolarização, seguidas de
repolarização de membranas de axônios, como sinais
neurais. O segundo elemento da cadeia neural é a
célula bipolar, que repassa o impulso à célula ganglionar. São os axônios desta as fibrilas do nervo
óptico, cujas sinapses dar-se-ão no corpo geniculado
lateral (ver Figura 3). Dependendo de como são
estruturadas as ligações dos fotorreceptores às células
ganglionares (Figura 2), o tipo de visão originada terá
características completamente diferentes: escotópica
(mais sensível a baixas intensidades luminosas, mas
acromática e com paupérrima capacidade resolutiva,
na retina periférica) e a fotópica (discriminativa de
cores e formas, com boa resolução, mas dependente
de intensidades luminosas relativamente altas, topograficamente associada à retina central).

Figura 2 - Estruturação esquemática das ligações
sinápticas da cadeia sensorial visual na retina central (à esquerda)) e na periférica (à direita). Na retina
central, o campo receptivo é pequeno (20 a 30”),
pelas conexões individualizadas e independentes,
achadas para uns 2500 cones, no centro da fovéola
(0,1 mm ou 20’). Na periferia, os campos receptivos
são bem mais amplos.
A região central da retina, a mácula, tem uns 2
a 3 mm de diâmetro (o que corresponde a uns 9 a 13º
de abertura angular no campo visual), no centro da
qual se acha a fóvea, compreendendo uma área de
cerca de 1,5 mm de diâmetro (equivalente a uns 6º),
cujo centro é a fovéola, região sem bastonetes (0,4 a
0,6 mm, ou 100’ a 140’ de arco).
Além dessa disposição “vertical”, há associações
entre os neurônios dessa cadeia, garantidas por células
horizontais e amácrinas. Ocupando espaço entre os
corpos celulares e seus filamentos, há uma rede de
fibras neurogliais (de Müller) para sustentação, formando as chamadas “membranas limitantes da retina”,
descritas histologicamente (a externa, separando os
fotorreceptores dos demais elementos retínicos; e a interna, sobre as camadas de fibras nervosas), mas sem
fundamentação embrionária. Lembre-se que, ao
contrário do que se poderia pensar como lógico, os
fotorreceptores ficam mais próximos da úvea, (a úvea é constituída pelo conjunto da íris, membrana coróide e pelos processos ciliares. A úvea, também denominada 'trato uveal, é constituída por três estruturas: a íris, o corpo ciliar e a coróide) sobre o
epitélio pigmentar, estando a camada de fibras nervosas
que devem sair do olho, coberta pela membrana limitante interna, junto ao corpo vítreo (figuras 1c e 2a).
A retina é mais fina na fóvea (0,09 mm) e na
“ora serrata” (0,10 mm) mas chega a espessuras
maiores ao redor da mácula (0,35 mm) e do disco
óptico (0,56 mm). É irrigada pela artéria central da
retina (originada da oftálmica) que se ramifica em
arteríolas, que dão capilares (ausentes na região
macular). O sangue retorna por vênulas que convergem para formar a veia central da retina, afluente
da veia oftálmica. Os vasos retínicos estão na camada
mais interna da retina (isto é, próximos ao corpo vítreo) e alimentam as células bipolares e ganglionares,
enquanto a camada de fotorreceptores depende da
nutrição pelos coriocapilares coroídicos.
III - ESTRUTURAS DE TRANSMISSÃO DO SINAL
NEURAL
Depois de gerado na retina, o sinal neural será
transmitido ao córtex visual pelas chamadas vias
visuais. O que as caracteriza é a diversificação de
suas partes constituintes, responsáveis por áreas específicas dos campos visuais de tal sorte que, pelo
estudo destes, será possível a localização topográfica
da afecção, no sistema nervoso central.
A - Nervo óptico
Os axônios das células ganglionares saem do
olho pelo chamado disco óptico, situado a cerca de 4 a 5 mm nasalmente à fóvea e 0,5 a 1 mm acima
dela. Esse disco geralmente é arredondado com diâmetro de 1,5 mm, mas pode ser elíptico. O nervo
óptico tem uns 25 mm de comprimento na posição
intra-orbitária ou retrobulbar, sai da órbita pelo buraco óptico, tendo então em sua porção intracanalicular uns 4 a 10 mm e ainda se estende, na sua
porção intracranial (cerca de 13 mm) até o quiasma.
Vai progressivamente se engrossando, desde a saída
do olho (3 a 4 mm) até o quiasma (4 a 7 mm) pela
mielina e meninges que o envolvem. Em secções
transversais, mostra uma típica disposição de fibras
correspondentes a regiões diferentes do olho (Figura 3).

Figura 3 - Esquema do fundo do olho (a) e de secções transversais do nervo óptico direito
(b...e), vistas de frente, mostrando as áreas ocupadas pelas fibras temporais superiores da
mácula (1) e da periferia da retina (TS), pelas temporais inferiores (4 e TI), pelas nasais
inferiores (3 e NI) e pelas nasais superiores (2 e NS), no começo do nervo óptico (a), na saída
da lâmina crivosa (b), a cerca de 1 mm do globo ocular (c), a cerca de 2,5 mm (d) e a cerca
de 10 mm (e), na região que corresponde à entrada e saída dos vasos. As áreas hachuradas
representam a posição dos vasos retínicos em relação ao nervo óptico (b...e) e, na retina (a),
as correspondentes às fibras nervosas afetadas por lesões em D e P (Bicas, 1991).
B - Quiasma
É uma estrutura achatada de forma aproximadamente quadrangular, correspondente ao cruzamento (parcial) dos nervos ópticos (do grego “khiasma”, encruzilhada). Situa-se sobre a sela turca, acima da hipófise, abaixo do asssoalho do terceiro ventrículo, à frente do infundíbulo e com as artérias carótidas internas
de cada lado. De modo simplificado, admite-se que as
fibras temporais de cada retina seguem um trajeto direto e que as fibras nasais se cruzam. Na verdade, o
esquema é um pouco mais complicado (Figura 4). Por
esse cruzamento parcial das fibras retínicas é que se
possibilita a visão binocular.
C - Tratos ópticos
Os feixes nervosos reorganizados depois do
quiasma, constituem os tratos ópticos, contendo agora
as metades homônimas (esquerda ou direita) e
ipsilaterais das retinas de cada olho. Por exemplo, o
trato óptico direito contém as fibras da retina temporal do OD (metade direita) e as da nasal do OE
(também metade direita). Os tratos ópticos contornam
os pedúnculos cerebrais e terminam nos corpos geniculados laterais, no pulvinar e no tubérculo quadrigêmeo anterior. São pequenos e bem protegidos, tornando-se, pois, pouco afetados, a não ser por compressões tumorais.
D - Corpos geniculados laterais
Nessas estruturas ocorrem novas sinapses.
Suas funções não são ainda bem conhecidas, mas as
ligações neuronais ocorrem em disposições bem estratificadas e a organização se torna ainda maior.
E - Radiações ópticas (vias geniculocalcarinas)
Até os corpos geniculados laterais (e as outras
estruturas, que constituem os centros ópticos primários),
as vias visuais são chamadas “extracerebrais”. Depois desses centros, são designadas como “intracerebrais”. Os axônios das células do corpo geniculado
lateral deixam-no por um feixe bem compacto, o pedúnculo óptico, no lobo temporal, passando, lateralmente, ao corno inferior do ventrículo lateral. Daí,
divergem, mas constituindo feixes bem mais ordenados,
com delimitações mais nítidas e homogêneas relativamente ao campo visual representado, ocupando uma
área bem grande e, pois, muito vulnerável. As lesões
dessas vias suprageniculares são, então, bem mais
comuns, caracteristicamente hemianopsias homônimas
(contralaterais), bem congruentes, com preservação do
campo macular mas, mais freqüentemente, localizadas
como quadrantanopsias.
As vias geniculocalcarinas são afetadas por lesões do lobo temporal, parietal e occipital.

Figura 4 - Esquema de uma secção horizontal das vias visuais, mostrando trajetos de fibras
e das secções transversais dos nervos ópticos direito (NOD) e esquerdo, quiasma (Q) e
tratos ópticos (TO), com disposições de fibras retínicas temporais superiores direita (TSD) e
esquerda (TSE), temporais inferiores direita (TID) e esquerda (TIE), nasais superiores direita
(NSD) e esquerda (NSE), nasais inferiores direita (NID) e esquerda (NIE), maculares (D) (no
quiasma), das quais as do lado direito são divididas em suas porções temporal (MTD) e
nasal (MND) (Bicas, 1991).
IV - AS ESTRUTURAS DE DECODIFICAÇÃO DOS
SINAIS
A estação terminal das vias visuais se dá na
superfície medial do lobo occipital, na área estriada
(ou 17 de Brodmann) e na paraestriada (ou 18). Aí, a
representação campimétrica visual é muito bem definida, e a da área macular desproporcionalmente grande,
relativamente ao resto da retina. A área visual de um
hemisfério cerebral (por exemplo, direito) é responsável pelos campos homônimos, contralaterais (esquerdos),
ou seja, relacionados a vias visuais do lado nasal E e
temporal D. Nessa área, dá-se a percepção visual: as
sensações são aí arranjadas, no processo de “ver”.
V - AS ÁREAS DE ASSOCIAÇÃO
Não obstante considerar-se que a visão se
forme nas áreas estriada e paraestriada do lobo
occipital, diz-se que esse nível é ainda “intermediário” e que outro, superior, onde se dá a integração e associação (processos psicológicos cognitivos de simbolismos e significados) se faz necessário para a compreensão daquilo que se vê.
Na verdade, já há indícios de associação nas
áreas 17 e 18, mas considera-se a 19 (periestriada),
ainda no lobo occipital, assim como as do giro angular
(39) e supramarginal (40) no lobo parietal, outras no
temporal e conexões entre os hemisférios cerebrais (corpo
caloso), como as relacionadas a essas funções de reconhecimento visual. Lesões dessas áreas produzem
distúrbios intelectivos como os da agnosia (a sensação, embora percebida, não se torna reconhecida em seu conteúdo de valores); afasia (distúrbio de
formulação ou expressão do pensamento), principalmente
a afasia sensorial, em que se dá uma incapacidade no
reconhecimento de palavras escritas, completa (alexia)
ou parcial (dislexia); apraxia (incapacidade de realização de um movimento ou ação desejada; ou por falta
de formulação de um plano de seu desenvolvimento,
ou por falha na sua aplicação), como no caso da
incapacitação de desenhar ou mesmo copiar (sem que
subsistam incapacidades visuais), às vezes confundida com uma agnosia espacial; ilusões (erros de
interpretação); e alucinações (sensações ou percepções
suscitadas por estímulos externos).
Morflolgia do sistema visual dos animais domesticos
COMO FUNCIONA O OLHO
Historicamente, a existência de um
mecanismo acomodativo foi primeiramente demonstrada por
Scheiner (1619). No seu experimento, feito em um cartão onde
objetos são vistos a um distância variável através de furos
contidos no mesmo, ele provou que no olho existe um
mecanismo controlando o ajuste de foco (Fig. 2). Entretanto, a
verdadeira explicação para este experimento clássico foi
oferecida por William Porterfield (1759), que sugeriu ser a
acomodação consequência de mudanças no cristalino.
Fig. 2 - Desenho esquemático mostrando o experimento de Scheiner
(1619). Se o cartão for perfurado nos pontos E e E, (ou se 2 aberturas forem
criadas no cartão nos pontos E e E) o objeto, O, estará focalizado no plano,
R, no ponto I, onde 1 imagem aparecerá. No entanto, se os planos
estiverem localizados em R’ ou R’’, 2 imagens aparecerão (E’F’ e E’’F’’).
Outras
possíveis explicações apareceram neste contexto. Albrecht
von Haller (1763), considerou que a contraão da pupila
diminuiria os círculos borrados suficientemente para explicar o
fenômeno, um mecanismo semelhante a câmera obscura
presente em alguns animais. Alguns autores sugeriram que o
alongamento do globo ocular causado pela contraçâo dos
múculos extra-oculares seria responsável pela acomodação.
A teoria original de Kepler (1611) que fazia referência a
alterações no foco de visão obtidas com o movimento anteroposterior do cristalino (como ocorre em alguns peixes)
recebeu suporte de outros investigadores, até ser demonstrado que tal movimento (em torno de 10 mm) seria impossível
de se obter, inviabilizando esta teoria. A possibilidade
restante, que a acomodação estaria relacionada a mudanças
na forma do cristalino, foi sugerida precocemente por Descartes (1677). Muito tempo depois, Helmholtz (1853-1856) foi
capaz de demonstrar que o ato de acomodação provido pelo
músculo ciliar era acompanhado por um incremento na curvatura de ambas as faces do cristalino levando a um aumento na
sua espessura. A histologia do segmento anterior e do
músculo ciliar do olho humano está revista na figura 3 (A e B). (
Werner et alii, 2000)

Fig. 3 - Microfotografia de um globo ocular obtido “post-mortem”
demonstrando o segmento anterior. Estas secções histológicas estão
coradas com Trichromo Masson que identificam as fibras colágenas
em azul e as fibras musculares lisas em vermelho; A. Cornea (C),
esclera (S), íris (I) e corpo ciliar (CB) podem ser identificados. O
músculo ciliar se estende do esporão escleral até a coróide, embora
algumas de suas fibras estejam confinadas na
pars plicata. Os
processos ciliares e a superfície interna do corpo ciliar estão
revestidas com duas camadas de epitélio, a mais interna contém
pigmentos de melanina (Tricromo Masson, magnificação original X
200); B. Mesma secção em maior magnificação mostrando o corpo
ciliar. O músculo ciliar é tradicionalmente dividido em três partes. A
mais externa próximo a esclera é a porção meridional (M). As fibras
mais internas próximo aos processos ciliares constituem a porção
circular (C), e a porção radial (R) localiza-se entre as porções
meridional e circular. (Fonte:
Werner et alii, 2000)
Em 1965, o American Committee on Optics and Visual
Physiology adotou a frase: "Put Helmholtz back into Ophthalmology". Hermann von Helmholtz (1821-1894) formado em
física, tornou-se professor de fisiologia e física, dedicando
toda sua vida ao estudo da fisiologia óptica. Ele observou em
1855 que o centro do cristalino aumentava de espessura
durante a acomodação.
Baseado nesta observação, ele afirmou que quando o olho acomoda, o músculo ciliar contrai
reduzindo a tensão zonular levando assim ao aumento do
espaço entre o corpo ciliar e o equador do cristalino.
Esta
diminuição de forças aplicada no equador do cristalino
permite que sua cápsula elástica contraia, causando um
aumento do diâmetro antero-posterior do cristalino e um
aumento do seu poder óptico.
Então, o ato de acomodação deve resultar de uma contração do músculo ciliar que reduz o
diâmetro do corpo ciliar e relaxa a tensão zonular. Isto permite
que cristalinos jovens retomem suas formas originais de
curvaturas acentuadas e poder óptico elevado para focalizar
objetos próximos sobre a retina.
Quando a acomodação cessa,
o músculo ciliar relaxa e retorna a sua configuração desacomodada, a tensão zonular é novamente aumentada e o cristalino é tracionado no equador aumentando assim sua distãncia
focal.
O movimento do equador do cristalino é por isso em
direção oposta a esclera durante a acomodação (Fig. 4A) e em
direção a ela quando do relaxamento do músculo ciliar.
Embora
a influência da cápsula na determinação da forma do cristalino
seja indubitável, a teoria de Helmholtz não poderia permanecer
em sua forma original, desde que ela não explica a forma
assumida pela superfície anterior do cristalino.
Muitos anos
depois, Fincham sugeriu que a forma peculiar do cristalino È
devida a sua estrutura capsular. Esta é muito mais espessa na
frente do que atrás e as porções anterior e posterior são mais
espessas lateralmente do que nos pólos, justamente dentro da
inserção das fibras zonulares.
As variações de espessura em
diferentes partes da cápsula sugere que, o aplanamento do
cristalino ocorreria preferencialmente na periferia, onde a
cápsula é mais espessa e resistente, havendo um abaulamento
da região axial onde é mais fraca. No polo posterior a cápsula é
muito fina, e neste ponto ocorre o encurvamento máximo
mesmo no estado de desacomodação. É esta diferença de
espessura da parte central e lateral da cápsula anterior que
Fincham acredita ser responsável pela forma hiperbólica da
superfície anterior do cristalino durante a acomodação.
Durante muitos anos, houve um consenso nas opiniões a
respeito do mecanismo de acomodação proveniente da teoria
de Helmholtz. Entretanto, Schachar e colaboradores recentemente propuseram um mecanismo de acomodação alternativo
para os primatas que é similar a teoria originalmente proposta
por Tscherning. Ambas teorias afirmam que a zônula
equatorial se insere no músculo ciliar anterior, na base da íris e
que as zônulas anterior e posterior se inserem na porção posterior do músculo ciliar.
Schachar e Anderson alegam
que durante a contração do músculo ciliar, através da ação das
fibras radiais e longitudinais, a porção anterior do músculo
ciliar se desloca em direção a esclera na base da íris.
Este
movimento aumenta a tensão na zônula equatorial enquanto
relaxa a tensão nas fibras zonulares anterior e posterior.
Schachar acredita que as forças aplicadas desta maneira tracionariam o equador do cristalino em direção a esclera durante
a acomodação e, juntamente com o relaxamento das fibras
zonulares anterior e posterior, haveria um aplanamento da
periferia do cristalino enquanto o centro aumenta sua curvatura.
O movimento do equador do cristalino é então em direção a
esclera durante a acomodação (Fig. 4B) e em direção oposta a
ela quando do relaxamento do músculo ciliar.
Fig. 4 - Desenhos esquemáticos demostrando as teorias da acomodação de Helmholtz (A) e Schachar (B). As setas indicam o movimento do
equador do cristalino em direção oposta a esclera (A) e em direção à esclera (B) durante a acomodação; A. O lado esquerdo do desenho mostra
o estado desacomodado. Do lado direito do desenho, o músculo ciliar está contraido durante a acomodação, o cristalino está espesso e mais
curvo; B. O lado esquerdo é como em A. No lado direito, notar o achatamento da superfície periférica do cristalino, enquanto a curvatura central
anterior aumenta.
Do ponto de
vista teórico, o tracionamento do equador do cristalino poderia causar um aumento das curvaturas centrais, dependendo
das propriedades viscoelásticas do mesmo.
A teoria de Schachar entretanto difere daquela de Tscherning porque ela não depende do vítreo para explicar as mudanças de forma do
cristalino que ocorrem durante a acomodação.
A base da
teoria de Schachar é que o diâmetro equatorial aumenta durante a acomodação.
Entretanto, um grupo de estudos recentes
demonstraram, usando métodos de imagem, que o diâmetro do
cristalino diminui durante a acomodação, como descreve a literatura clássica e contrário a contenção de Schachar (Fig. 5 A-B).
Fig. 5 - Imagens de biomicroscopia ultrassônica (BUS) do equador do
cristalino humano (setas) em relação ao esporão escleral (asterisco)
durante o estado desacomodado induzido por tropicamida (1%) e o
estado acomodado induzido por pilocarpina (2%). A sonda encontrase posicionada sobre a região temporal do corpo ciliar. Cornea (C),
esclera (S), íris (I) e corpo ciliar (CB) podem ser identificados em
ambas as figuras; A. No estado desacomodado a distância entre o
equador do cristalino e o esporão escleral é de 1,401 mm; B. No estado
acomodado a distância entre o equador do cristalino e o esporão
escleral é de 1,695 mm.
Wilson 14 demonstrou, usando transiluminação escleral com
luz infravermelha em olhos humanos albinos, que o equador
do cristalino se movimenta em direção oposta a esclera durante a acomodação. Glasser and Kaufman estudaram os movimentos do equador do cristalino e do corpo ciliar usando biomicroscopia ultrasônica e goniovideografia durante a acomodação e desacomodação.
Eles encontraram que, apesar dos movimentos oculares sistemáticos devido a estimulação elétrica e não sistemáticos devido a estimulação farmacológica, em todos os instantes o corpo ciliar e o equador do cristalino moveram-se em direção oposta a esclera durante a acomodação.
Outro estudo conduzido por Glasser and Campbell demonstraram que o estiramento mecânico da zônula do cristalino humano aumenta o comprimento de foco, de acordo com a teoria clássica de Helmholtz. Além disto, não existe nenhuma confirmação da descrição anatômica da região ciliar, do mecanismo acomodativo ou causas da presbiopia
descrita por Schachar.
O movimento posterior direcionado externamente da porção anterior do músculo ciliar em direção à esclera, como foi sugerido por este autor através de análise
histológica, não pode ser observado por métodos de imagens.
Também, as descrições das inserções zonulares conflita com
as evidências observadas pelas análises histológicas e de
microscopia eletrônica de varredura.
não há inserções de fibras zonulares equatoriais ou nenhuma outra fibra zonular na
base da íris e no músculo ciliar anterior (Fig. 6A e B). As fibras
destinadas a porção anterior e equatorial da cápsula foram
demonstradas estarem fortemente aderidas aos processos
ciliares. Elas partem acompanhadas com as zônulas posteriores continuando em um curso retilíneo até a inserção.
Fig. 6 - Fotografia tirada do microscópio cirúrgico de um globo ocular
obtido “post-mortem” depois de seccionado no equador, mostrando a
superfície interna do segmento anterior com ângulo de visão posterior;
A. O cristalino (L) está no centro, circundado por uma série de linhas
radiais que são os processos ciliares, a pars plicata (PP). Este último
está delimitado pela pars plana, que se termina com bordos irregulares
na ora serrata, onde se inicia a retina (R); B. Mesma imagem com
magnificação maior. Note as zônulas (setas) ancorando o cristalino
à pars plicata do corpo ciliar.
Ambas as zônulas anteriores e posteriores saem das
pars
plicata como fitas, estendendo-se paralelas aos processos
ciliares. As poucas zônulas estendendo-se ao equador do
cristalino originam-se das partes centrais dos processos ou dos vales e geralmente derivam das faixas de zônulas
anteriores e posteriores. (
Werner, 2000).
Olho-Retina-Stenopo-Câmara obscura
Existem dois tipos de fontes luminosas (?) conhecidas: aqueles que têm a capacidade de emitir luz, como o sol é exemplo, fonte de luz branca, e os objetos que são iluminados por um foco de luz, i.e., objetos que refletem parte da luz projetada sobre eles, e absorvem outra parte (Gleitman et al., 2003, p. 258).
Quando observamos os metazoaários, pode-se constatar que existem variados tipos de “olhos”. Possivelmente o olho evoluiu, de forma independente, em muitos táxons do reino metazoa.
Nosso olho pode ser comparado a uma câmara obscura. E foi Leonardo da Vinci, Della Porta e Kepler que também entenderam o olho humano como sendo análogo à câmara escura (câmera obscura) desenvolvendo a analogia proposta por Alhazen no século XIII.
Galeno de Pérgamo (129-199), em "Sobre o uso completo das partes do corpo", foi o primeiro a atribuir ao humor cristalino a função de principal instrumento da visão, justamente por ele ser o último receptor sensitivo, conforme ele escreve:
O próprio humor cristalino é o principal instrumento da visão, um fato claramente provado por aquilo que os físicos chamam de catarata, que se localiza entre o humor cristalino e a córnea (Galeno apud Lindberg, 1976, p. 11).
Para Galeno, quando um homem sofre de catarata, esta impede que o objeto seja percebido pelo olho desse homem, isto é, quando a catarata encobre o humor cristalino, o homem deixa de ver.
Galeno inferiu disso que é o humor cristalino a parte do olho responsável pela visão; sendo assim, é no humor cristalino que as imagens são formadas.
Essa função atribuída ao humor cristalino prevalecerá por toda a Idade Média, só sendo rompida por Johannes Kepler (1571-1630) que, seguindo a anatomia de Felix Platter (1536-1614) médico suíço, atribuirá à retina o papel de principal responsável anatômico pela formação das imagens no olho humano.
Esta analogia, de modo genérico, é bastante apropriada (veja a figura a seguir).
Atualmente, em analogia à comparação feita por Leonardo, pode-se contrastar o olho com uma câmara fotográfica, no qual a lente da câmara é o cristalino do olho.
Na câmara obscura não existe uma lente, apenas um orifício, o estenopo, por onde entram os raios luminosos.
A lente da câmera fotográfica refrata os raios luminosos que passam por ela, projetando, dessa forma, uma imagem invertida numa superfície fotossensível.
Na câmara fotográfica, a imagem é focada, modificando-se a posição da lente (afastando-a ou aproximando-a); enquanto no olho humano, essa função é realizada pelos músculos ciliares.
Esses músculos atuam contaíndo-se de forma a curvar mais o cristalino, quando se foca uma imagem próxima, e (distendem-se) relaxam-se de maneira a achatá-lo mais quando se foca um objeto à distância. “O termo científico que corresponde a este processo é a acomodação” (Gleitman et alii, 2003, pp. 259, 260). “Tanto a câmara como o olho são capazes de determinar a quantidade de luz que entra. Na câmara é utilizada a abertura do diafragma; no olho é a íris, músculo liso e circular que rodeia a abertura pupilar – que desempenha essa função, contraindo-se e dilatando-se, em resposta reflexa a maior ou menor iluminação (Gleitman et alii, 2003, p. 260).
As células humanas, que fazem a detecção da luz proveniente do exterior, encontram-se divididas em cones e bastonetes e são abundantes na retina, estando dispersas de forma variável.
Enquanto que os bastonetes se encontram mais na zona periférica da retina, os cones encontram-se em maior abundância na fóvea 5. Relativamente a estas células, sabe-se que existem 120 milhões de bastonetes, para cerca de 6 milhões de cones (Gleitman et alii, 2003).
Tanto os bastonetes como os cones, além de variarem no seu posicionamento, quantidade e formato, variam também na sua função.
Assim, os bastonetes são as células responsáveis pela visão noturna, dado que estas reagem a baixas intensidades de luz, dando origem a visões a preto e branco. Relativamente aos cones, estes reagem às altas intensidades de luz, sendo os responsáveis pela visão diurna e também pelo reconhecimento cromático, isto é, pelo reconhecimento das cores.
É ainda, importante sumarizar que os bastonetes são mais sensíveis à luz que os cones, e como tal não têm tão boas capacidades no reconhecimento dos detalhes, função que é desempenhada pelos cones.
5 Encontra-se localizada no centro da retina, sendo que é nesse local onde ocorre o encontro focal dos raios luminosos que entram no olho, por outras palavras, a fóvea é a zona da retina que permite ter uma melhor resolução na visualização de imagens.
De um modo sucinto, a retina é um dos elementos mais importantes do sistema visual, permitindo ao ser humano visualizar os objetos do mundo exterior com maior nitidez e resolução” (Rodrigues, 2010, p. 13). Para que a informação recolhida pelas células receptoras da retina – bastonetes e cones – possa ser interpretada pelo cérebro, terá de passar ainda, por outras camadas de células da retina (Fig.2.).

Estes receptores “estimulam as células bipolares, que por sua vez, excitam as células ganglionares” (Gleitman et alii, 2003, p. 260), e transferem, posteriormente, essa informação para o nervo ótico que irá fazer a conexão ao córtex cerebral. As fontes luminosas apresentam duas dimensões físicas: intensidade e comprimento de onda. A primeira caracteriza-se pela “quantidade de energia radiante por unidade de tempo” (Gleitman et alii, 2003, p. 258), sendo que este comprimento de onda é fundamental para a percepção da cor. No entanto, apenas uma parte destes comprimentos de onda é visível ao olho humano, espectro que se encontra compreendido entre os 400 (cor violeta) e os 700 (cor vermelha) nanómetros (Nm). Gleitman et alii (2003), complementam dizendo que o comprimento de onda ao qual chamamos de luz, são apenas aqueles comprimentos de onda a que o nosso sistema visual é sensível e constitui apenas uma pequena parte do espaço eletromagnético. Os “comprimentos de onda mais curtos (como os da luz ultravioleta) são-nos sensíveis, tal como os comprimentos de onda maiores (os infravermelhos que sentimos como calor)” (Gleitman et alii, 2003, p. 259). Além da luz visível, o espectro eletromagnético é constituído por outro tipo de radiações eletromagnéticas, como se pode constatar na Fig. 3.

Fig. 3
Bibliografia
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“O passado passou, e só o presente é real, mas a atualidade do espaço tem isso de singular: ela é formada de momentos que foram, estando agora cristalizados como objetos geográficos atuais; essas formas objetos, tempo passado, são igualmente tempo presente enquanto formas que abrigam uma essência, dada pelo fracionamento da sociedade total. Por isso, o momento passado está morto como tempo, não, porém como espaço; o momento passado já não é, e nem voltará a ser, mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma vez que está sempre aqui e participa da vida atual como forma indispensável à realização social”. (Milton Santos)
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Os cianótipos pioneiros do físico inglês William Henry Fox Talbot (1800- 1877), que produziu imagens decalcadas ao Sol por volta de 1844 e os fotogramas contemporâneos do artista Man Ray (1890 – 1976), são exemplos de abordagem de códigos visuais que permitem, pela sua natureza, a análise da potencialidade simbólica da herança imagética deixada por tantos artistas que tem se utilizado da Cianotipia desde os primórdios da Fotografia até os dias atuais.
Sistema de impressão inventado em 1842 por Sir John Herschel, a Cianotipia baseia-se no descobrimento de que determinados sais de ferro (ferricianeto de potássio e citrato de ferro amoniacal), eram sensíveis à luz, i.e., eram fotosensíveis.
O cianótipo consiste numa superfície emulsionada que, exposta à luz ultravioleta, revela uma imagem de gradação azul. O processo pode ser obtido tanto a partir de negativos comuns, como de intervenções gráficas livres ou reproduções em materiais transparentes ou translúcidos.
É necessária a impressão por foto-contato, com exposição à luz ultravioleta. Por isso, é imperativo ampliar previamente os negativos e outros originais no formato final desejado para serem positivados. A utilização de matrizes de grandes formatos (negativos), com múltiplas interferências gráficas, para posterior impressão à luz solar, ao ar livre, permite a obtenção das imagens-cianótipos (positivos).
As matrizes produzidas, pelo próprio formato amplificado, traduzem a linguagem de grandes vitrais, já que exploram os recursos não apenas fotossensibilizadores da transparência, translucidez e opacidade, como em si mesmas representam resultados plásticos de grande interação com o ambiente em que estão inseridas. Fazem mediação entre exterior e interior, entre luz natural e artificial.(
Campos, 2007)
A CIANOTIPIA DO PONTO DE VISTA DA QUÍMICA
Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto
crgomes@fc.up.pt
A Cianotipia do ponto de vista da química A cianotipia (cyanotype) é um processo de impressão fotográfico em papel ou em tecido que produz imagens em tons de azul (do grego cyanos, azul escuro).
Ao contrário da fotografia a preto e branco que tem por base a química dos sais de prata, a cianotipia assenta na redução fotoquímica dos sais de citrato de ferro (III) e é uma técnica usada essencialmente para produzir cópias em papel ou em outros suportes e não negativos.
Este processo de impressão fotográfico foi concebido pelo cientista e astrónomo Inglês, Sir John Frederick William Herschel, em 1842[1].
Na base da impressão da cor azul, conhecido como “blue print”, está a formação sobre a folha de papel de um precipitado insolúvel de “azul-daprússia”.
Do ponto de vista químico, o “azul-da-prússia” é o hexacianoferrato(II) de ferro(III), cuja fórmula química é Fe4[Fe(CN)6]3.
Este pigmento azul característico da cianotipia foi descoberto acidentalmente em Berlim no ano de 1704 pelo químico e pintor Heinrich Diesbach.
Ao longo dos tempos ficou conhecido por diversos nomes, nomeadamente ferrocianeto de ferro (III), ferrocianeto férrico, e hexacianoferrato férrico.
A nível molecular existem diferentes “azul-da-prússia”, cujas fórmulas variam de KFe[Fe(CN)6].5H2O (conhecido como “azul-da-prússia solúvel”) até Fe4[Fe(CN)6]3.15H2O (conhecido como “azul-da-prússia insolúvel”).
Todos têm em comum a sua estrutura cristalina cúbica característica que pode acomodar no seu interior diferente número de moléculas de água e de íons metálicos.
Para realizar esta técnica são necessárias duas soluções de ferro, no estado de oxidação +3, e uma fonte de radiação ultravioleta (a luz solar é suficiente, mas pode ser usada uma lâmpada ultravioleta).
Na formulação original de Sir John Herschel, utiliza-se o citrato de amónio e ferro (III) e o hexacianoferrato(III) de potássio.
O citrato de amónio e ferro (III) é também conhecido por citrato férrico amoniacal, cuja fórmula química é C6H8O7.x Fe3+.y NH3 e o hexacianoferrato(III) de potássio é também conhecido por ferricianeto de potássio, cuja fórmula química é K3[Fe(CN)6]).
Em alternativa ao citrato de amónio e ferro (III), Mike Ware[2] propôs a utilização do tris(oxalato)ferrato(III) de amónio (III) trihidratado (conhecido também por oxalato férrico de amónio, cuja fórmula química é (NH4)3[Fe(C2O4)3].3H2O).
Esta variante é conhecida como “novo processo de cianotipia” [2]. Para fazer uma imagem pelo processo de cianotipia, prepara-se o papel com uma mistura em partes iguais das duas soluções de ferro e deixa-se secar ao abrigo da luz.
Entretanto, produzem-se os cianotipos a partir de negativos comuns ou de desenhos ou reproduções em materiais transparentes ou translúcidos. A impressão é feita por contacto, numa prensa, colocando-se o cianotipo sobre o papel e expondo o conjunto à radiação ultravioleta (luz solar direta ou a uma potente lâmpada ultravioleta).
O original atua como um negativo, onde os elementos escuros aparecem claros e os claros aparecem escuros. Nesta fase, dá-se a redução fotoquímica do oxalato ou do citrato de ferro (III) para formar o ferro (II), de acordo com a seguinte reação fotoquímica, representativa do novo processo de cianotipia, em que se usa o tris(oxalato)ferrato(III) de amónio[3,4]:
2 [Fe(C2O4)3] 3− + hν → 2 Fe2+ + 2 CO2(g) + 5 C2O4 2−
Na presença do hexacianoferrato(III) de potássio, os catiões de Fe(II) formados, reagem de acordo com a seguinte reação de oxidação-redução:
[Fe(CN)6] 3− + Fe2+ → [Fe(CN)6] 4− + Fe3+
E finalmente dá-se a precipitação do azul-da-prússia, segundo a seguinte reacção química:
3 [Fe(CN)6] 4− + 4 Fe3+ → Fe4[Fe(CN)6]3
Bibliografia
[3] – Mike Ware, Prussian Blue: Artists' Pigment and Chemists' Sponge, J. Chem.
Educ., 2008, 85 (5), 612 – 621.
[4] – Mike Ware, 'The Enduring Image', Chemistry World, 2007, 4 (8), 62 –
65.
Carlos Rocha Gomes
Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto
crgomes@fc.up.pt